Sou feliz porque eu sempre agrado.
Primeiro aos meus.
Depois los outros.
PFL - Cocoricodilos derrotados
CROCODILOS DERROTADOS
Nossos cronistas que tentam impedir que os condenados da Ação Penal 470 tenham direito a uma revisão adequada de suas penas e mesmo uma segunda jurisprudência perderam um argumento depois de ontem.
Numa postura autoritária, que confundia seus desejos com a realidade, falavam do monstro, do ronco, do demônio das ruas para justificar a prisão imediata dos condenados.
Mas tivemos protestos de participação modesta, que confirmam não só a vergonhosa ignorância da fatia conservadora da elite de nossos meios de comunicação quanto às preocupações reais que afligem a maioria da população, mas também sua total falta de compromisso com a apuração e divulgação de fatos verdadeiros e informações confiáveis.
Querem fazer propaganda, querem ideologia – e não é difícil entender a razão.
Interessados num eventual proveito político do julgamento, tentam chantagear as instituições da democracia, sem importar-se, sequer, com outros prejuízos de natureza cultural que o estimulo à baderna possa produzir.
Como observou Janio de Freitas, pela primeira vez na história as pessoas saíram a rua num 7 de setembro sem “incluir, sequer remotamente, algo da ideia de nacionalidade, ou de soberania, de independência mesmo.”
Diz ainda Janio: “pelo visto, não faria diferença se, em vez do Sete de Setembro, a celebração mais próxima fosse o Natal. Ou Finados.”
Lembrando que somos uma pátria de desiguais, o Grito dos Excluídos disse a que veio. Mas só.
Os demais não disseram nada, embora fosse sobre eles que se disse tudo – especialmente, que o STF deveria se acovardar.
Há um componente maligno e manipulador nesse esforço para anunciar que um protesto será uma manifestação grandiosa.
Procura-se estimular o efeito manada naquele conjunto de cidadãos capazes de sair a rua porque acham que “todo mundo vai estar lá”. Numa sociedade pouco organizada como a nossa, onde os partidos políticos são o que são e as demais organizações sociais são aquilo que se conhece, muitas pessoas sentem-se desenraizadas e sem compromisso social maior. Ficam impressionadas com demonstrações de força.
Tenta-se contaminar nestes indivíduos um sentimento de solidão e isolamento caso não acompanhem os atos daqueles que se quer transformar numa “maioria” que ninguém ouviu nem diz onde mora nem sabe o que pensa – e muitas vezes nem pode ver o rosto, o que não é casual.
A leitura de Hanna Arendt, uma das mais fecundas estudiosas do nascimento de movimentos totalitários que levaram às piores ditaduras do século passado, permite interessantes comparações com aquilo que se diz e se faz no Brasil de hoje. Não tudo, mas boa parte, pelo menos.
Hanna Arendt explicou que os movimentos contra uma democracia ainda em gestação na Europa entre as duas Guerras precisaram de “uma grande massa desorganizada e desestruturada de indivíduos furiosos, que nada tinham em comum exceto a vaga noção de que as esperanças partidárias eram vãs; que, consequentemente, os mais respeitados, eloquentes e representativos membros da comunidade eram uns néscios e que as autoridades constituídas eram não apenas perniciosas, mas também obscuras e desonestas.” (“Origens do totalitarismo”, página 444).
É claro que, diante do fiasco comprovado de ontem, ninguém irá admitir que nunca houve uma relação direta nem clara entre a ação 470 e os protestos de junho.
Havia, há dois meses, quem protestasse contra os condenados. Era muita gente, sem dúvida. Mas havia uma raiva mais ampla e generalizada, que envolvia o sistema político, a saúde pública e, como causa inicial, não vamos esquecer, o transporte público.
Reconhecer isso hoje seria aceitar que se fez uma descrição política interesseira, que pretende dar ao povo um tratamento de ralé, estimulando, acima de tudo, a busca de um líder autoritário – para empregar, mais uma vez, a análise de Hanna Arendt.
Para ela, povo é aquele movimento social articulado a partir de interesses concretos e definidos, inclusive de classe social, que reage para defender seus direitos quando são atacados – e por isso ela identifica povo com a democracia.
Já a ralé, no sentido político, é formada por uma massa de cidadãos de várias classes, alimentados por uma “ amargura egocêntrica” que produz uma forma de “nacional tribal” e também o “niilismo rebelde.”
