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O que Tito Lívio pode ensinar a ANPR - Associação Nacional dos Procuradores da República -, por Fábio de Oliveira Ribeiro

Quando escreveu sobre alguns conflitos romanos na  II Guerra Púnica o historiador Tito Lívio afirmou que:
A salvaguarda do bem público assegura ao mesmo tempo a salvação dos bens privados; mas quem trai o interesse da coletividade busca em vão preservar o que é seu.” (Ab Urbe Condita Libri, Tito Lívio, 3° volume, Editora Paumape, São Paulo, 1990, p. 336)
Após sofrer críticas intensas, o acordo bilionário firmado pelos procuradores da Lava Jato será questionado no STF pela Procuradora Geral da República. Deltan Dellagnol usou o Twitter para defender seu ato. A Associação Nacional dos Procuradores da República soltou uma nota em favor dele e dizendo que a União não é confiável.
O absurdo da nota da ANPR me parece absurdo. Não compete a uma associação privada julgar os atos praticados pelos seus membros no exercício de suas funções públicas. Além disso, ninguém (nem mesmo o MPF) pode limitar a ação da PGR ou, pior, tentar intimidar o STF. Se realmente desconfiam da União, os procuradores deveriam organizar um pedido coletivo de demissão. Isso eles obviamente não farão.
Sou advogado e cidadão brasileiro e também tenho razões para desconfiar da União. Mas não pelos motivos apontados na nota da ANPR.
Além de furar o teto salarial, durante a Lava Jato os procuradores do MPF introduziram inovações jurídicas absurdas e incompatíveis com os princípios constitucionais do Direito Penal. Citarei aqui apenas algumas delas: presunção de culpa, perseguição penal seletiva, utilização do processo penal como instrumento de tortura para obter delações, denúncias baseadas nas convicções dos procuradores, conduções coercitivas ilegais, humilhação pública de acusados através de coletivas de imprensa, prisão antes do trânsito em julgado e, é claro, acordos judiciais e diplomáticos duvidosos e potencialmente lesivos aos interesses da Petrobras e do Brasil.
Os abusos do MPF foram tolerados e até incentivados pelo juiz da 13ª Vara Federal de Curitiba. Esquecendo sua obrigação institucional e funcional de cumprir e fazer cumprir os princípios da CF/88, os desembargadores do TRF-4 e os ministros do STJ e do STF também preferiram legitimar o Direito Penal do Inimigo “made in Lava Jato”.
Sérgio Moro deixou de lado a Lei quando mandou grampear a presidenta da república e vazou o áudio para criar um cenário político favorável à aprovação do Impeachment de Dilma Rousseff. Autoconfiantes, os procuradores do MPF celebraram um acordo bilionário lesivo à Petrobras. Eles queriam (alguns deles ainda querem) obter recursos privados não sujeitos ao controle orçamentário para continuar exercendo um poder quase absoluto. Dentre as novas competências funcionais que os procuradores atribuíram a si mesmos uma é digna de nota: negociar os juros que serão pagos pelo Banco que ficará com a custódia do dinheiro.
O resultado político da Lava Jato foi devastador. A fragilização da democracia brasileira possibilitou que Jair Bolsonaro chegasse ao poder. Antes disso, porém, Michel Temer destruiu todas as instituições que combatiam a corrupção.
Tito Lívio sugere que o interesse público deve sempre ser colocado acima dos interesses privados. Os procuradores lavajateiros usaram seus cargos públicos para realizar suas ambições privadas. Todavia, se os abusos jurídicos que eles cometeram tivessem sido imediatamente reprimidos (dentro dos limites da Lei e sempre com a valorização dos princípios constitucionais) a situação do nosso país não seria tão desesperadora.

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