Nelson Mota - o efeito Vaquinha

Ao arrecadar em um mês mais de R$ 2 milhões para pagar as multas de Genoino, João Paulo, Delúbio e Zé Dirceu no mensalão, o PT está provando na prática a viabilidade de uma reforma eleitoral em que as campanhas sejam financiadas apenas com doações de pessoas físicas, com recibos e limites.

Os partidos já têm o horário eleitoral e as verbas gordas dos fundos partidários, e empresas não votam nem deveriam participar de eleições.

Mas, na reforma eleitoral em discussão no Congresso, o PT exige o “financiamento público” das campanhas. Quer mais dinheiro nosso para ser distribuído entre eles, proporcionalmente às bancadas que estão no poder, para que nele se perpetuem. Ninguém engole essa.

Mas todos os partidos dizem que é inviável fazer uma campanha baseada em doações individuais: o brasileiro não tem o hábito nem acredita nos políticos. A vitoriosa vaquinha dos mensaleiros está provando o contrário.

 

 

Se essa massa de dinheiro foi arrecadada em campanhas discretas pela internet, visando só aos amigos e simpatizantes, para uma causa no mínimo duvidosa (dar dinheiro ao rico consultor Zé Dirceu?), imaginem a dinheirama que poderia ser gerada por uma campanha nacional de massa para causas maiores e decisivas, como uma eleição à Presidência da República?

O mesmo vale para os outros grandes partidos. Os nanicos que se contentem com a boca livre de rádio e TV e o jabá dos fundos partidários. Afinal foi assim que Marina Silva fez 20 milhões de votos em 2010. O contribuinte já dá dinheiro demais para assegurar um mínimo de viabilidade às campanhas eleitorais.

Se quiserem mais dinheiro, que passem a sacolinha, que façam churrascos, bingos e pagodes. Com nota fiscal. Numa democracia, as campanhas devem ser bancadas pelos cidadãos que acreditam nos seus partidos e nos candidatos que os representam, ao Estado cabe regular, equalizar e controlar o poder econômico.

Doar pela internet é tão fácil como votar no “Big Brother”, difícil é os candidatos convencerem os eleitores a doar, mas isso é problema deles. O nosso é contribuir para os que achamos os melhores. Ou menos ruins.

Estamos na reta final da campanha “Eu apoio Zé Dirceu“

A intensificação de nossos esforços se faz ainda mais necessária agora, já que a Vara de Execuções Penais do Distrito Federal notificou nesta quinta-feira (20) José Dirceu para pagar a injusta multa de R$ 971.128,92.
Sabemos – e somos imensamente gratos – do empenho que todos vocês já fizeram até agora.  Até as 12h desta quinta, foram recebidos e conferidos 2.785 comprovantes de doações, atingindo o valor de R$ 825.529,40.
Estamos perto de atingir o total necessário. Contamos com sua ajuda para, nesta reta final, reforçarmos ainda mais esta campanha, chegarmos à nossa meta e concretizarmos o protesto coletivo contra as arbitrariedades de que José Dirceu vem sendo alvo.
Doações 
Alertamos para a importância do envio dos comprovantes de doação para o site da campanha. Reiteramos que não poderemos utilizar doações que não tiverem seus respectivos comprovantes.
Os comprovantes de depósito devem ser digitalizados em um scanner ou fotografados e enviados ao site www.apoiozedirceu.com. Basta entrar no site, clicar em Como Doar e no item 2 dessa seção, acessar o “Formulário de Comprovação de Doação”. Preencha ali seus dados, anexe o comprovante e envie.
Seguimos juntos na luta, fortalecendo a corrente solidária ao Zé Dirceu que atesta a dimensão da indignação de todos frente às violações cometidas no julgamento da AP 470.
Amanhã, sexta (21.02), publicaremos mais uma atualização com o saldo de doações e o número de doadores. Qualquer dúvida, mande seu e-mail para apoiozedirceu@gmail.com
Contamos com vocês para finalizar a campanha.
Amigos do Zé

O que faz das grandes histórias, grandes histórias?

Seria o clímax sempre inesperado? O baque na reviravolta? Eu sempre falo — ou costumo sempre me lembrar de falar em casos como esse — que a história é sempre de quem está contando. Não se pode deixar que a tradição oral de passar uma história para frente seja poluída (encardida mesmo) com outras falas de outras pessoas, mesmo que elas estivessem lá e discordassem completamente dos fatos ditos.

