- Escândalo na Petrobras
- No fundo do poço
- Nova rotina e tensão
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O donheiro público financiou a gráfica que é hoje um elefante branco
A Globo falando de forças antidemocráticas chega a ser engraçado.
Foi num editorial do Globo, e as tais forças eram os manifestantes.
Em 1954, Roberto Marinho trabalhou intensamente para derrubar Getúlio Vargas.
Vargas trouxe o voto secreto, deu às mulheres o direito de votar, criou leis trabalhistas que regularam o horário de trabalho e estipularam férias.
Em 1964, mais uma vez Roberto Marinho foi destaque para derrubar um governo popular, agora o de João Goulart.
Jango cometeu o crime, aspas, de tentar combater a desigualdade. Criou, por exemplo, o 13.o salário, “uma tragédia”, conforme noticiou o Globo na ocasião.
Mesmo com esta folha corrida, a Globo se julga no direito de falar em forças antidemocráticas.
Pausa para rir.
No mesmo editorial, a Globo se revelou magoada com a maneira como é tratada na internet por blogs “patrocinados pelo governo”.
Nova pausa.
Nenhuma empresa jornalística tem sido tão patrocinada pelo governo, ao longo de tantos anos, como a Globo.
Apenas nos 10 anos de PT no poder, a empresa levou 6 bilhões de reais do governo em publicidade oficial – isto com a audiência despencando.
Isto para não falar em coisas como o dinheiro do BNDES – nosso, portanto – que financiou a construção de uma supergráfica, nos anos 1990, que hoje é um elefante branco.
Não é só do governo federal que a Globo se abastece.
Nos meus tempos de Editora Globo, o governo do Amazonas comprava lotes milionários de livros da Globo.
A contrapartida era um tratamento generoso na revista Época para o então governador do Amazonas, Eduardo Braga.
Tive com Braga uma briga memorável na sede da Editora Globo depois que publicamos um artigo desfavorável a ele. Eu era diretor editorial naquela ocasião, e ele saiu da reunião dizendo, ameaçador, que ia conversar com João Roberto Marinho.
Uma boa parte do patrimônio bilionário da família Marinho vem do dinheiro público da propaganda oficial.
Durante muitos anos, quando os anunciantes já conseguiam descontos expressivos das empresas de mídia, apenas o governo continuava a pagar a tabela cheia, bovinamente.
Veja a tabela de preços da TV Globo para ter uma ideia de quanto dinheiro foi para os Marinhos por esse atalho.
E mesmo assim a empresa faz pose.
No campo dos impostos a atitude é a mesma. Até os manifestantes do MST pediram outro dia que a empresa mostrasse o Darf – o recibo de uma multa milionária que a Receita lhe aplicou por trapaça na Copa de 2002.
Mesmo assim, a Globo começa a fazer pressão contra o Google na questão fiscal.
É verdade que o Google levou mundialmente ao estado da arte a sonegação legal, aspas, ao encaminhar seu faturamento para paraísos fiscais.
Como o DCM deu diversas vezes, governos no mundo inteiro – o americano, o inglês, o alemão, o francês etc – estão tratando de acabar com a farra fiscal do Google e de outras empresas.
A primeira providência dos governos tem sido publicar o faturamento local do Google e a quantia que paga de imposto – uma miséria.
No Brasil, só agora – segundo o Globo – a Receita decidiu agir. Dilma, noticiou o Globo, teria dado ordens expressas para cuidar do caso Google.
Quem é o principal interessado? O Globo, uma vez que o faturamento publicitário do Google no Brasil cresce vertiginosamente, e tende a bloquear as ambições da Globo na internet.
Não que o Google não tenha que pagar o imposto devido. Tem. Exclamação.
Mas um sonegador falando de outro?
Se a Receita cercar apenas o Google fará um trabalho pela metade.
Enquanto a Globo não mostrar o Darf, a sociedade tem toda a razão de entender que a Globo é mais igual que os outros perante a Receita, e não só a Receita, lamentávelmente.
Sobre o Autor
O jornalista Paulo Nogueira é fundador e diretor editorial do site de notícias e análises Diário do Centro do Mundo.
Caro Erick Bretas:
Eu ia escrever a palavra jornalista, mas me detive. Não acho que possa chamar de jornalista, não pelo menos como imagino que se comporte um jornalista, alguém que coloca no Facebook o avatar de Sergio Moro e, na véspera da Aletheia, defendeu euforicamente a prisão de Lula e a deposição de Dilma.
Mesmo para os padrões jornalísticos da Globo, me parece coisa demais para designar alguém que faça aquilo como jornalista.
