Insuficiente para eleger Lula, estratégia petista fisga o judiciário, por Maria Cristina Fernandes
Ainda que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva se mantenha preso, o PT venceu a batalha. Ao levar um juiz em férias do outro lado do Atlântico a se pronunciar, facilitou a interpretação de que o magistrado é parte no processo. O investimento do PT ainda precisa se mostrar viável, até porque as panelas, silentes face à exibição de malas de dinheiro de todos os naipes, voltaram a fazer barulho durante o noticiário da noite do domingo. É incontestável, porém, que o partido pôs de pé sua estratégia. Não é pouco num momento em que a única ordem visível, na política e no Judiciário, é a insegurança.
O PT age num campo de batalha em que a toga, derrotada como poder moderador, contribuiu decisivamente para tumultuar. Não foi apenas o juiz Sergio Moro que engoliu a isca do PT ao se pronunciar, de Portugal, a pretexto de ter sido mencionado na decisão do desembargador Rogério Favreto. Todo o Judiciário foi fisgado pela estratégia do partido, a começar daquele que, ausente do circo de domingo, foi o magistrado que mais colaborou para fincar as estacas que o sustentam.
Parceiro inaugural da Lava-Jato, Gilmar Mendes virou a casaca sobre a prisão em segunda instância quando a operação da qual o instituto é pilar, pulou a cerca do petismo e, para se legitimar, ameaçou atingir o grupo político do qual o ministro é sócio. Ao agir sem freio para desmontar a operação, estimulou seus colegas e fez escola. Passou a ser tratado como parceiro pelo PT. O ex-advogado-geral da União no governo Fernando Henrique Cardoso nunca escondeu sua ojeriza ao partido, a quem acusava de promover a bolivarização do país. Hoje o Brasil ruma para incorporar Santa Cruz de La Sierra sem que o magistrado possa se eximir de participação no conjunto da obra.
Crescem as pressões para que o Conselho Nacional de Justiça puna tanto o juiz Sergio Moro quanto Favreto. O desembargador, que deliberou em plantão a despeito das evidências de que a Corte de recurso seria o Superior Tribunal de Justiça e não o Tribunal Regional Federal da 4ª Região, acumula cargos em sua carreira jurídica por nomeação petista, da mesma forma que Mendes e seu colega de toga, Alexandre de Moraes o fizeram em governos do PSDB e MDB. Se der curso à punição, o CNJ vai escancarar os dois pesos e duas medidas que pesam sobre a balança do Judiciário.
Ainda que os inimputáveis ministros não estejam sob o escrutínio do Conselho, nunca houve sanções, de quaisquer ordens, ao ministro flagrado em 2010 num telefonema com o então candidato do PSDB à Presidência da República, José Serra, antes de uma decisão da Corte com impacto na eleição. As relações de amizade do ministro não o impediram de julgar favoravelmente ao habeas corpus daquele que é considerado o Paulo Roberto Costa do tucanato, o ex-diretor da Dersa, Paulo Vieira de Souza. Nem pelo arquivamento de inquérito no qual o senador Aécio Neves (PSDB) é parte.
O festival do fim de semana teve como prévia aquele que se desenrolou entre Gilmar Mendes e o juiz Marcelo Bretas em torno do prende-solta-prende-solta do empresário Jacob Barata, pai do noivo cujo casamento teve o magistrado supremo como padrinho.
O ministro, no entanto, não ficou ilhado. A liberalidade dos inimputáveis transformou a Corte num arquipélago de vontades supremas. Na condição de presidente da sessão que, no Senado, sacramentou o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff, o ministro Ricardo Lewandowski foi o proponente da solução que lhe manteve os direitos políticos a despeito de vedação constitucional. Como a punição pela contabilidade daquele governo parecesse exagerada, o bálsamo também haveria de ser criativo, por iniciativa togada e aquiescência parlamentar.
Não faltou a este arquipélago nem mesmo a vanguarda iluminista do ministro Luis Roberto Barroso, que passou a advogar em nome das prerrogativas de um Judiciário legitimado a tirar o país do atoleiro no qual o Legislativo o havia jogado. Daí para a liberalidade de Dias Toffoli, foi um passo. O ministro seguira os passos de Mendes, como indicado do governo ao qual havia servido como advogado-geral. Às vésperas de tomar posse como presidente do Supremo, cargo do qual será empossado antes da sucessão eleitoral, mostra que pode vir a superá-lo na habilidade.
A decisão de Toffoli favorável ao habeas corpus do ex-ministro José Dirceu jogou água no moinho em que vai rodar a campanha petista. Por que todos, Dirceu, Aécio, Romero Jucá podem aguardar seus julgamentos em liberdade e até mesmo disputar eleições, menos Lula? Numa outra queda de braço que precedeu a gincana da 4ª Região, o ministro que presidirá o Supremo na sucessão mandou tirar a tornozeleira eletrônica que Moro havia mandado colocar em Dirceu depois do habeas corpus.
A balbúrdia em que se transformou o Judiciário mostra que falta um bedel na escola de Gilmar Mendes. A nota que a presidente da Corte, a ministra Cármen Lúcia, soltou no fim de semana tem 67 palavras. Nenhuma delas forma a expressão Estado de direito.
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