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O almoço chegara ao fim. Deliciado, o urubu-rei-do-planalto-central raspava os derradeiros fiapos da carniça que ele e seu bando devoravam. Era uma carniça enorme, fedorenta como ela só. Talvez a carniça da Previdência Social. Quem sabe a carniça da Educação Fundamental. Ou ainda a carniça dos Direitos dos Trabalhadores. Mas que era deliciosa, fosse a carniça que fosse, lá isso era.
Saciado, o urubu-rei-do-planalto-central arrotou. Bocejou. Abriu as longas asas escuras espreguiçando-se com prazer. Apoiou as patas no chão e, bico erguido, lançou-se no espaço azul da manhã que findava.
– Diacho! – resmungou ele, constatando que as asas lhe pesavam que nem chumbo. – Estarei ficando mais velho do que sou? Nunca me pesou tanto o corpo nem jamais tive tanta dificuldade para alçar voo. Alguma coisa está errada. Virou o bico para trás e viu que, logo ali perto, voava o urubu-secretário-geral-do-planalto-central.
– Tudo bem, meu caro urubu-secretário-geral? Gostou do almoço?
– Adorei – ripostou o urubu-secretário-geral. – O diabo são essas asas pesando que nem chumbo. Tá difícil pra cacete voar assim.
Olhou o urubu-rei-do-planalto-central para o traseiro do urubu-secretário-geral e viu saindo dali, do emplumadíssimo rabo, inumeráveis outros urubus, enorme montoeira de urubus, presos por correntes de ouro ao rabo do urubu-secretário-geral.
CORRENTES SEM FIM
– Engraçado isso – espantou-se o urubu-rei-do-planalto-central. – Não sabia que o urubu-secretário-geral tinha o rabo preso a tantos outros urubus. Deve ser isso que está tornando tão difícil seu voo. Será que ele não percebe?
– Meu caro urubu-secretário-geral – explicou o urubu-rei-do-planalto-central –, o que deve estar pesando suas asas é essa quantidade enorme de urubus pendurados no seu rabo por correntes de ouro.
– No meu rabo? – Espantou-se por sua vez o urubu-secretário-geral. – Não vejo nada pendurado no meu rabo. No rabo de vossa excelência, sim, vejo centenas ou milhares de urubus, presos por correntes de ouro.
O urubu-rei do-planalto-central posou com dificuldade num galho de eucalipto e se pôs a meditar em voz alta, como se interrogasse o urubu-secretário-geral.
– Será que os urubus pendurados no rabo do urubu-secretário-geral são visíveis pra mim, mas invisíveis pra ele? E será que, ao contrário, os urubus pendurados no meu rabo são visíveis pra ele e invisíveis pra mim?
Disposto a resolver a pendenga e olhando mais longe viu o urubu-chefe-da-casa-civil que voava com tremenda dificuldade.
– Meu caro urubu-chefe-da-casa-civil, tudo bem com você? – perguntou o urubu-rei-do-planalto-central ao urubu-chefe-da-casa-civil.
– Quase tudo – respondeu o urubu-chefe-da-casa-civil. – O diabo é que as asas me pesam como se de chumbo fossem. E não tenho nada me atrapalhando, depois do farto e delicioso almoço de finíssimas carniças, ao contrário do que vejo pendurado no rabo de vossa excelência e no rabo do urubu-secretário-geral.
– E o que vê em nosso rabo? – perguntou curioso o urubu-rei-do-planalto-central ao urubu-chefe-da-casa-civil.
– Vejo uma quantidade incrível de urubus presos com correntes de ouro nos rabos uns dos outros. Correntes de ouro no rabo de vossa excelência e correntes também de ouro no rabo do secretário-geral.
– Mas não vejo nada preso no meu rabo – respondeu o urubu-rei.
– Nem eu – respondeu o urubu-secretário-geral que ouvia atentamente ali perto. – Só vejo montes de urubus presos no rabo do urubu-rei-do-planalto-central e no rabo do urubu-chefe-da-casa-civil. No meu, não vejo nada.
DESVENDANDO O MISTÉRIO
Olhou para bem longe o urubu-rei-do-planalto-central. E viu que todos os urubus de seu séquito, que eram centenas, traziam inumeráveis urubus presos a seus rabos por correntes de ouro, de modo que havia milhares – e bota milhares nisso! – de urubus presos nos rabos uns dos outros. E todos presos por correntes de ouro!! Deviam valer uma fortuna fabulosa aquelas correntes de ouro!!! Um lavrador, que passava por ali com sua enxada velha no ombro magro, olhou para o céu e estatelou-se admiradíssimo:
– Cruzes. Nunca vi tanto urubu junto!
De boca aberta, olhando para o alto, perguntou ao filho que o acompanhava:
– Olha lá no céu, filhote! Tá vendo aquela urubuzada?
O garoto olhou para cima e abriu a boca, mais espantado que o velho pai:
– Vixi Maria! Nunca vi tanto urubu junto! Só não escureceu porque tem uma montoeira de correntes brilhando quase que nem o sol!
– E ocê tá vendo que todos estão presos por essas correntes brilhantes nos rabos uns dos outros?
– Tô vendo, sim, pai. É uma urubuzada danada. E tudo agarradinho no rabo uns dos outros. Parece coisa do capeta.
– Não sei não, filhote – filosofou o lavrador. – Mas esse bando de urubus acorrentados uns nos rabos dos outros tá me parecendo aquele bando que tomou conta do governo do Brasil.
– Será deveras possível, pai? Urubu pode governar um país?
– No resto do mundo acho que não, filhote, mas aqui é bem possível. Ainda mais se estiverem presos uns nos rabos dos outros por correntes de ouro.