Crônica do dia



O pão com pó de pedra
Tem mais de 40 anos, mas nunca vou esquecer. O nome do meu amigo e colega, na Escola Técnica (hoje Cefet, mas então Celso Suckow da Fonseca) era – e pelo que sei, é – Pedro Bravo Vasconcellos. Como muitos, ali, vinha do subúrbio;  eu, também. Era de Marechal Hermes, depois de Madureira, antes de Deodoro e o trem era o veículo para estudar.
Belo dia, vira-se para mim, não sei a propósito de quê, e diz: com ares de filósofo: “Passarinho” (era meu apelido), “o problema do Brasil é que quem está comendo pão com pó de pedra vive querendo sacanear quem está comendo pão com pedra britada, dizendo que a sua pedra é mais macia do que a dele”,
Acho que a conversa era sobre os babacas que ansiavam por ter um relógio Seiko, então o Rolex de pobre. E, claro, serem roubados, porque se roubava, também, naquele Rio do início dos anos 70, e não era pouco.
Penso nisso quando vejo o fenômeno de ódio e fúria que nos assola hoje. Vem de uma classe média que se satisfaz em sonhar com um SUV e uma viagem a Miami, a filha com roupa de princesa no aniversário da casa de festas. Aquilo que fez com sua afluência nos dez, doze anos de governo da “esquerdalha” lulista.
Quando começa a faltar, a culpa é dos pobres,  daqueles onde estiveram seus pais e seus avós, como estiveram os meus e que, graças às práticas dos “governos populistas” dos anos 30, 40, 50 e 60 que lhes permitiram por os filhos na escola – e a mim e ao Pedro na boa escola fundada por Vargas, em 1942 , e dar a eles horizontes, que não eram uma viagem à Disney.
A crise não é cruel com o povo apenas porque  maltrata e esfomeia os miseráveis. Mas também porque transforma os remediados  em inimigos ferozes da pobreza, ao menos no primeiro momento. Leva um tempo até que eles percebam que estão sendo tragados pelo mesmo processo. Ou para que saiam da covardia do comodismo e da esperança do “comigo não vão mexer”.
Para que vejam que os seus filhos, amaciados na alma pela “moleza” que os deixava ir até os 24, 25, fora do mundo do trabalho, agora não terem mais o emprego, menos ainda a segurança, menos ainda os netos, adiados para quando a vida for – e não será – mais fácil.
Minha geração, bem cedo, sob a opressão, apaixonou-se pela liberdade, moça proibida da qual a gente nunca se esqueceu e à qual amará até o último dia o sorriso luminoso.
Vivemos, sonhamos, transgredimos, mas também trabalhamos, criamos os filhos e, agora, com barriguinhas e umas deprimentes caixinhas de comprimidos, seguimos fazendo aquilo que nos torna humanos: pensar.
Há cansaço, sim, mas não há queixas, porque a educação nos deu o direito de, afinal, também só comermos pão com pó de pedra, não mais com pedra britada. Mas o que ouvi do Pedro Bravo Vasconcellos, há mais de 40 anos, não me sai da cabeça.
PS. Um amigo a quem remeti o texto, mostra que o Chico Buarque já tinha visto isso, na sua peça “Gota D’Água: “— Aqui, ó! Fodido, quando dá uma cagada, progride, vai ao futebol de arquibancada, já senta, se bem que com a bunda quadrada e fica ao lado da tribuna especial e fica olhando pra cadeira almofadada Fica odiando aquela gente bem sentada. E no auge da revolta, faz o quê? Faz nada, joga laranja na cabeça da geral “. 
por Fernando Brito - Tijolaço

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