Sabujice da sociedade "sergiomoriana"


\*/por Armando Coelho
Não. Não é por aí. Ouço e repito isso com freqüência, embora em certas situações não seja possível responder por onde é. Às vezes falta conhecimento, estofo político, capital intelectual. Falta uma planilha confiável e um residual “não somos quem”, pois não integramos o bloco das falas autorizadas de que trata a filósofa Marilena Chauí, quando analisa o tal “Discurso Competente”. Nele, não é qualquer um que pode dizer a qualquer outro qualquer coisa em qualquer lugar e em qualquer circunstância. Às vezes, é preciso ser um Arnaldo Jabour, Boris Casoy, Gilmar Mendes...
Disso deriva não se poder debater a vergonha institucionalizada, que Moros, Marinhos, Malafaias, Maçonarias fingem combater. Uma realidade caracterizada pelo que existe de mais repulsivo na construção e ou desconstrução da dignidade humana. Referências fechadas, aplausos à sabujice oportuna, juridiquês falso moralista. Arautos previamente chancelados produzem clichês que possam ser reverberados por pretensos intelectuais ou qualquer ser reconhecidamente precário.

Para ser ouvido é preciso ser quem e usar palavras como moralidade, família, religião, honestidade, bem maior, repressão, futuro, as mesmas que saíram da boca de ladrões durante a farsa do impeachment da Presidenta Dilma (Fora Temer). Tem como suporte a cretinice da gambiarra jurídica qualquer nunca vista. Mesmo que urdida numa instância primária, corrupta, leviana, oportunista. Afinal de contas, situações novas exige soluções igualmente inéditas. Constituição? Ah, ta...
O curioso é que o fato novo é mais velho que a solução. Pois foi no velho que se construiu o dito novo, que já nasceu velho. Lembro, por exemplo, que Sérgio Moro nasceu, cresceu, estudou  em plena ditadura. Uma ditadura cretina, corrupta e entreguista. Mas, hoje ele é o novo que, diante da corrupção velha, parece usar o arcaico como moderno e não posso dar risada disso tudo, por não fazer parte do staff autorizado.
É tudo tão cínico quanto produtos vendidos por R$ 1,99. Uma mentira de um centavo que faz as pessoas repetirem que por esse  preço adquiriu e que obteve vantagem. É como se fosse um real a menos. Ilusórios quebrados que levam postos de gasolina a competirem em casas centesimais estúpidas. Por exemplo, gasolina R$ 3,498.  Há forma mais ridicula de disfarçar R$ 3,50? E isso é apenas o lado visível do cinismo social. Por estar na cara e já fazer parte da cultura, dei de chamar modernamente de cultura “sergiomoriana”.
Como a nova sociedade de R$ 1,99 precisa de um demônio, elegeram Luís Inácio Lula da Silva, que na vida real foi o melhor presidente da história do Brasil e até hoje lidera pesquisas de intenção de voto. O mesmo Lula que, segundo as más línguas, seria tratado por Moro como “Nine” (Nove), numa suposta, estúpida, vergonhosa e depreciativa alusão à um dedo a menos naquele satã. Um dedo perdido em lendas que tiram até hoje o sono das Senhoras de Santana e da carolas velhinhas da cidade de Maringá/PR, onde o tal juiz teria nascido.
A sociedade “sergiomoriana” é assim e só pode ser assim. Desse modo, é preciso inventar diabos que dêem suporte à cruzadas religiosas e “moralistas”. Em nome de Deus, tanto faz dizer “Somos Todos Cunha”, “Somos Todos Moro”, “Somos todos Macacos”. A telinha mágica dos Marinhos está pronta para detonar cérebros e moldá-los à nova cartilha. Afinal de contas, já conta com a chancela do Tio Sam - mago que conseguiu patrocinar um golpe de estado no Brasil, apenas distribuindo trocados e garrafas de vinagre para arruaceiros e vestindo paneleiros e carroceiros de verde-amarelo. E algumas chantagens, claro!
Destruir Lula faz parte da mágica centesimal da gasolina, do centavo escroto retido à força. Tudo servindo de exemplo da mentira com a qual se convive, até que apareça um “sergiomoriano” que tente encarar o problema de frente. Alternativamente, a TV Globo/Veja convença que o centavinho retido é obra do PT e que nas contas de Mirian Leitão isso fique demonstrado ter sido o maior crime financeiro da história. Banestado e Trensalão, não.
Nesse Feliz 2017, a cultura “sergiomoriana” vive de esperanças. Umas são chamadas de Deus, outras de Quina ou Mega-Sena. A esperança é a última que morre e precisa ser renovada toda semana: ou ficamos ricos ou vamos para o céu... Mas, é preciso destruir Lula para vender a ilusão de que tudo vai mudar. Algo imprescindível para que tudo fique exatamente como está - centesimalmente “sergiomoriano’.
Armando Rodrigues Coelho Neto é jornalista e advogado, delegado aposentado da Polícia Federal e ex-representante da Interpol em São Paulo
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