 Quem conta a história está comprometido com a narrativa, não com a realidade. O contador de histórias vai te guiar pelos acontecimentos com o máximo de aconchego, não de veracidade.

 Mentiroso não. Quem alguma vez assistiu ao filme Peixe Grande vai saber do que estou falando e se arrependerá da falsa alcunha. O último bom filme do Tim Burton.

 Pois bem. Quem conta a história tem direito — e dever — de enaltecer as habilidades envolvidas, as façanhas apolíneas e as desenvolturas fantásticas de seus personagens. E que seja assim sempre: boas histórias e não histórias verossímeis.

As grandes histórias são contadas por grandes contadores de histórias. Temos aqui um compilado de histórias que envolvem os autores do PapodeHomem:

 Victor Lisboa sabe comprar e confundir na Índia vitor-lisboa Antes da viagem à Índia, recebi conselhos sobre os comerciantes e taxistas, pois seriam os “reis da malandragem” de lá. Mas nada disso impediu que eu fosse levado a uma “favela indiana” por um taxista de Agra, ao invés de à estação de trem. Protestei, e ele jurou que apenas me mostraria um lugar onde marmoreiros trabalhavam como na época do Taj Mahal.

A política na Justiça

Benefício solicitado por Azeredo mostra como foi errado julgar Dirceu, Delúbio e tantos outros na mais alta corte do país A renúncia de Eduardo Azeredo pode ser examinada de duas formas. A primeira é técnica. A segunda, política. Visto pelo angulo técnico, Azeredo tem todo direito de renunciar ao mandato e, como cidadão comum, igual a você e eu, pleitear sua transferência para a Vara de Justiça de Belo Horizonte onde estão sendo julgados outros réus do mensalão PSDB-MG. Com isso, seu caso entra numa longa fila de provas, testemunhas e denúncias que ira prolongar-se por alguns anos. Pelo ângulo político, deveria ocorrer o contrário. Enquadrado como “exemplo,” como “símbolo” da luta contra impunidade, Eduardo Azeredo deveria ser mantido no STF. Julgado pelas intenções, é fácil dizer que ele pretende, apenas, encontrar um atalho para ganhar tempo. Este é o debate em curso no STF hoje. Escrevi um livro onde argumento que o julgamento da AP 470 foi um processo político, com vários elementos de um espetáculo televisivo, que criminalizou a democracia e seus principais atores, que são os políticos. Estou convencido de que a Teoria do Domínio do Fato foi uma improvisação para se obter penas fortes a partir de provas fracas. Concordo com a visão de que as penas foram agravadas – artificialmente – apenas para permitir longas sentenças de prisão, em regime fechado. Já denunciei que, levados à prisão, vários condenados têm sido submetidos a um tratamento inadequado, e vexaminoso, apenas por “razões políticas.” José Genoíno deveria ter sido retirado da cadeia definitivamente depois do primeiro exame médico. José Dirceu tem direito a regime semiaberto e não poderia estar trancafiado há mais de 90 dias. Por aí vai. É claro que o debate técnico, no caso de Azeredo, deve prevalecer sobre o político. Pode ser deprimente verificar que o ex-governador tucano pode ter seus direitos respeitados, enquanto outros políticos, ligados ao governo Lula, sofrem abusos e chegam a ser humilhados. A verdade, no entanto, é que não se pode defender bons princípios apenas quando convém as nossas opiniões políticas. A Justiça não se faz através da vingança nem da retaliação. O lugar para se defender uma visão de mundo é a política e não a Justiça. Quem não compreendeu isso apenas alimenta a judicialização, que é política dos que não têm voto. A situação de Azeredo, hoje, é assim. Muitos juízes sabem que como ex-deputado ele tem direito a ser julgado em primeira instância. Não há argumento legal capaz de sustentar o contrário — só técnicas para adivinhar o pensamento, que não estão previstas pela Constituição, ecoisas assim. Mas serão pressionados a votar contra essa convicção em nome do “espetáculo.” Sabe como é. Depois de produzir um tremendo show contra os réus da AP 470, pode ser inconveniente ceder diante do primeiro “poderoso” que é adversário do PT. Inconveniente, sim. Mas talvez necessário. Estamos falando de Justiça e não de teatro. O erro de 9 entre os 11 ministros do STF foi cometido em agosto de 2012. Naquele momento, eles resolveram julgar réus sem direito ao foro privilegiado, tarefa que não é autorizada pela Constituição, como explica o professor Dalmo Dallari, e que se ainda mais complicada depois que eles já tinham desmembrado o julgamento do mensalão PSDB-MG. Foi ali que se definiram caminhos diferentes para casos iguais. O resto é consequência. A farsa de que se pretendia punir os poderosos no maior julgamento, do maior escândalo, foi construída em agosto de 2012 e não será alterada por uma decisão em 2014. Não será “corrigida” pela repetição de um erro. Não haverá “justiça” se houver “menos” justiça. Pelo contrário. Uma decisão correta, agora, pode abrir caminho para uma revisão de erros do passado. Terá o valor de uma autocrítica e não é por outro motivo, aliás, que assusta tantos campeões da AP 470. Sua técnica não é a defesa da boa lei, mas da boa aparência, aquela que mantém a sujeira embaixo do tapete. Caso Eduardo Azeredo venha a receber um benefício negado a maioria dos réus em sua condição – só três dos 37 acusados da AP 470 deveriam ter sido julgados no STF – ficará claro que há muito para ser debatido no julgamento. A repetição de um erro só tornará mais difícil corrigir outros erros. É só lembrar que, se tivessem sido julgados pelos mesmo critérios, Dirceu, Genoino, Delúbio, ainda estariam aguardando pela sentença em primeira instância. Não estariam na Papuda, nem teriam de enfrentar aquelas decisões que levaram um dos maiores juristas brasileiros, Celso Bandeira de Mello, a definir Joaquim Barbosa como um “homem mau.” É isso que deve ser discutido. Paulo Moreira Leite