Analisando a estratégia de um dos mais cruéis líderes de um movimento em si monstruoso como o nazismo, Arendt fala que Himmler procurava recrutar integrantes das SS entre cidadãos que não estavam interessados em “problemas do dia a dia” mas somente em questões ideológicas de quem acredita trabalhar “numa grande tarefa que só aparece uma vez a cada dois mil anos.”
Vejam algumas semelhanças entre as coisas.
No livro “ A Cozinha Venenosa, “ no qual estuda a emergência do nazismo a partir da história de um jornal socialdemocrata de Munique, a jornalista Silvia Bittencourt lembra uma frase do hino da SS: “a Alemanha desperta.”
Descrevendo a “atomização social e a individualização extrema”, Hanna Arendt fala de massas que, “num primeiro desamparo de sua existência, tenderam para um nacionalismo especialmente violento.”
Avaliando o comportamento dos partidos que tinham uma postura de cumplicidade nos ataques a democracia, diz que agiam assim “por motivos puramente demagógicos, contra seus próprios instintos e finalidades.”
Na verdade, a falta de disposição espontânea para transformar o 7 de setembro numa jornada de confronto político real, como ocorreu em junho, não era tão difícil assim de ser percebida.
Em 4 de setembro registrei neste espaço minhas dúvidas sobre o tão falado monstro e seu “ronco”, como dizem os adoradores de todo movimento capaz de ser usado para causar prejuízos ao condomínio Lula-Dilma.
Falando dos crocodilos que rondam o Supremo, escrevi:
“Tenho certeza absoluta de que muitos brasileiros querem a prisão dos condenados pela ação penal 470. São sinceros e estão convencidos de seus motivos. Acho que o massacre dos meios de comunicação, tendenciosos, tem muito a ver com isso.
Não custa lembrar, contudo, que o Brasil não se resume a essas pessoas. Todos os deputados indiciados na ação penal 470 e que disputaram cargos eleitos em 2010 tiveram boa votação. Em 2012 a lei ficha limpa tirou João Paulo Cunha do pleito em Osasco. Senão, teria sido eleito prefeito. Não pode concorrer e emplacou um substituto no posto. Dirceu só não foi eleito em 2010 porque perdeu os direitos políticos no Congresso.
(…)
O “povo”, “a rua”, “o monstro” compareceu em massa às urnas em 2006, 2010, 2012. Em nenhuma dessas ocasiões a ação penal 470 derrotou qualquer candidato a presidente, a governador, a prefeito. Ocorreram derrotas e vitórias espetaculares. Sei da opinião de quem vai aos protestos. Mas basta andar pela rua e perguntar a opinião da população sobre Dilma. Ou sobre Lula.”
Seria ilusório no entanto, esperar por um balanço politicamente honesto deste 7 de setembro. Ninguém irá aplicar o mesmo critério e reconhecer que a população não está com tanta pressa assim –– e dar uma folga na chantagem sobre o Supremo, deixando que, nos últimos dias, seja capaz de encarar os fatos e reconhecer que tem o dever de abrir o debate para a discussão dos embargos infringentes, uma possibilidade de assegurar a pelo menos uma parcela dos réus o direito de uma revisão de suas penas.
As “ruas “ e o “monstro” eram apenas pretextos convenientes para justificar uma postura autoritária para mobilizar a população, de qualquer maneira, para exigir punições exemplares. Não deu certo e agora se mudará de assunto para perseguir o mesmo alvo, que é criminalizar as mudanças ocorridas no país nas últimas décadas. Como se faz sempre, a retórica consiste em transformar o bom em regular em ruim, o ruim em péssimo – e dizer que tudo o que há de ótimo saiu da cartola da oposição, enxotada do Planalto com uma popularidade negativa de 13 pontos.
A transmissão ao vivo do julgamento, ainda no ano passado, destinava-se a transformar uma decisão que deveria ser tomada num ambiente de serenidade e recolhimento num espetáculo público com várias demonstrações de autoritarismo e intolerância.
Tivemos um ministro relator que jamais foi um juiz, mas um aliado da acusação e, em vez de ser questionado a respeito, foi aplaudido exatamente por isso.
Este comportamento permitiu várias distorções e abusos. No último exemplo, o ministro Ricardo Lewandovski demonstrou, com dados irrefutáveis, o agravamento artificial das penas com a finalidade de impedir que, apesar das denúncias injustas, da falta de provas, da fraqueza de tantas acusações, os réus pudessem beneficiar-seito universal – a prescrição de penas depois de determinado prazo de investigação.
