A humanidade, de tempos em tempos, é acometida por um medo irracional de seu semelhante. Desde as muralhas construídas nas primeiras Cidades-Estado da Mesopotâmia, passando pela Muralha da China, pela Muralha de Adriano, o Muro de Berlim e chegando aos atuais muros da Cisjordânia, de Belfast, e a tentativa feita por Trump, na fronteira dos EUA e México. Existem inúmeros outros, com certeza. Em todos os continentes, em todas as culturas, em todos os tempos. Na prática, os muros sempre serviram para proteger algo que algumas pessoas julgavam valioso, de quem era julgado desprezível ou dispensável. Desde razões religiosas, econômicas e até, mais recentemente, culturais são invocadas para consecução material do nosso ódio ao outro: o muro.
Temos inúmeros muros no Brasil. Qualquer condomínio fechado, ou casa com cerca elétrica, é uma reprodução em miniatura deste ódio atemporal que cultivamos. Mas, como a História mostra que os meios mais baratos de contenção não são os físicos, existem muros, de palavras, de valores e até de vazios. Brasília é um bom exemplo. Quem conhece sua urbanística atual percebe que imensos espaços vazios afastam as populações mais pobres dos núcleos ricos ou de onde se exerce poder. Portanto, o muro pode ser de concreto, de pedra ou de vazios. Continuam sendo muros, cujo objetivo é separar e evitar que aqueles que estão fora, entrem.
É bem provável, também, que muitos dos governantes atuais adorassem a ideia de construir muros, Brasil afora. A História recente mostra que não há tijolo colocado sobre cimento e tapado com argamassa neste país que não tenha uma contraparte em dólar alguma conta no exterior. O problema é que nossos governantes não tem o poder do Imperador Romano Adriano, nem o tempo das dinastias chinesas ou o dinheiro da América do Norte de Donald Trump para construir muros. E, no Brasil, seriam necessários muitos muros, pois os indesejáveis estão nos sinais, nas periferias, nas favelas e nas ruas. Deixaram de respeitar o acordo tácito dos lugares em que podiam ou não ir. E por fazerem isto, são expulsos a cassetete, água gelada ou incêndios “acidentais”. Expulsões tópicas, porque caras e ineficientes.
Na impossibilidade material de se livrarem definitivamente dos indesejáveis, o vice-governo brasileiro atende às elites que o ajudaram no golpe e cria uma série de medidas-muro, cujo objetivo não é outro, senão afastar o jeguedé. O ministro da saúde já deixou bem claro que se deve arredar os indesejáveis do atendimento médico. “Não há orçamento”. Começaram atacando e destruindo o Programa Mais Médicos, as Farmácias Populares e, dentre tantas outras coisas, agora estão acabando com a distribuição de remédios para contenção do vírus HIV. Os diversos muros de Barros visam impedir que os malnascidos possam sobreviver. No entanto, ele Barros se esconde atrás de muros de escudos. Muros que só os ovos conseguem ultrapassar.
Na educação, muros de livros são erguidos. São muros “sem partido”. O muro de Mendonça, filho da ignorância de que a política desune, “reformou” o ensino para dividir. O público terá menos livros, menos professores, menos conhecimento, mas os indesejáveis filhos dos miseráveis brasileiros ficarão presos nas escolas por mais tempo. Presos nos muros da benevolência que esconde a vontade de separar. Os educadores, estes pobres diabos, que se virem com os pequenos trastes lá dentro. Crianças contra quem o governo claramente reergue o muro no ensino superior. Desmontam-se os financiamentos, destroem-se as bases curriculares e os filhos do Brasil pobre jamais saberão o que é uma “clava forte”, já que nunca deitaram em berço esplêndido. Se ousaram, um dia, diminuir os muros da desigualdade econômica, que criemos o meritocrático muro do conhecimento.
Por outro lado, construída com frágeis tijolos jurisprudenciais e muito cimento de convicção, ergue-se a muralha da justiça. Certamente com letra minúscula, como quem a tem aplicado. O Mouro e o Evangélico se unindo contra o Brasil que comia. Contra o Brasil que tinha emprego. Se a justiça já tinha em si muros imensos no Brasil, agora os têm convictos de que nada mais é necessário para encarcerar do que a vontade do encarcerador. Se nunca foi igual para todos, a verdade é que ousaram dizer – um dia – que pobre tinha direitos. Tem sim, eles nos lembram. Aquele direito que surge de velhice antes dos trinta, de emboscada antes dos vinte e de fome um pouco por dia. Aos amigos tudo, aos inimigos a covardia. Escondida nas togas que, atualmente, nada mais têm do que a legitimidade do tecido negro.
Mas, a maior das muralhas está sendo construída. Em silêncio. Tijolo por tijolo para se certificar que o poder seja, novamente, intocável neste país. Os desafortunados, os indigentes, os desprovidos tiveram a audácia de por quatro pleitos pensarem que eram brasileiros. Esqueceram-se de quinhentos anos da mesma história sendo repetida. A golpes de chicote, no pau-de-arara ou com spray de pimenta. Fingiram-se de desentendidos e chegaram a gritar “diretas já”. Temer, Mendes e Maia constroem o parlamentarismo no Brasil. Nosso “cordón sanitaire”. A certeza de que as urnas, quando abertas, represar-se-ão (e eis a beleza da mesóclise) na Brasília do vazio. Aquela. Um parlamentarismo distrital, com as listas fechadas e esta mendicância pedinte e maldotada, que tem o desplante de se achar digna do artigo 5º, voltará a entender o seu lugar no país. Separada por muros. Sem tocá-los. E sem grafite.
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