247 – A solidariedade continua seu combate contra a avareza

Oito dias depois de entrar no ar, site de arrecadação para pagamento da multa de R$ 971 imposta pelo STF ao ex-presidente do PT José Dirceu chegou a R$ 825 mil. Os organizadores avaliam, em razão da maioria dos depósitos terem ocorrido à noite e pela manhã, é que a marca de R$ 1 milhão poderá ser ultrapassada até amanhã. Mas ninguém entre eles faz qualquer comemoração antecipada. Até aqui, 2,7 mil pessoas contribuíram com depósitos no site www.apoiozedireceu.com.br. A grande maioria das doações foi de até R$ 100. A Vara de Execuções Penais do Distrito Federal determinou nesta quinta (20) que o ex-ministro pague a multa em dez dias, após a defesa ser notificada. O certo é que a de Zé Dirceu está sendo a mais dramática campanha de arrecadação feita em torno da AP 470 pelas famílias dos condenados, amigos, militantes e dirigentes do PT. Após o sucesso pioneiro no apoio financeiro a José Genoíno, que precisava de R$ 667 para pagar sua multa, e a facilidade com que a corrente para Delúbio Soares chegou à sua meta, de R$ 466 mi (totalização foi superior a R$ 1 milhão), João Paulo Cunha nem precisou abrir seu próprio site. Sua multa de R$ R$ 373,5 mil foi paga com sobras das anteriores. Mesmo conseguindo os recursos, a pressão sobre Dirceu é imensa. O ministro Gilmar Mendes preencheu vasto noticiário com entrevistas e cartas endereçadas ao senador Eduardo Suplicy, nas quais pugnou pela tese da lavagem de dinheiro. Enquanto isso, dentro do STF, o presidente Joaquim Barbosa desfez decisão do vice Ricardo Lewandowski e recuperou para si o direito de julgar se Dirceu tem ou não direito a trabalhar. Ele seria punido pelo suposto uso de um telefone celular dentro do Complexo da Papuda, o que uma investigação da própria penitenciária concluiu que jamais ocorreu. Depende desta decisão de Barbosa a apreciação que, sem prazo determinado, o próprio Barbosa fará do pedido para trabalhar feito por Dirceu. Com todo o poder sobre o ex-presidente do PT nas mãos, o presidente da corte não tem pressa – tanto menos de decretar a prisão do ainda livre, leve e solto deputado Roberto Jefferson, o delator do chamado mensalão. Não menos importante, o papel de palhaço cumprido pelo PPS do deputado Roberto Freire. O partido do ex-comunista entrou com pedido na Justiça pelo confisco do montante arrecadado pelo site de amigos de Dirceu e reverter o dinheiro para os cofres da União, por suposto desvio de dinheiro público. Por fim, o o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, pediu aos ministros do STF, em sessão da Corte nesta quinta-feira (20), que sejam mantidas as condenações por formação de quadrilha de Dirceu e de outros quatro réus do mensalão. Se derem ouvido a Janot, Dirceu e os demais irão definitivamente para o regime fechado. Abaixo matéria da Agência Brasil: Vara de Execuções Penais determina que Dirceu pague multa André Richter - Repórter da Agência Brasil A Vara de Execuções Penais do Distrito Federal determinou hoje (20) que o ex-ministro da Casa Civil José Dirceu pague multa de R$ 971 mil em função da condenação por corrupção na Ação Penal 470, o processo do mensalão. O pagamento deve ser feito em dez dias, após a defesa ser notificada. Antes mesmo da determinação da Justiça, um site foi criado para arrecadar a quantia a ser paga por meio de doações online. Até o momento, foram arrecadados R$ 763,7 mil. O valor foi depositado por 2.591 doadores. O pagamento de multas com ajuda de apoiadores é questionada por partidos de oposição. Na semana passada, o PPS entrou com uma representação no Ministério Público para bloquear o dinheiro arrecadado na internet para pagar a multa. Na representação, o líder do partido, deputado federal Rubens Bueno (PR), diz que todos os condenados estão obrigados a ressarcir o erário público e, no caso do ex-ministro, considerado “o principal acusado no esquema de desvio do mensalão e réu em ação de improbidade”. A assessoria de José Dirceu criticou o pedido e disse que não tem cabimento. De acordo com nota divulgada à imprensa, ao pedir o bloqueio das doações online “a oposição mais uma vez cria um factóide com objetivos políticos”. “A oposição não se conforma por não ter conseguido – mesmo com todo o suporte midiático que teve e tem à disposição – levar os réus ao ostracismo. Não se conforma com a existência de uma militância aguerrida, solidária, justa e incansável. Temos certeza de que esse novo factóide apenas dará novo fôlego aos brasileiros e brasileiras para fazer desta campanha um gesto humano e político contra a implacável perseguição da qual José Dirceu vem sendo alvo”, diz a nota.