Estimulando atitudes de quem se coloca acima da lei, improvisa soluções sob encomenda a seus interesses, o que se quer é outra coisa.
Convencer o “niilismo rebelde” e o “nacionalismo tribal” que é possível desrespeitar a democracia pois ninguém será capaz de reagir. Estamos sendo submetidos a um teste.
Através do ataque aos direitos de 25 condenados, pretende-se atingir os direitos do povo inteiro É um plano para um prazo mais longo, amplo e profundo.
Se, em outubro de 2014, Dilma Rousseff e Lula confirmarem o dizem as pesquisas eleitorais de hoje, cravando uma quarta vitória eleitoral consecutiva sobre a “ a amargura egocêntrica” das elites, nós poderemos saber exatamente o que estava em jogo no espantalho do monstro de 7 de setembro — obter, fora das urnas, fora do respeito devido às instituições democráticas, vitórias que só a soberania popular garante.
Numa postura autoritária, que confundia seus desejos com a realidade, falavam do monstro, do ronco, do demônio das ruas para justificar a prisão imediata dos condenados.
Mas tivemos protestos de participação modesta, que confirmam não só a vergonhosa ignorância da fatia conservadora da elite de nossos meios de comunicação quanto às preocupações reais que afligem a maioria da população, mas também sua total falta de compromisso com a apuração e divulgação de fatos verdadeiros e informações confiáveis.
Querem fazer propaganda, querem ideologia – e não é difícil entender a razão.
Interessados num eventual proveito político do julgamento, tentam chantagear as instituições da democracia, sem importar-se, sequer, com outros prejuízos de natureza cultural que o estimulo à baderna possa produzir.
Como observou Janio de Freitas, pela primeira vez na história as pessoas saíram a rua num 7 de setembro sem “incluir, sequer remotamente, algo da ideia de nacionalidade, ou de soberania, de independência mesmo.”
Diz ainda Janio: “pelo visto, não faria diferença se, em vez do Sete de Setembro, a celebração mais próxima fosse o Natal. Ou Finados.”
Lembrando que somos uma pátria de desiguais, o Grito dos Excluídos disse a que veio. Mas só.
Os demais não disseram nada, embora fosse sobre eles que se disse tudo – especialmente, que o STF deveria se acovardar.
Há um componente maligno e manipulador nesse esforço para anunciar que um protesto será uma manifestação grandiosa.
Procura-se estimular o efeito manada naquele conjunto de cidadãos capazes de sair a rua porque acham que “todo mundo vai estar lá”. Numa sociedade pouco organizada como a nossa, onde os partidos políticos são o que são e as demais organizações sociais são aquilo que se conhece, muitas pessoas sentem-se desenraizadas e sem compromisso social maior. Ficam impressionadas com demonstrações de força.
Tenta-se contaminar nestes indivíduos um sentimento de solidão e isolamento caso não acompanhem os atos daqueles que se quer transformar numa “maioria” que ninguém ouviu nem diz onde mora nem sabe o que pensa – e muitas vezes nem pode ver o rosto, o que não é casual.
A leitura de Hanna Arendt, uma das mais fecundas estudiosas do nascimento de movimentos totalitários que levaram às piores ditaduras do século passado, permite interessantes comparações com aquilo que se diz e se faz no Brasil de hoje. Não tudo, mas boa parte, pelo menos.
Hanna Arendt explicou que os movimentos contra uma democracia ainda em gestação na Europa entre as duas Guerras precisaram de “uma grande massa desorganizada e desestruturada de indivíduos furiosos, que nada tinham em comum exceto a vaga noção de que as esperanças partidárias eram vãs; que, consequentemente, os mais respeitados, eloquentes e representativos membros da comunidade eram uns néscios e que as autoridades constituídas eram não apenas perniciosas, mas também obscuras e desonestas.” (“Origens do totalitarismo”, página 444).
É claro que, diante do fiasco comprovado de ontem, ninguém irá admitir que nunca houve uma relação direta nem clara entre a ação 470 e os protestos de junho.
Havia, há dois meses, quem protestasse contra os condenados. Era muita gente, sem dúvida. Mas havia uma raiva mais ampla e generalizada, que envolvia o sistema político, a saúde pública e, como causa inicial, não vamos esquecer, o transporte público.
