Ao lado dele estavam o vice presidente José Alencar e o ministro da Defesa, José Viegas, ambos com ar grave, em silêncio.
Eu era na época o secretário de Imprensa e Divulgação do primeiro governo Lula, encarregado de dar as boas e más notícias ao país.
Sem maiores explicações, o presidente me deu a ordem:
"Ricardinho, acabei de aceitar o pedido de demissão do ministro Viegas e nomeei o Zé Alencar para o lugar dele. Prepara uma nota para a imprensa".
O ministro da Defesa já balançava no cargo há algum tempo, mas não havia nenhuma nuvem negra no horizonte a sugerir aquele desfecho.
Viegas se retirou em seguida, e o vice permaneceu calado, olhando para o presidente.
Quando Lula se afastou, Alencar me disse, preocupado: "Você viu o que o presidente me arrumou?".
José Alencar era mais do que um simples vice: era o homem em quem o presidente mais confiava no governo e, por isso, fora convocado, sem consulta prévia, para acumular o cargo de ministro da Defesa.
Eram muito boas as relações de Lula com os comandantes militares e ele sabia que, naquele momento, o mais importante seria preservá-las, para evitar qualquer crise nesta área.
De fato, foi o que aconteceu. Não chegou a haver crise nenhuma. Lula a debelou em poucos minutos antes que se instalasse no governo.
Desci correndo a escada que separa o terceiro andar do gabinete presidencial do segundo, onde ficava a minha sala.
Redigi às pressas uma nota curta e, antes das 10 da manhã, estava consumada a troca de ministros.
Assim age um presidente da República cônscio das suas responsabilidades, assumindo todos os riscos e, neste caso, sem consultar ninguém.
Afinal, ele fora eleito e recebia um salário de funcionário público exatamente para isso: evitar crises, ao invés de criá-las.
Este episódio me voltou à memória, claro, nesta semana em que o Palácio do Planalto viveu a primeira grande crise do novo governo.
Desde quarta-feira, quando o presidente Jair Bolsonaro rifou publicamente pela TV e no Twitter o secretário-geral Gustavo Bebianno, que comandou o cofre da sua campanha, o país ficou paralisado à espera de um desfecho.
Bebianno declarou que não pediria demissão e fez ameaças avisando que não cairia sozinho.
Bolsonaro levou três dias para chamá-lo ao gabinete e lhe comunicar que seria demitido, depois de armar uma confusão dos diabos, em que chamou 11 ministros ao Planalto para auxiliá-lo a tomar uma decisão.
Na véspera, antes do desfecho do caso no fim da noite de sexta-feira, o presidente posou ao lado de ministros civis e militares no Palácio da Alvorada onde discutiu a reforma da Previdência.
De chinelos de dedo, moleton e blazer sobre uma camiseta pirata do Palmeiras, o presidente da República era o próprio retrato do seu governo esculachado, completamente perdido diante das grandes questões nacionais, sem saber o que fazer da vida.
Entre a palhaçada do ex-capitão reformado pelo Exército aos 33 anos, que já levou 45 militares para o governo, e a atitude cirúrgica do ex-torneiro mecânico ao cortar pela raiz a crise numa área sensível como o Ministério da Defesa, está toda a diferença entre os dois presidentes.
Isto explica também porque fizeram de tudo, unindo a farda à toga, para impedir que Lula, o mais admirado presidente brasileiro de todos os tempos, segundo as pesquisas, voltasse pela terceira vez ao Palácio do Planalto.
Candidato, seria eleito, também segundo as pesquisas, e o país não estaria hoje falando do deputado do baixo clero que se elegeu numa campanha sórdida deflagrada nas redes sociais.
Nas mesmas redes sociais, comandadas pelo Carlucho, o filho 02, armou-se agora uma baderna institucional, que está longe de ter um fim.
Fico pensando o que acontecerá se Jair Bolsonaro for obrigado a enfrentar uma crise de verdade, criada pela oposição e não pelo próprio governo, como foi a da CPI do Mensalão, com toda a grande imprensa mobilizada para comer o figado do governo Lula.
E estamos apenas no 47º dia do novo governo militar.
Bom final de semana a todos, se o PCC assim o permitir.
Vida que segue...