Lú, Você existe em mim

...Chorar prá que?
Chorar é fim?...
Não rima
Te amo
Você existe em mim!
Quem sou eu
Sem tu?
Que sou eu sem minha Lú?
Te amoooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooo

Hildegard Angel

Neste momento extremamente grave em que vemos um golpe militar caminhar célere rumo a um país vizinho, com o noticiário chegando a nós de modo distorcido, utilizando-se de imagens fictícias, exibindo fotos de procissões religiosas em Caracas como se fosse do povo venezuelano revoltoso nas ruas; mostrando vídeos antigos como se atuais fossem; e quando, pelo próprio visual próspero e “coxinha” dos manifestantes, podemos bem avaliar os interesses de sua sofreguidão, que os impedem de respeitar os valores democráticos e esperar nova eleição para mudar o governo que os desagrada, vejo como meu dever abrir a boca e falar. Dizer a vocês, jovens de 20, 30, 40 anos de meu Brasil, o que é de fato uma ditadura. Se a Ditadura Militar tivesse sido contada na escola, como são a Inconfidência Mineira e outros episódios pontuais de usurpação da liberdade em nosso país, eu não estaria me vendo hoje obrigada a passar sal em minhas tão raladas feridas, que jamais pararam de sangrar. Fazer as feridas sangrarem é obrigação de cada um dos que sofreram naquele período e ainda têm voz para falar. Alguns já se calaram para sempre. Outros, agora se calam por vontade própria. Terceiros, por cansaço. Muitos, por desânimo. O coração tem razões… Eu falo e eu choro e eu me sinto um bagaço. Talvez porque a minha consciência do sofrimento tenha pegado meio no tranco, como se eu vivesse durante um certo tempo assim catatônica, sem prestar atenção, caminhando como cabra cega num cenário de terror e desolação, apalpando o ar, me guiando pela brisa. E quando, finalmente, caiu-me a venda, só vi o vazio de minha própria cegueira. Meu irmão, meu irmão, onde estás? Sequer o corpo jamais tivemos. Outro dia, jantei com um casal de leais companheiros dele. Bronzeados, risonhos, felizes. Quando falei do sofrimento que passávamos em casa, na expectativa de saber se Tuti estaria morto ou vivo, se havia corpo ou não, ouvi: “Ah, mas se soubessem como éramos felizes… Dormíamos de mãos dadas e com o revólver ao lado, e éramos completamente felizes”. E se olharam, um ao outro, completamente felizes. Ah, meu deus, e como nós, as famílias dos que morreram, éramos e somos completamente infelizes! A ditadura militar aboletou-se no Brasil, assentada sobre um colchão de mentiras ardilosamente costuradas para iludir a boa fé de uma classe média desinformada, aterrorizada por perversa lavagem cerebral da mídia, que antevia uma “invasão vermelha”, quando o que, de fato, hoje se sabe, navegava célere em nossa direção, era uma frota americana. Deu-se o golpe! Os jovens universitários liberais e de esquerda não precisavam de motivação mais convincente para reagir. Como armas, tinham sua ideologia, os argumentos, os livros. Foram afugentados do mundo acadêmico, proibidos de estudar, de frequentar as escolas, o saber entrou para o índex nacional engendrado pela prepotência. As pessoas tinham as casas invadidas, gavetas reviradas, papéis e livros confiscados. Pessoas eram levadas na calada da noite ou sob o sol brilhante, aos olhos da vizinhança, sem explicações nem motivo, bastava uma denúncia, sabe-se lá por que razão ou por quem, muitas para nunca mais serem vistas ou sabidas. Ou mesmo