Luis Fernando Veríssimo: debaixo da cama




Uma cama larga, simbolizando o país. Sobre a cama, não me pergunte como, um reacionário, simbolizando as classes dominantes, sua mulher frívola e infiel, simbolizando a inconsciência nacional, e um doido, simbolizando um doido. Fala o doido:
-- Esse ruído...
-- Que ruído? – pergunta o reacionário.
-- Debaixo da cama.
-- Não ouvi ruído nenhum.
-- Exatamente. Não é estranho? O jacaré está quieto.
– Que jacaré?
– O jacaré embaixo da cama.
A mulher frívola e infiel dá um grito abafado. O reacionário diz:
-- Não há jacaré nenhum embaixo da cama.
O doido faz uma cara triunfante e pergunta:
-- Se não há um jacaré embaixo da cama, então o que é que está em silêncio?
A lógica do argumento é inatacável. E, a julgar pelo tamanho do silêncio, o jacaré é enorme.
-- Por que será que ele está quieto? – pergunta o reacionário.
-- Não sei – diz o doido. – A não ser que ele tenha comido alguém...
A mulher frívola e infiel leva as mãos à boca mas deixa escapar um nome:
-- Danilo!
-- O quê? – dizem o reacionário e o doido juntos.
-- Nada, nada...
Mas ela desaparece sob o lençol para chorar seu amante. Danilo, comido por um jacaré embaixo da cama! E com o pijama novo que ela lhe deu.
-- O jacaré deve ter comido o comunista – diz o reacionário.
-- Que comunista?
-- Tem sempre um comunista debaixo da cama.
-- Depois eu é que sou doido...Não tem comunista nenhum debaixo da cama.
-- Se o jacaré comeu, não tem mesmo.
--Só há uma maneira de sabermos o que realmente aconteceu – diz o doido, sensatamente. Olharmos debaixo da cama.
Os dois espiam embaixo da cama e vêem um moço de pijama novo, que sorri sem jeito.
O reacionário endireita-se na cama e começa a refletir. Olha para o doido, depois olha para sua mulher que chora. Aos poucos, vai se dando conta da situação.
-- Meu Deus! – exclama.
-- O quê? – diz o doido, pensando que é com ele.
-- O comunista comeu o jacaré.

In : Luiz Fernando Veríssimo(1983)-"A Velhinha de Taubaté – Novas histórias do analista de Bagé" - Porto Alegre – L & P M – 142 p (história à pg.30)
Vida que segue

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