Reconhecer isso hoje seria aceitar que se fez uma descrição política interesseira, que pretende dar ao povo um tratamento de ralé, estimulando, acima de tudo, a busca de um líder autoritário – para empregar, mais uma vez, a análise de Hanna Arendt.
Para ela, povo é aquele movimento social articulado a partir de interesses concretos e definidos, inclusive de classe social, que reage para defender seus direitos quando são atacados – e por isso ela identifica povo com a democracia.
Já a ralé, no sentido político, é formada por uma massa de cidadãos de várias classes, alimentados por uma “ amargura egocêntrica” que produz uma forma de “nacional tribal” e também o “niilismo rebelde.”
Analisando a estratégia de um dos mais cruéis líderes de um movimento em si monstruoso como o nazismo, Arendt fala que Himmler procurava recrutar integrantes das SS entre cidadãos que não estavam interessados em “problemas do dia a dia” mas somente em questões ideológicas de quem acredita trabalhar “numa grande tarefa que só aparece uma vez a cada dois mil anos.”
Vejam algumas semelhanças entre as coisas.
No livro “ A Cozinha Venenosa, “ no qual estuda a emergência do nazismo a partir da história de um jornal socialdemocrata de Munique, a jornalista Silvia Bittencourt lembra uma frase do hino da SS: “a Alemanha desperta.”
Descrevendo a “atomização social e a individualização extrema”, Hanna Arendt fala de massas que, “num primeiro desamparo de sua existência, tenderam para um nacionalismo especialmente violento.”
Avaliando o comportamento dos partidos que tinham uma postura de cumplicidade nos ataques a democracia, diz que agiam assim “por motivos puramente demagógicos, contra seus próprios instintos e finalidades.”
Na verdade, a falta de disposição espontânea para transformar o 7 de setembro numa jornada de confronto político real, como ocorreu em junho, não era tão difícil assim de ser percebida.
Em 4 de setembro registrei neste espaço minhas dúvidas sobre o tão falado monstro e seu “ronco”, como dizem os adoradores de todo movimento capaz de ser usado para causar prejuízos ao condomínio Lula-Dilma.
Falando dos crocodilos que rondam o Supremo, escrevi:
“Tenho certeza absoluta de que muitos brasileiros querem a prisão dos condenados pela ação penal 470. São sinceros e estão convencidos de seus motivos. Acho que o massacre dos meios de comunicação, tendenciosos, tem muito a ver com isso.
Não custa lembrar, contudo, que o Brasil não se resume a essas pessoas. Todos os deputados indiciados na ação penal 470 e que disputaram cargos eleitos em 2010 tiveram boa votação. Em 2012 a lei ficha limpa tirou João Paulo Cunha do pleito em Osasco. Senão, teria sido eleito prefeito. Não pode concorrer e emplacou um substituto no posto. Dirceu só não foi eleito em 2010 porque perdeu os direitos políticos no Congresso.
(…)
O “povo”, “a rua”, “o monstro” compareceu em massa às urnas em 2006, 2010, 2012. Em nenhuma dessas ocasiões a ação penal 470 derrotou qualquer candidato a presidente, a governador, a prefeito. Ocorreram derrotas e vitórias espetaculares. Sei da opinião de quem vai aos protestos. Mas basta andar pela rua e perguntar a opinião da população sobre Dilma. Ou sobre Lula.”
Seria ilusório no entanto, esperar por um balanço politicamente honesto deste 7 de setembro. Ninguém irá aplicar o mesmo critério e reconhecer que a população não está com tanta pressa assim –– e dar uma folga na chantagem sobre o Supremo, deixando que, nos últimos dias, seja capaz de encarar os fatos e reconhecer que tem o dever de abrir o debate para a discussão dos embargos infringentes, uma possibilidade de assegurar a pelo menos uma parcela dos réus o direito de uma revisão de suas penas.
As “ruas “ e o “monstro” eram apenas pretextos convenientes para justificar uma postura autoritária para mobilizar a população, de qualquer maneira, para exigir punições exemplares. Não deu certo e agora se mudará de assunto para perseguir o mesmo alvo, que é criminalizar as mudanças ocorridas no país nas últimas décadas. Como se faz sempre, a retórica consiste em transformar o bom em regular em ruim, o ruim em péssimo – e dizer que tudo o que há de ótimo saiu da cartola da oposição, enxotada do Planalto com uma popularidade negativa de 13 pontos.