eram mortas à luz do dia. Ra-ta-ta-ta-tá e pronto. E todos se calavam. A grande escuridão do Brasil. Assim são as ditaduras. Hoje ouvimos falar dos horrores praticados na Coreia do Norte. Aqui não foi muito diferente. O medo era igual. O obscurantismo igual. As torturas iguais. A hipocrisia idêntica. A aceitação da sobrevivência. Ame-me ou deixe-me. O dedurismo. Tudo igual. Em número menor de indivíduos massacrados, mas a mesma consistência de terror, a mesma impotência. Falam na corrupção dos dias de hoje. Esquecem-se de falar nas de ontem. Quando cochichavam sobre as “malas do Golbery” ou as “comissões das turbinas”, as “compras de armamento”. Falavam, falavam, mas nada se apurava, nada se publicava, nada se confirmava, pois não havia CPI, não havia um Congresso de verdade, uma imprensa de verdade, uma Justiça de verdade, um país de verdade. E qualquer empresa, grande, média ou mínima, para conseguir se manter, precisava obrigatoriamente ter na diretoria um militar. De qualquer patente. Para impor respeito, abrir portas, estar imune a perseguições. Se isso não é um tipo de aparelhamento, o que é, então? Um Brasil de mentirinha, ao som da trilha sonora ufanista de Miguel Gustavo. Minha família se dilacerou. Meu irmão torturado, morto, corpo não sabido. Minha mãe assassinada, numa pantomima de acidente, só desmascarada 22 anos depois, pelo empenho do ministro José Gregory, com a instalação da Comissão dos Mortos e Desaparecidos Políticos no governo Fernando Henrique Cardoso. Meu pai, quatro infartos e a decepção de saber que ele, estrangeiro, que dedicou vida, esforço e economias a manter um orfanato em Minas, criando 50 meninos brasileiros e lhes dando ofício, via o Brasil lhe roubar o primogênito, Stuart Edgar, somando no nome as homenagens ao seus pai e irmão, ambos pastores protestantes americanos – o irmão assassinado por membro louco da Ku Klux Klan. Tragédia que se repetia. Minha irmã, enviada repentinamente para estudar nos Estados Unidos, quando minha mãe teve a informação que sua sala de aula, no curso de Ciências Sociais, na PUC, seria invadida pelos militares, e foi, e os alunos seriam presos, e foram. Até hoje, ela vive no exterior. Barata tonta, fiquei por aí, vagando feito mariposa, em volta da fosforescência da luz magnífica de minha profissão de colunista social, que só me somou aplausos e muitos queridos amigos, mas também uma insolente incompreensão de quem se arbitrou o insano direito de me julgar por ter sobrevivido. Outra morte dolorida foi a da atriz, minha verdadeira e apaixonada vocação, que, logo após o assassinato de minha mãe, precisei abdicar de ser, apesar de me ter preparado desde a infância para isso e já ter alcançado o espaço próprio. Intuitivamente, sabia que prosseguir significaria uma contagem regressiva para meu próprio fim. Hoje, vivo catando os retalhos daquele passado, como acumuladora, sem espaço para tantos papéis, vestidos, rabiscos, memórias, tentando me entender, encontrar, reencontrar e viver, apesar de tudo, e promover nessa plantação tosca de sofrimentos uma bela colheita: lembrar aos meus mártires, e tudo de bom e de belo que fizeram pelo meu país, quer na moda, na arte, na política, nos exemplos deixados, na História, através do maior número de ações produtivas, efetivas e criativas que possa multiplicar. E ainda há quem me pergunte em quê a Ditadura Militar modificou minha vida! Hildegard Angel