Se Lula tem a propriedade oculta do triplex do Guarujá, ou se é dono dos pedalinhos, nem eu, nem você, nem o Sérgio Moro sabe ao certo. A verdade é essa!
No caso, em se tratando de processo penal, no mínimo, o princípio da presunção de inocência e o do "in dubio pro reo" deveriam prevalecer, como ensina basicamente a unanimidade da literatura e se extrai da jurisprudência mansa e pacífica dos tribunais, até por força da Constituição e de tratados internacionais ratificados pelo Brasil.
O que está em jogo, para além de defender ou objurgar a sentença condenatória pelo viés da dogmática jurídica, que não é tão exata como a física ou a matemática, é responder as seguintes indagações:
Qual foi a real motivação da decisão, jurídica ou política?
As provas produzidas pela acusação foram fortes o suficiente para superar as provas indiciárias, ou, além da importação distorcida da teoria do domínio do fato, no julgamento do mensalão, agora foi aplicado o direito penal do inimigo, com responsabilidade objetiva, ao revés de subjetiva, com inversão do ônus da prova, obrigando o réu a provar sua inocência, ao invés de a acusação ter de provar a culpa do réu, e com conversão do princípio do "in dubio pro reo", no "in malam parte"?
A mesma régua usada contra Luís Inácio e Dilma Rousseff será usada contra Michel Temer e Aécio Neves, ou seja, será feita "justiça para todos", com iguais pesos e medidas da balança, fio da navalha da espada afiada e posição da venda nos olhos da "gloriosa Têmis"?
Como explicar o quadro em que Dilma foi deposta mediante suposto crime de responsabilidade até hoje não compreendido pela população, bem como contestado por parte significativa da comunidade jurídica, Lula condenado num processo com provas frágeis, para não dizer inexistentes ou forjadas, enquanto Aécio e Temer continuam nos exercícios dos seus mandatos, mesmo após serem flagrados em áudio e imagem em negociatas e recebimento de malas cheias de propinas, por intermédio do primo e do assessor?
A Lava Jato, objetivamente, foi e é uma operação contra a corrupção, indistinta e indiscriminadamente, ou contra um partido e suas lideranças, em especial a maior e mais popular delas?
A corrupção acabou? A economia melhorou? A política atual é mais republicana? As reformas aprovadas no Congresso são inclusivas? A democracia foi ampliada, as leis estão sendo cumpridas e as instituições conquistaram credibilidade?
A quais interesses a Lava Jato atendeu até aqui, aos do povo humilde e calejado, ou aos das elites esnobes e privilegiadas? Afinal de contas, as instituições estão funcionando para quem?
Os militares receberam anistia pelos seus crimes, praticados durante vinte anos a fio. Collor foi absolvido no Judiciário, mesmo depois do irmão denunciá-lo e do PC Farias ser assassinado. Sarney, coronel do Maranhão, e FHC, príncipe da privataria, sequer responderam a processos.
Temer, denunciado no STF e pego com a boca na botija apoiando o cala-boca do Eduardo Cunha, continua presidente. Aécio, que ameaçou até matar antes do primo delatar o recebimento de propina pela JBS, voltou para o Senado.
A ex-primeira dama de Cunha, que gastou milhares de dólares com cartões de crédito de conta no exterior, irrigada por atos de corrupção comprovados, foi absolvida pelo juíz Sérgio Moro, que faltou falar que ela foi vítima dos maridão. Quase enquadrou ele na Lei Maria da Penha, ante a inocência da madame que fora "coagida" a comprar bolsas e sapatos de luxo, bem como a frequentar restaurantes caríssimos, tudo, pago pelo nosso dinheiro, dos contribuintes, do povo brasileiro.
Só Luís Inácio, que ousou retirar o país do mapa da fome e incluir milhões de brasileiros no mercado de trabalho e nas universidades públicas e privadas, foi condenado. E você realmente acredita que a motivação da condenação foi a suposta "propriedade oculta dum triplex no Guarujá"?
O depoimento de 70 testemunhas inocentando o ex-presidente Lula, mais o registro do imóvel e o oferecimento dele como garantia para linha de crédito, tudo em nome da OAS, foram simplesmente descartados. Enquanto isso, um documento sem assinatura, a opinião subjetiva e genérica de uma engenheira e a delação de um réu confesso e preso por mais de um ano, louco para fechar um acordo de delação premiada e receber o alvará para ir à casa, foram teratologicamente elevadas para o standart de provas inconcussas e robustas.
Como disse Ruy Barbosa: "A pior ditadura é a do Judiciário! Contra ela, não há a quem recorrer." Você que hoje aplaude, amanhã pode ser vítima desse tipo de tirania. É o que acontece quando a soberania popular é solapada e o Estado Democrático de Direito desmontado e renegado.
E quase à guisa de uma profecia consumada e ainda viva, Norberto Bobbio vaticinou que: "O problema grave de nosso tempo, com relação aos direitos do homem, não é mais o de fundamentá-los, e sim o de protegê-los."
Estamos vivendo em estado análogo ao de sítio, todavia, sob a batuta da narrativa de que: "As instituições estão funcionando!" Entretanto, há de se indagar: "Estão funcionando para quem, cara-pálida?"
Paulo Lemos é advogado em Mato Grosso, ex-presidente do Conselho Nacional de Ouvidorias das Defensorias Públicas do Brasil, articulista de opinião e palestrante.