Responsável pela perda de meio trilhão de reais aos estados brasileiros, pouco se fala sobre a Lei Kandir. Criada em 1996, seis meses antes da privatização da até então estatal Vale do Rio Doce, a lei foi elaborada para isentar o pagamento de produtos não industrializados, entre eles, o minério. Após 23 anos em vigor, o montante isentado pela lei é o equivalente ao investimento de 13 usinas iguais a de Belo Monte e 25 transposições iguais a do São Francisco.
Proposta pelo deputado federal Antonio Kandir (PSDB), a Lei Kandir regulamentou o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS). Uma das principais consequências dessa lei foi uma diminuição da indústria brasileira em detrimento de setores exportadores de produtos primários. Ou seja, houve uma ênfase do papel exercido historicamente pelo Brasil na divisão internacional do trabalho: exportador de matéria-prima e importador de produtos industrializados com alta tecnologia.
Essa é a opinião de Joceli Andrioli, integrante da coordenação do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB). “A Lei Kandir faz parte de um contexto da década de 1990, no qual imperou a privatização. Passamos a exportar matéria-prima e importar produtos industrializados. Além disso, essas empresas [privatizadas], como a Vale, passaram a visar apenas o lucro em detrimento do papel estratégico desses insumos ao país; a privatização é a causa principal de rompimentos como esse de Brumadinho (MG)”, afirma Andrioli.
A Vale, vendida por R$ 3,3 bilhões enquanto somente suas reservas minerais eram calculadas em mais de R$ 100 bilhões à época, foi uma das empresas que mais cresceram devido a essa isenção fiscal e se tornou uma das maiores mineradoras do mundo.
“Esse é um dinheiro que vai para o bolso das mineradoras e de outras empresas privadas, mas que pertece ao povo brasileiro; é um valor muito alto, que deveria estar sendo investigo em áreas estratégicas, como saúde, educação e tecnologia”, avalia Andrioli.
Omissão nos repasses
Como o ICMS é um imposto destinado aos estados federativos, a Lei Kandir estabeleceu a compensação financeira por parte da União das perdas referentes à isenção do ICMS estabelecida na Lei Kandir.
De 1996 à 2004, era realizado um repasse anual com valor fixado. Entretanto, a partir de 2004, a Lei Complementar 115 deixou de fixar um valor, o que obrigou os governadores a negociarem a cada ano o montante do repasse com o governo federal.
De acordo com levantamento, divulgado em 2017, realizado por técnicos de secretarias estaduais da Fazenda, que formam o Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz), os estados já deixaram de arrecadar R$ 495 bilhões desde que a Lei Kandir foi criada.
A lista dos estados com maiores prejuízos é encabeçada por Minas Gerais (MG), com R$ 135 bilhões. Grande parte desse quantia é proveniente justamente da desenoração do setor mineral, que representa a maior parcela de exportação do estado.
De acordo com o deputado federal Rogério Correa (PT), essa verba poderia suprir as dívidas e acabar com o estrangulamento econômico do estado. “Querem impor um ajuste fiscal à Minas Gerais de gastos públicos, enquanto o estado deveria receber R$ 135 bilhões como compensação à isenção do ICMS; isso resolveria praticamente todos os nossos problemas e daria poder de investimento em questões centrais”, explica.
Em 2016, o Congresso Nacional aprovou o projeto de lei que renegocia as dívidas entre União e estados para os próximos 20 anos. Como contrapartida, os estados terão que se enquadrar em um teto de gastos públicos, ou seja, não poderão aumentar suas despesas acima da inflação por dois anos.
O deputado defende não apenas o ressarcimento dos valores que os estados deixaram de receber, como também a extinção da lei. “O que tem que fazer é terminar com essa tal de Lei Kandir, que permitiu que eles não pagassem ICMS”, declara Correa.
O estado de Minas Gerais, por exemplo, passaria de devedor à credor caso recebesse os valores referentes à compensação do ICMS. Atualmente, o estado deve cerca de R$ 90 bilhões à União e deveria receber R$ 135 bilhões como compensação.
Disputas institucionais
Em novembro de 2016, o Supremo Tribual Federal (STF) julgou procedente a Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO) e fixou o prazo de um ano para que o Congresso editasse uma lei complementar que determinasse os repasses aos estados.
Como a decisão só foi publicada em agosto de 2017, o Congresso teria até o mês de agosto de 2018 como prazo para aprovar a regulamentação dessa compensação. Foi criada então uma comissão mista especial que aprovou relatório final em maio de 2018, estabelecendo o repasse de R$ 39 bilhões anuais pela União para quitar a dívida com os estados.
Entretanto, desde então o texto não foi colocado em votação no plenário da Câmara e, com isso, a definição da fórmula de cálculo de repasse da Lei Kandir ficará sobre responsabilidade do Tribunal de Contas da União (TCU), como definiu anteriormente o STF.
Entretanto, em entrevista ao Estadão no último domingo (10), o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM), afirmou que entrará em guerra se o TCU legislar sobre a lei. “Se o TCU legislar, vai entrar em guerra com o Congresso. Vamos acabar com o poder do TCU, se eles fizerem uma lambança dessas. Isso não será aceito de forma alguma pelo Legislativo. Eles vão levar um troco grande. A gente tira o orçamento deles. Vão ficar sem orçamento até 2020. Vai ser coisa pesada, não tem brincadeira com esse negócio, não”, ameaçou Maia.
Enquanto isso, os estados esperam uma definição para planejarem seus gastos para os próximos anos. “Mais do que uma briga entre governo federal e estaduais, o que deveria ser feita é a extinção da Lei Kandir”, opina Andrioli.
do MAB - Movimento dos Atingidos por Barragens
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Lei que isentou pagamento de impostos aos produtos não industrializados foi aprovada durante o governo FHC (Psdb). Exatamente para beneficiar os futuro donos da Vale do Rio Doce. Trocando em graúdos: foi mais umgrande roubo legalizado pela corja entreguista.
Vida que segue...
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