A transmissão ao vivo do julgamento, ainda no ano passado, destinava-se a transformar uma decisão que deveria ser tomada num ambiente de serenidade e recolhimento num espetáculo público com várias demonstrações de autoritarismo e intolerância.
Tivemos um ministro relator que jamais foi um juiz, mas um aliado da acusação e, em vez de ser questionado a respeito, foi aplaudido exatamente por isso.
Este comportamento permitiu várias distorções e abusos. No último exemplo, o ministro Ricardo Lewandovski demonstrou, com dados irrefutáveis, o agravamento artificial das penas com a finalidade de impedir que, apesar das denúncias injustas, da falta de provas, da fraqueza de tantas acusações, os réus pudessem beneficiar-seito universal – a prescrição de penas depois de determinado prazo de investigação.
Estimulando atitudes de quem se coloca acima da lei, improvisa soluções sob encomenda a seus interesses, o que se quer é outra coisa.
Convencer o “niilismo rebelde” e o “nacionalismo tribal” que é possível desrespeitar a democracia pois ninguém será capaz de reagir. Estamos sendo submetidos a um teste.
Através do ataque aos direitos de 25 condenados, pretende-se atingir os direitos do povo inteiro É um plano para um prazo mais longo, amplo e profundo.
Se, em outubro de 2014, Dilma Rousseff e Lula confirmarem o dizem as pesquisas eleitorais de hoje, cravando uma quarta vitória eleitoral consecutiva sobre a “ a amargura egocêntrica” das elites, nós poderemos saber exatamente o que estava em jogo no espantalho do monstro de 7 de setembro — obter, fora das urnas, fora do respeito devido às instituições democráticas, vitórias que só a soberania popular garante.
José Dirceu - Um Homem de Fibra
Ao fim da transmissão, quinta-feira, da sessão no STF, Maria Alice Vieira, a colaboradora braço direito de José Dirceu, anunciou que todos os presentes ali reunidos no salão de festas do prédio do ex-Chefe da Casa Civil estavam convidados para retornar na próxima quarta-feira e, juntos, assistirem novamente à próxima sessão, que provavelmente deverá julgar os Embargos Infringentes, assim todos esperam.
Havia no ar uma certa sensação de alívio. Alguém atrás de mim comentou: “Mais uma semana!”. O que entendi como “mais uma semana de esperança”.
O irmão de José Dirceu, Luís, que naquela manhã teve um mal estar cardíaco e precisou ser atendido numa clínica, veio me cumprimentar e agradecer o apoio, “em nome da família”. Gesto inesperado e tocante, de quem estava claramente emocionado.
José Dirceu é o que a literatura define como “homem de fibra”. Impressionante como se manteve e se mantém de pé, ao longo de todos esses anos, mesmo atacado por todos os lados, metralhado por todas as forças, todos os poderosos grupos de mídia, os políticos seus detratores, todas as forças da elite do país, formadores de opinião de todos os segmentos e matizes, de forma maciça e ininterrupta, massacrante.
De modo como jamais se viu uma pessoa nesta Nação ser ofendida, ele vem sendo acossado, desmoralizado, num processo de demolição continuada, sem deixarem pedra sobre pedra, esmiuçando-se cada milímetro de sua intimidade, devassando, perseguindo, escarafunchado e, sem qualquer evidência descoberta, juízes o condenam proferindo frases do tipo “não tenho prova cabal contra Dirceu, mas vou condená-lo porque a literatura jurídica me permite”. Nem mesmo o mais reles criminoso foi satanizado de tal forma ou sofreu linchamento tão perverso.
Com tal carga a lhe pesar sobre os ombros, ele não os curva. Às vezes mais abatido, outras aparentemente decepcionado, contudo sempre em combate, preparando-se para o momento seguinte. Não se queixa, não acusa, não lamenta, nem cobra a ausência de apoio daqueles que, certamente, deveriam o estar respaldando. É discreto. Não declina nomes. Nunca deixa transparecerquem está próximo dele, quem não. Um eterno militante de 68, que jamais despiu a boina.
“Família”, antes da reunião daquela tarde, em seu prédio, com os companheiros que o apoiam nessa via crucispenal, para juntos assistirem à transmissão da TV Justiça, ele almoçou em casa com suas três ex-mulheres, filhas, irmãos, uma confraternização familiar necessária para quem poderia, dali a algumas horas, escutar o pior dos resultados.