Mas o que eu queria dizer é outra coisa.
No Facebook, você acusou o DCM de ser financiado pelo governo. Esta calúnia mostra, também, o grau de honestidade e acurácia do que você escreve. Como, mesmo assim, você escalou degraus na hierarquia da Globo revela bem a qualidade do jornalismo da casa.
Bretas: é uma ofensa à inteligência um executivo da Globo falar em publicidade federal e, de uma forma geral, em dinheiro público.
Apenas na TV, e com audiências sempre cadentes na Era Digital, a Globo recebe 500 milhões de reais por ano em dinheiro do contribuinte derivado de anúncios do governo federal.
Não estou falando do dinheiro público originário de outros tipos de governo. No tempo em que fui diretor editorial da Época, tive uma briga estrepitosa com o diretor comercial ao saber que o governo do Amazonas comprava lotes imensos de livros da Editora Globo em troca de matérias elogiosas.
O pobre povo amazonente estava contribuindo assim para os bônus dos diretores da Editora Globo e, uma escala acima, para a fortuna da família Marinho.
Rompi o pacto sinistro (que desconhecia) ao autorizar uma matéria crítica. O governador voou para São Paulo e, numa conversa extremamente desagradável para um jornalista com meus princípios, disse que levaria o caso a João Roberto Marinho.
A Globo não vive e nem sobrevive sem o dinheiro público. No livro Dossiê Geisel, feito à base dos documentos guardados pelo presidente Geisel e doados à FGV, aparece um ministro contando ao chefe que Roberto Marinho dizia merecer "favores especiais" por ser "o aliado mais fiel e constante" da ditadura.
O livro conta que Roberto Marinho demandava os "favores especiais" por paranoia. Ele tinha a crença de que uma empresa que não cresce começa a declinar. E então ele queria crescer sempre, mas não graças ao talento, à capacidade de inovar e estar à frente da concorrência: mas com "favores especiais" dos donos do poder.
Escrevi uma vez que um macaco ergueria a Globo tais e tantas as mamatas e privilégios em troca do apoio do amigo mais constante fiel da ditadura. Não exagerei.
O mais entristecedor é que a mesma rotina perdurou depois da ditadura. FHC contou com a Globo para esconder a namorada Mírian Dutra. Nos anos FHC, o dinheiro do BNDES salvou a Globo quando esta ficou insolvente depois de um investimento desastroso em tv a cabo. O BNDES compareceu também para financiar outro investimento desastroso: uma supergráfica erguida já quando a internet mostrava que massacraria publicações de papel como as do Globo.
Se os generais foram confrontados com a exigência de "favores especiais", que dizer de um civil hesitante e mole como FHC, devedor do sumiço de uma mulher cuja presença estragaria seus sonhos presidenciais?
Bretas: eu poderia escrever um livro sobre os privilégios bancados pelo contribuinte e pela sociedade.
Há uma indecência chamada "papel imune", que trazida à prática representa que o Estado livra as empresas de mídia de pagarem impostos pelo papel com que elas imprimem seus jornais e revistas.
Mesmo com tantas vantagens fiscais, a Globo é uma manjada sonegadora. Há o caso conhecido e documentado da sonegação na compra dos direitos da Copa de 2002. Não fossem a complacência e o medo da Receita Federal, talvez os Marinhos estivessem na cadeia por este crime fiscal.
Na mesma Copa, os suíços detectaram subornos a João Havelange e Ricardo Teixeira pela transmissão dos jogos no Brasil. A Copa foi transmitida pela Globo.
Fora do terreno das moedas, temos, em pleno 2016, uma reserva de mercado para proteger os Marinhos, os Frias e os Frias de competição estrangeira.
Bretas: você acredita no capitalismo? A sua empresa parece que não. Ela não quer concorrência de tipos como Murdoch. Num artigo em que defendia a reserva de mercado para ela, a Globo citou o perigo que poderia vir caso os chineses fizessem propaganda do maoísmo numa emissora que porventura eles adquirissem no Brasil.
Maoísmo, Bretas. Maoísmo.
Bretas: não vou tocar em coisas como a descrição feita por Boni de como a Globo orientou Collor no debate com Lula.
Bretas, você age como se trabalhasse na UNICEF, ou, se estamos falando de jornalismo, na BBC. Mas não: você trabalha na Globo.
O deputado estadual Paulo Ramos apresentou na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro, um projeto de lei com chance zero de aprovação, mas que deveria provocar algum tipo de debate na sociedade. Ele quer que as empresas de comunicação que recebem verbas públicas, na forma de publicidade, sejam obrigadas a divulgar no diário oficial do Estado os nomes e os salários de seus funcionários.
