Arre!

Moro, umbigos apolíticos e futricas classistas, por Armando Rodrigues Coelho Neto
(...) Moro, de encantador de incautos a sedutor de burros pós-graduados?
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Não há diferença entre esquerda e direita e quando chegam ao poder são todos iguais. Eis um raciocínio sentencial, ao qual se pretende dar conotação apolítica, como se ele em si não tivesse efeito político, sobretudo quando se pretende encerrar um debate. Seria como se o não debater não tivesse efeito prático algum na vida social, como se o não debatido não significasse a aceitação de um fato político nocivo ou vexatório exatamente como ele está. Como se tal fato imexível não estivesse a serviço de ninguém. Mais que isso, como se a omissão, na maioria dos casos, não significasse um ato político que expõe ao ridículo o tal apolítico. Tudo a coroar a porca lei das alternâncias cíclicas de gerações, em especial a que hoje eclode com reduzida capacidade de raciocínio, vitimada pela corrosiva dominação dos meios de comunicação.
Entramos na baixa estação, época na qual proliferam os congressos, encontros das abastadas e elitistas carreiras dos graduados servidores públicos municipais, estaduais, federais. Os delegados federais, por exemplo, acabaram de realizar o seu evento, do qual saiu uma enxurrada corporativista com um vago pretexto de tornar a PF mais eficiente e melhor defender a sociedade(!?).  Aliás, divulgou uma carta apolítica, feita para uma polícia de outro planeta, absolutamente desconectada de um país que sofreu um golpe de estado. Pasmem! Os delegados federais dependem do suspeitíssimo parlamento golpista e mafiocrata, para terem seus anseios contemplados. Para tanto, precisam ser apolíticos, desatrelados da realidade nacional.

Desse modo assinaram uma carta farta de umbigos tais como salário, futrica com o Ministério Público, recursos materiais e humanos, isenção de taxas de porte de arma, aposentadoria especial, preocupação com cargos de chefia, indenização de fronteira. Tudo no melhor estilo armário, no qual cada gaveta contém utilidades que não se comunicam. Destacam, a propósito, “garantir o funcionamento autônomo das instituições de Estado, livre de qualquer possibilidade de interferência política”. Como? Se pedem autonomia é por que não a tem, é isso? Se sem autonomia ajudaram a destituir a Comandante Máxima da Nação (Forta Temer!),  destroçaram a credibilidade do Brasil no mercado internacional de carne, imagina com... É com esse instrumental que pretendem tornar a instituição mais eficiente.
Se os delegados escolheram um resort em Florianópolis, outras categorias escolheram São Paulo. Representantes classistas reuniram-se para disputar espaço entre siglas concorrentes, fóruns disso e daquilo. Obviamente, sem esquecer a reforma da previdência e sua parte no latifúndio. Para tanto, fiscais municipais, por exemplo, no alinhar de posições, chegaram até a aprovar uma participação nos protestos de 31 de março. Até onde se sabe, com restrição ao uso da expressão “Fora Temer”, pois a exemplo dos delegados da PF, também precisam ser apolíticos.
Talvez o mais sóbrio encontro tenha sido mesmo o de procuradores do Trabalho, a categoria mais ameaçada de todas. Os mafiocratas do poder, que vêem índios como invasores das terras de Pindorama, não disfarçam o anseio pelo trabalho escravo e infantil. Querem a qualquer custo o fim das leis de proteção ao trabalho e ao trabalhador. A caixinha de maldades golpistas inclui um insólito e obnóxio “vale o que for acordado e não a lei”, deixando no ar uma pergunta: a que se prestaria a combalida Consolidação de Leis Trabalhistas (CLT)? E vem o mais grave, pois afinal de contas, por força de disposição constitucional, cabe aos procuradores do Trabalho o dever de zelar e fiscalizar o cumprimento de leis trabalhistas, defender os direitos sociais garantidos na Lei Maior. Nesse pós-golpe, qual seria mesmo o papel de um procurador do Trabalho?
Não à toa, no encontro dos procuradores do Trabalho, a categoria foi obrigada a tirar os olhos do umbigo e ir direto ao ponto, num tímido sinal de distanciamento do apolítico. O presidente da Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho disse que “O Direito do Trabalho está sendo desconstruído e desmontado ou, ao menos, brutalmente reconfigurado”. Bateram de frente com a terceirização, que segundo a associação foi “retirado do fundo da gaveta para atender a interesses do empresariado, sem quaisquer garantias para o terceirizado”. Ele destacou ainda que logo a sociedade saberá as consequências nefastas do projeto. Afinal, serão “trabalhadores trabalhando bem mais, ganhando bem menos e muito mais sujeitos a acidentes de trabalho e mortes, podendo, ao final de uma jornada de trabalho, não retornar para o seio de suas respectivas famílias”.
De uma forma geral, em sua maioria, membros da ditas ou pretensas carreiras de estado ou similares têm permanecido sob o selo apolítico, esperneando diante do golpe de estado apoiado por elas. Com perfil elitizado e distante das questões sociais nacionais, tropeçam no governo ilegítimo, escorregam na lama que flui do parlamento golpista. Ainda assim, permanecem apolíticos, achando que o golpe é questão de interpretação jurídica, portando-se, de certa forma, muito próximos daqueles que muitos deram de chamar de burros pós-graduados. Olhos voltados para o umbigo, permanecem desconectadas da realidade social.
O que Sérgio Moro tem a ver com isso? É que de encantador de incautos, ao que tudo indica, estaria seduzindo os tais burros pós-graduados.
Armando Rodrigues Coelho Neto é jornalista e advogado, delegado aposentado da Polícia Federal e ex-representante da Interpol em São Paulo.