Zé Dirceu - não temos o direito de errar de novo

O ano de 2017 seguramente se encerra de forma tragicômica, com o espetáculo da Suprema Corte e do Senado fazendo justiça unicamente para Aécio Neves.
Antes valia tudo: ônus da prova cabendo ao acusado, condenação sem provas (por convicção ou pela literatura jurídica), domínio do fato (uma aplicação que nem o autor da teoria aprova) e trânsito em julgado parcial, com execução penal após condenação em segunda instância.
Paralelamente, o país assiste, bestificado, ao festival de compra de votos e de barganhas para livrar o usurpador de ser processado por denúncia apoiada em delações altamente suspeitas, forjadas a fórceps. À base de chantagem, fraude e escutas arquitetadas a quatro mãos, entre a Procuradoria Geral da República e investigados também suspeitos de tramarem nas sombras a montagem de falsas provas e flagrantes.
Tudo pode acontecer. Menos anular delações, por mais ilegais que sejam. Não importa se fraudadas e montadas por meios criminosos, sob a suspeita de colaboração com os delatores, inclusive de membros da própria PGR.
A ladainha é que ilegalidades e práticas condenáveis não contaminam as delações, como se elas se constituíssem em provas em si e de per si, por um sopro divino. Mas o que se constata é a interferência da mão um tanto demoníaca, vingativa e punitiva da PGR.
Enquanto isso, vende-se o país, violentam-se e extinguem-se direitos. Até o da liberdade do próprio trabalho, por meio de um decreto infame, restabelecendo a escravidão.
Nada detém a sanha dos que traíram o juramento constitucional e o pacto social e político que refundou nossa democracia. Por dinheiro e poder, não descartam o uso da força, como alertam seus apaniguados mercenários, pois há que proteger e sustentar o rentismo e a usura, em nome de promessas que jamais serão cumpridas. Como não foram no passado recente, seja na ditadura ou na era FHC.
Não satisfeitos com o golpe, praticam o poder sem limites, delegado por um Congresso Nacional submisso e vendido em praça pública. Não se inibem com a vizinhança de uma Suprema Corte entretida com discursos retóricos sobre a moralidade e os princípios constitucionais que os próprios ministros rasgaram ao darem passagem a um golpe parlamentar agora desmascarado, porque comprado com dinheiro da corrupção. Fato que se tornou público e notório e que todos os integrantes do STF estavam cansados de saber – é vedado a eles o direito de alegar desconhecimento, engano ou engodo.
E a força do poder real se manifesta no mercado, no capital financeiro bancário, nos interesses dos rentistas. Assim como na tecnoburocracia policial e judicial encastelada no Estado, ávida por ascender à faixa do 1% habitada pelos mais ricos, com seus estilos de vida luxuosos e faustosos, almejando ser celebridade. Manifesta-se também na mídia controlada pela família Marinho, uma das mais ricas do país – riqueza conquistada à sombra da ditadura, manchada pelo sangue dos torturados e assassinados, pela corrupção sistêmica e impune da era militar.
Essa tríplice aliança decretou que Lula não pode ser candidato, que nosso povo não pode ser nacionalista, que o Estado não deve e não pode ser de bem-estar social. E que o trabalho e sua renda, como toda renda, devem servir ao deus mercado – leia-se, ao interesse da minoria dominante.
A eleição acontecerá, apesar de desejo explícito das elites de acabarem com ela, seja pelo prolongamento do golpe parlamentar, com um quê de legalidade e moralidade via parlamentarismo e voto distrital.
Mas o medo do povo — afinal, os políticos têm que salvar a própria pele e precisam pensar nas próximas eleições — emperra as reformas “salvadoras” e já derrotou o distritão. E a reação dos trabalhadores das cidades e do campo e das classes médias, duramente atingidos pelas reformas, certamente irá colocar em risco a reeleição de centenas dos hoje servidores fieis do golpista – e que amanhã serão opositores desde sempre.
Tudo estava preparado para a eliminação civil e, se possível, física de Lula, com condenação de dezenas de anos de prisão, sem direito de responder em liberdade, após condenação em segunda instância. Mas eis que o povo não desiste e insiste em eleger Lula presidente pela terceira vez, incapaz de entender os desejos dos senhores da vez. Não por ignorância, mas por desconfiança, conhecimento e experiência passada.
Não podemos nos comportar como se nada tivesse ocorrido. Nem o golpe e nem a perseguição implacável a Lula e ao PT, com sistemática campanha de criminalização do ex-presidente e do nosso partido. Tampouco toda a violência estimulada pela mídia contra nós, desde as manifestações de 2013. Manifestações copiadas e manipuladas pela direita e pelos golpistas com apoio externo – hoje comprovado -, a serviço das privatizações e da entrega do patrimônio nacional. Indignação, revolta e protestos que desapareceram não só da mídia e dos tribunais, mas também das ruas, quando chegou a hora do PSDB, da mídia, dos bancos e da própria Justiça.
Nenhum de nós poderá, de boa-fé, alegar desconhecimento do que significa o golpe em marcha, até pela experiência histórica do caráter violento e da total ausência de qualquer compromisso moral por parte de nossos adversários, da nossa direita e da nossa elite. Eles jamais vacilam e são capazes de toda violência e do uso da força, como vimos várias vezes em nossa história e das quais estamos agora mesmo sendo vítimas.
Daí, a necessidade urgente de dizer em alto e bom som que é preciso se preparar para fazer Lula candidato, garantir seu registro, fazer sua campanha, vencer a eleição e garantir sua posse. Uma vez no governo, garantir o exercício do poder para fazer as mudanças estruturais que o país exige, sob pena de governamos para eles, para gerir sua crise e atender a seus interesses, não os da nação e do povo.
E só há uma forma, uma maneira de garantir a eleição de Lula e o exercício do governo: com poder. E o único que temos para garantir o poder é a consciência política e social de nosso povo, sua organização e mobilização, a luta nas ruas, bairros, fábricas, campos, escritórios, comércios, escolas de todo o país. Começando por organizar um, dois, três…centenas, milhares de comitês em defesa de Lula, com o povo, ao lado do povo e pelo povo trabalhador. Fora disso, vamos lançar nosso país e nosso povo numa aventura e, como sempre acontece, quem pagará o preço da reação dos de cima será o próprio povo trabalhador e seus filhos, incluindo seus legítimos líderes e condutores.
Não temos o direito de errar de novo, como no impeachment, quando não fomos capazes de defender a Constituição e o mandato popular soberano da presidente eleita em 2014.
Que a lição nos ensine que não há alternativa, a não ser a luta e o combate no nosso campo, com nossas armas. E não no campo e com as armas do adversário, ou inimigo – se formos tratá-los como eles nos tratam.
A hora é de definições, de escolher o lado e a luta, criar um, dois, três…muitos comitês, tantos quantos forem necessários para fazer Lula candidato, vencer a eleição, tomar posse e governar com o povo.




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