"Saiu no jornal a notícia de que o William Bonner ganha mais de um milhão de reais por mês. Isso não é salário, parece lavagem de dinheiro. Onde já se viu um jornalista ganhar tudo isso? De onde sai recurso para pagar salário nesse patamar? Uma parte a gente sabe, é da verba de publicidade do governo", diz. Paulo Ramos sustenta o argumento de que salários milionários deixam de ser assunto privado quando quem paga essa quantia é uma empresa que recebe verba pública, e é acusada de sonegar impostos, como é o caso da Globo.
A origem desses privilégios é anterior a 1964, quando houve o golpe militar e a hegemonia da rede de televisão se consolidou. Um dos livros de cabeceira de Ramos é "A História Secreta da Globo", do professor Daniel Herz, já falecido. "Abertura de empresa em paraíso fiscal e sonegação são parte do modus operandi da Globo há muito tempo", afirma Ramos.
Herz procurou nos arquivos do Congresso Nacional as atas de uma CPI de 1965, que investigou a sociedade da Globo com o Grupo Time Life, dos Estados Unidos, num tempo em que a lei proibia o investimento estrangeiro nas empresas de comunicação. Encontrou um interessante depoimento do ex-governador do Rio, Carlos Lacerda, que era dono de um jornal e se batia contra esse investimento estrangeiro, que colocava a Globo em condições muito superiores na concorrência com outras emissoras de TV.
Insuspeito no tema, Lacerda mostrou na CPI um editorial do jornal O Globo, publicado em 7 de janeiro de 1963, que chamava o presidente João Goulart de estadista. Para Lacerda, um editorial estranhíssimo, "quando o presidente João Goulart parecia o anticristo" para Roberto Marinho. Lacerda encontrou na Caixa Econômica Federal a razão do editorial: um empréstimo milionário, a juros baixos, liberado 24 horas antes.
Logo depois, lembra Lacerda, O Globo voltou à posição antiga e, denunciando corrupção e um suposto envolvimento do produtor rural João Goulart com o comunismo soviético, apoiou o Golpe de 64. Aliados de Roberto Marinho – inclusive o próprio advogado, Luiz Gonzaga do Nascimento Silva – integraram o ministério do primeiro governo militar.
Em 1968, contra pareceres técnicos e o relatório da CPI, que recomendava a cassação da Globo, a emissora de Roberto Marinho recebeu o registro definitivo de sua concessão, que vem sendo renovada até hoje.
"O que aconteceu no passado é um alerta para gente do governo Dilma que acha que pode haver algum tipo de aliança com a TV Globo. João Goulart era estadista um dia, e comunista no outro", diz Paulo Ramos.
Na ditadura militar, segundo o livro de cabeceira de Paulo Ramos, a Globo consolidou seu poder, mas na Nova República, com Tancredo Neves, Roberto Marinho ampliou seu raio de ação, ao nomear o próprio ministro das Comunicações, Antônio Carlos Magalhães, decisivo num episódio de disputa comercial.
Marinho queria o controle da NEC, a empresa que vendia equipamentos para o sistema de telecomunicações brasileiro, a antiga Telebrás, mas o dono, um empresário duro na queda, não queria vender.
Por decisão de Antônio Carlos Magalhães, a Telebrás deixou de comprar equipamentos da NEC e asfixiou a empresa. Ao mesmo tempo os veículos da Globo – jornal, rádio e TV – moviam uma campanha de notícias negativas contra o empresário que se opunha a Roberto Marinho na disputa pelo controle da NEC.
O empresário chegou a ter sua prisão preventiva decretada antes de receber em sua casa, no bairro do Morumbi, em São Paulo, um emissário da Globo, para assinar o termo de rendição: o contrato em que vendia por 1 milhão de dólares o controle da NEC. Pouco tempo depois, quando, por decisão de Antônio Carlos Magalhães, o governo voltou a comprar produtos da empresa, a NEC já valia mais de 350 milhões de dólares, em dinheiro da época.
Dois fatos relevantes: o emissário de Roberto Marinho nesse encontro no Morumbi era o filho do então ministro do Exército, Leônidas Pires Gonçalves, funcionário da Globo, e a família de Antônio Carlos Magalhães recebeu, alguns meses depois, o contrato de afiliada da rede no Estado da Bahia. O empresário batido no caso da NEC, Mário Garnero, recuperou poder e prestígio, recolocando o grupo Brasilinvest num patamar de destaque, mas amigos dizem que ele ainda tem a Globo entalada na garganta.