E lá estávamos nós, aguardando sua chegada, falando baixo, sem grande excitação no ambiente, enquanto um técnico ajeitava, no laptop, o projetor das imagens da TV que seriam exibidas na parede.
A diretora de cinema Tata Amaral fez uma preleção sobre seu filme “O grande vilão”, um documentário sobre esse período da vida de Dirceu, “o homem mais perseguido da história da República”, e distribuiu termos de autorização de uso de imagem para que os presentes, que assim o desejassem, assinassem. Pelo que percebi, todos assinaram.
Dirceu cumprimentou um por um, agradecendo a presença de todos. Parecia calmo ao chegar. E calmo permaneceu até o final. Quando se despediu de mim, José Dirceu disse, elogiando: “O ministro Barroso estava certo, quando defendeu a suspensão da sessão até a próxima semana”.
Ele se referia à argumentação do ministro Luis Roberto Barroso, que, para garantir aos advogados plena defesa dos réus, usou a frase “seria gentil e proveitoso dar aos advogados a oportunidade de apresentar memoriais”. . Ponderação que o presidente Joaquim Barbosa acolheu muito a contragosto.
Na próxima semana, estaremos lá todos com você de novo, José Dirceu. Acredito em sua inocência. Acredito em Mentirão, não em Mensalão, que para mim existe muito mais para desqualificar a luta dos heróis e mártires da ditadura militar do que para qualquer outra coisa. Mais para justificar o apoio dado pela direita reacionária de 1964 – as elites e a classe média manipulada – ao totalitarismo que massacrou nosso país, tolheu nossa liberdade e nosso pensamento, dizimou valores, destruiu famílias, acabrunhou, amedrontou, paralisou, despersonalizou e tornou apático o povo brasileiro por duas décadas.
E como alvo maior desse processo de desqualificação reacionária, que ressurge como um zumbi nostálgico assombrando o país, foi eleito José Dirceu, o qual, como bem analisa o cineasta Luiz Carlos Barreto, cometeu o grave delito de colocar no poder um sindicalista das classes populares, o Lula.
Pois foi por obra, empenho, articulação e graça de José Dirceu que Luís Inácio Lula da Silva chegou a Presidente da República. E chegou com um projeto político de sucesso, bem estruturado, com um discurso certo, que alçou Luís Inácio não só a um patamar diferenciado de Estadista em nossa História, como também a um conceito internacional jamais alcançado por um Chefe de Estado brasileiro.
Grande parte disso tudo pode ser creditada (ou, segundo interpretação de alguns,debitada) a José Dirceu.
Motivos não faltaram nem faltam para essa obsessão de tantos por destrui-lo.
Hildegard Angel
Frase da noite
De todas as imoralidades a hipocrisia é a pior que existe para a humanidade.
Joel Neto
Joel Neto
Quando envelhecer, quero usar púrpura
Quando ficar velha, quero usar púrpura com chapéu vermelho, que não combina e fica ridículo em mim.
Vou gastar o dinheiro que tenho em uísque, usarei luvas no verão, e me queixarei que falta manteiga em casa.
Vou sentar-me no meio-fio quando estiver cansada, comerei todas as ofertas do supermercado, tocarei as campainhas dos vizinhos, arrastarei meu guarda-chuva nas grades da praça, e só assim me sentirei vingada por ter sido tão séria durante a minha juventude.
Vou andar de chinelos, arrancar flores do jardim dos outros, e cuspir no chão.
Vou usar roupas horríveis, engordar sem culpa, comer um quilo de salsichas no almoço, ou passar uma semana só na base do pão e picles.
Tantos capítulos vividos, A Capibaribe Neto
Ao longo de tanta vida vivida - com muita intensidade, diga-se de passagem - certo ou errado - procurei não desperdiçar essa experiência maravilhosa que é viver, um segundo que fosse. Quem entende o que significa vida, tem obrigação de saber que cada segundo conta e que cada segundo pode ser o mais importante ou o último. E assim, nos intervalos das emoções ou nas pausas para meditação ou inadiáveis reflexões entre o fim de um capítulo e o início de outro, procurei abrigo em páginas brancas ou nas telas luminosas eletrônicas para fazer confissões ou pedir ajuda.
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