Hoje com 70 anos de idade e filiado ao PSOL, Paulo Ramos não esquece a cena. Era 1981. Alguns jornalistas que ele conhecia no jornal O Globo conseguiram marcar uma audiência com Roberto Marinho. Paulo Ramos chegou no horário, mas teve de esperar na antessala muito tempo – ele não se lembra quanto, mas sabe que foi muito.
Depois do chá de cadeira, Roberto Marinho o recebeu. De pé. Perguntou o que ele queria. Paulo Ramos disse que um amigo era vítima de uma campanha que ele considerava caluniosa promovida pelos veículos das Organizações Globo e ele queria o direito de resposta. "Roberto Marinho me ouviu, não disse nada e quando perguntei se ele teria a oportunidade de dar entrevista, afirmou: 'O senhor verá a minha resposta pelo jornal'".
O massacre continuou e o amigo, acusado de ser mandante de um crime, não teve o direito de resposta. Acabou condenado a 21 anos de prisão. "Foi uma injustiça, um linchamento", diz Paulo Ramos, que era major da Polícia Militar e tinha trabalhado no setor de relações públicas da corporação.
Embora vestisse farda numa época de ditadura militar, era um peixe fora d'água. Presidente do Clube dos Oficiais, liderava campanhas por melhores salários do funcionalismo e, politicamente, era alinhado ao grupo dos chamados autênticos do PMDB. Cinco anos depois se elegeu deputado federal e recebeu nota 10 do DIAP, órgão do Dieese, por sua defesa dos direitos dos trabalhadores.
Na Câmara dos Deputados, Paulo Ramos se tornou também uma pedra no caminho da Globo, o que lhe valeu a aproximação com o governador Leonel Brizola. Conseguiu aprovar duas CPIs – uma da NEC e outra da Fundação Roberto Marinho – e usou a tribuna para denunciar o que ele considera crimes da Globo, incluindo remessa ilegal de dólares ao exterior, sonegação fiscal, empréstimo de bancos públicos a juros irrisórios e construções ilegais.
Nunca teve espaço na imprensa, mas ainda assim continuou se reelegendo. Seu sonho é que o amigo condenado seja reabilitado. Trata-se do capitão Levy de Araújo Rocha, que foi comandante de uma companhia da PM em Petrópolis e lá combateu o tráfico de drogas. Deixou uma boa impressão e foi transferido para Copacabana.
Lá, em dezembro de 1980, um ex-cabo do Exército, Júlio, foi assassinado. Os homens que cometeram o crime acusaram Levy de ser o mandante, mas Paulo Ramos, que conhecia o capitão, nunca acreditou. Duas semanas depois, um amigo do cabo Júlio, que estava com ele no momento do crime e conseguiu fugir, foi sequestrado na praia de Piratininga, em Niterói.
Ironia do destino, esse amigo do cabo Júlio estava na companhia do filho do jornalista Luiz Jatobá, famoso por ser um dos primeiros locutores do Repórter Esso. O amigo do cabo Júlio e o filho do jornalista estão desaparecidos até hoje, e os corpos nunca foram encontrados, mas não há mais dúvida sobre o mandante do sequestro: o bicheiro Aniz Davi Abrão, o Anísio de Nilópolis, dono da escola de samba Beija-Flor.
Se mandou sequestrar a testemunha do assassinato, não teria Anísio sido também o mandante do crime em Copacabana? Faz sentido. Nesse caso, a condenação do capitão amigo do deputado Paulo Ramos teria sido uma injustiça, resultado de uma campanha difamatória dos veículos da Globo.
Nas voltas que o mundo dá, Aniz Abrão foi preso em 2007, quando estava em sua cobertura tríplex no edifício de número 2.072 da avenida Atlântica, por envolvimento em vários crimes, mas não pelo assassinato, nunca mais investigado. A prisão dele tem a ver com jogo do bicho, contrabando e lavagem de dinheiro. A televisão mostrou a operação policial para prender Anísio. São impressionantes as imagens de policiais descendo de helicóptero na cobertura do bicheiro, exibida pela televisão.
A Rede Globo fez a reportagem, mas nada disse sobre o antigo proprietário do apartamento, Roberto Marinho. Antes da venda do imóvel para Anísio, com escritura pública, Roberto Marinho costumava reunir ali a alta sociedade carioca para festas de Reveillon.
Neste prédio, mora ainda a autora de novela Glória Perez e o apartamento do primeiro andar estava em nome de Elisa, ex-mulher de Anísio, também assassinada, depois de escrever uma carta em que acusava o ex-marido de ter sequestrado Misaque e o filho do jornalista Jatobá.
Com 9 milhões de habitantes, o Rio de Janeiro é a segunda maior cidade do Brasil e uma das maiores do mundo. Mas, vizinho ao prédio onde Roberto Marinho dava sua festa de fim de ano e Anísio da Beija Flor viria a comprar, se localiza o apartamento onde mora Cristina Maris Meinick Ribeiro, a funcionária da Receita Federal que, em janeiro de 2007, veio a retirar o processo em que a Globo era acusada de sonegação milionária na aquisição dos direitos de transmissão da Copa do Mundo de 2002, utilizando um esquema que envolve uma empresa no paraíso fiscal das Ilhas Virgens Britânicas.
Mundo pequeno.
E então ficamos sabendo que o HSBC fechou um acordo com a Suíça para encerrar o escândalo Swissleaks.
O acordo é o clássico: o HSBC pagou para não ser mais importunado com processos, investigações e coisas desagradáveis do gênero.
O que nós não ficamos sabendo, no Brasil, é o lado brasileiro do caso.
Num dos maiores fracassos do jornalismo nacional, a parceria UOL e Globo para cobrir o assunto deu em nada.
Foi uma soma bizarra. Um mais um, UOL mais Globo, deu zero.
O experiente Fernando Rodrigues, do UOL, fez um papel ridículo, é certo. A lista dos sonegadores brasileiros foi passada a ele por uma obscura associação internacional de jornalistas investigativos da qual ele faz parte.
Poderia ser seu momento de glória, mas acabou sendo seu instante de opróbrio.
Fernando Rodrigues praticou também sonegação. Um outro tipo de sonegação: o de informações.
É verdade que as chamadas ordens de cima devem ter limitado brutalmente sua autonomia para cuidar da história.
Os Frias, donos da Folha e do UOL, estavam na lista.
Se os Frias não cobriram nem a sonegação documentada da Globo, imagine o que eles não fariam com sonegação caseira.
O maior erro de Rodrigues provavelmente foi não manobrar para passar adiante, para mãos menos comprometidas, a tarefa de ser o responsável pela divulgação do escândalo no Brasil?
Vaidade? Ignorância a respeito da sonegação contumaz das corporações jornalísticas brasileiras?
Cada um fique com sua explicação. Acho que a hipótese dois, o desconhecimento, é a mais provável.
A morte do caso deve muito também ao comportamento omisso da Receita Federal e das autoridades econômicas do governo.
Sonegação é um assunto que exige, dos governos, berros. Em inglês, há uma expressão comumente usada: "name and shame".
Você dá os nomes e constrange os sonegadores.
No Reino Unido, o governo nomeou, há pouco tempo, empresas como Apple, Amazon e Starbucks como donas de práticas indecentes para evadir impostos.
Basicamente, elas fazem o seguinte: ganham dinheiro no Reino Unido mas pagam impostos em paraísos fiscais.
Os britânicos ficaram sabendo quanto faturam as empresas e quanto pagam de impostos. Isso gerou indignação na opinião pública. Houve manifestações em lojas da Starbucks em Londres, por exemplo.
No Brasil, o governo não se manifesta sobre nada, e a Receita menos ainda.
Quando se sabe quanto é vital equilibrar as contas, e os sacrifícios advindos do ajuste fiscal, é um silêncio indefensável.
A omissão faz entender uma colocação recente do antigo funcionário do HSBC que vazou a lista, Hervé Falciano.
Numa entrevista ao Estadão, Falciano disse que os especialistas em evasão – em geral advogados – se deslocaram nos últimos anos da Europa, onde o cerco agora é grande, para países como o Brasil.
Aqui, as coisas são bem mais fáceis para os grandes sonegadores.
Falciano usou a expressão "bancos opacos" para designar os que oferecem aos clientes manobras para evasão fiscal.
"O Brasil é o maior alvo dos bancos que praticam a opacidade financeira no mundo inteiro", disse ele.
Somos, segundo Falciani, "o país em que há mais facilidade para todas as atividades de finanças opacas".
Bilhões se perdem assim, e sistematicamente.
Mas ninguém bate panelas contra isso. Quanto à mídia, num universo menos imperfeito ela deveria ajudar a combater a sonegação.
Só que ela também sonega, como ficou claro mesmo nas miseráveis informações prestadas sobre o Swissleaks pela Dupla Zero, UOL e Globo.
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