Serraram as asas do Aécio

por Fernando Brito - Tijolaço

É pior a emenda que o soneto, dizia minha velha avó.
Os pareceres dos ex-ministros Carlos Velloso e Ayres Brito, do Supremo Tribunal Federal, chovem no molhado.
Tratam de, como dizem os advogados, “lana caprina”: coisas desimportantes
É evidente que não é irregular fazer uma obra em terreno com a imissão de posse. Do contrário, uma ponte, um viaduto, uma avenida teriam de esperar até as calendas para serem feitos, pois a Justiça brasileira é o que é.
E nem mesmo que parentes ou até o próprio governador do Estado possam ter terras desapropriadas por interesse social.
Absurdo seria o contrário, porque, então, ser mandatário ou parente de mandatário significaria ter direitos acima dos que têm o cidadão comum, pois seus imóveis ficariam “blindados” contra desapropriações.
E isso, ao menos na lei, é impensável.
O problema da obra do aeroporto – além do superfaturamento, que já evidenciamos aqui e não apetece a imprensa – é de natureza administrativa e ética.
O problema, não, os problemas.
O primeiro deles é a prioridade da obra: um aeroporto para um município que não chega a 30 mil habitantes e a 36 km em linha reta de outro já existente e de ótima capacidade, inclusive para operações noturnas, em Divinópolis. Onde, aliás, reabasteceu-se 0 malsinado helicóptero Perrella.
Mas Cláudio, sendo um pequeno município que tem a singular característica de sediar, a apenas seis quilômetros da pista de pouco, a fazenda de Aécio, o Governador que determinou a obra.
O segundo problema é o custo da desapropriação. Qual foi a base, o valor venal do imóvel, como corriqueiro, ou seu valor de mercado e, neste caso, qual é?
O senhor Aécio Neves diz que a opção, que implicou oferecer um milhão de reais a seu tio-avô, era “a mais barata”.
Se o “titio” tivesse aceito um valor simbólico – mil reais, digamos – nada haveria a questionar.
Mas o Estado lhe ofereceu um milhão de reais e ele, ainda assim, não aceitou.
Nos autos do processo, certamente, deve haver sua pretensão: dois, três, quem sabe dez milhões?
Se a Justiça arbitrar R$ 2 milhões, ainda será o “mais barato”. Ou três?
O terceiro problema é o ético.
Se o titio, sem se comover com o pedido do sobrinho e com o desenvolvimento econômico do município – razão que alega Aécio para a urgência da obra- não concordou com uma desapropriação simbólica, porque é que não se procurou alternativas para, já que se pagava a mercado (será?) e caro, faze-lo a quem não poderia ser acusado de favorecimento?
Do outro lado da estrada havia um terreno igualmente plano, desimpedido e até maior.
O quarto problema é também de natureza ética. E vergonhoso.
Como é que se deram pareceres um mês antes do assunto vir à tona e seis anos depois da decisão ser tomada?
Não foram, ao menos pelo que indica a data aposta ao parecer de Velloso, feitos para dirimir dúvida sobre realizar ou não o investimento público ou, muito menos, para responder ao clamor público.
Não creio que um ex-ministro do Supremo, para contratar-se a um serviço de emissão de parecer, fosse capaz de fraudar a data. É provável, mesmo, que se trate de um erro material, ao escrever junho no lugar de julho.
Isso, porém, elide o mais importante da interpretação do episódio.
É que Aécio, fragilizado moralmente, correu a cobrir-se de pareceres que afirmam o óbvio, para ocultar o ignóbil.
Porque não há parecer que esconda o fato de que a obra não era essencial senão para seu conforto, tanto que “funciona” há quatro anos como pista privada, trancada a chave, salvo nos momentos em que serve de área de lazer a aeromodelistas.
Assim como não se poderá ocultar o preço astronômico de uma simples faixa de asfalto e um alambrado e menos ainda se explicará o asfaltamento de uma pista capaz de receber jatos no Norte de Minas, em Montezuma, um município pobre, paupérrimo, com sete mil e pico de moradores.
Onde, aliás, está outra propriedade do senador, esta vinda de “usucapião” de terras devolutas do Estado que governava.
Aécio Neves não entendeu que o Brasil é uma república, não uma sesmaria.
Serraram-lhe as asas, e ele está apavorado.


Luis Nassif: a autofagia brasileira com seus talentos

A campanha encetada contra o prefeito de São Paulo Fernando Haddad é a prova incontestável de como o país gosta de devorar seus principais ativos intelectuais.
Haddad não é apenas prefeito de São Paulo, eleito pelo PT. Provavelmente é o melhor quadro público que o país produziu nas últimas décadas. Seu trabalho técnico e político à frente do MEC (Ministério da Educação) mostra uma visão de futuro e uma capacidade de formulação inédita na administração pública brasileira - federal ou de qualquer estado.
Haddad demonstrou não apenas ser um iluminista, perseguindo as mudanças e antenado com os temas contemporâneos - ao contrário dos retrógrados e conformados que pululam no seu partido e nos demais - como um formulador de primeiríssima, casando visão técnica com política - entendido, aí, a capacidade de identificar resistências e contorná-las.
Graças à sua insistência, conseguiu criar o Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação), que significou um corte na educação brasileira, enfrentando com persistência e argumentos a visão míope-fiscalista do então MInistro da Fazenda Antonio Pallocci.
Sua insistência com o ENEM abriu possibilidades sem precedentes para os jovens de menor poder aquisitivo, uma matrícula única permitindo a 8,5 milhões de candidatos prestar um único exame e ter acesso - de acordo com sua nota - ao universo de faculdades públicas e privadas.
Não existe paralelo em outro país de exame com tal amplitude - e absoluta ausência de problemas. O ENEM só foi notícia na fase inicial de implantação, quando apresentava alguns problemas. Depois que ficou azeitado, deixou de ser notícia.
Há outras revoluções feitas por ele, como a política nacional de inclusão de pessoas com deficiência na rede regular de ensino. São 800 mil crianças, que antes dependiam do modelo de exclusão das APAEs (Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais) e que foram incluídas na rede regular com amplo suporte garantido pelo MEC.
O Reuni (Recuperação e Expansão das Universidades Federais) permitiu a abertura de centenas de novos campi, descentralizando o ensino superior.
Em todos esses momentos, Haddad mostrou-se impermeável tanto à pressão do liberalismo educacional inconsequente quanto do corporativismo que existe no meio.
Quando resolveu ampliar o número de vagas nas universidades públicas, enfrentou uma manifestação de professores considerando absurdo salas de aula com mais de 15 alunos. Respondeu que ficaria mais satisfeito se visse cartazes protestando contra salas de aulas com menos de 15 alunos.
O Pronatec, o PROUNI, o FIES foram montados em parceria com o setor privado. E Haddad enfrentou as pressões corporativas, que o acusavam de pretender privatizar a educação.
Em todos os momentos, jamais fugiu da procura e da viabilização das grandes soluções.
Todos esses projetos foram montados sem preconceitos ideológicos, juntando forças já existentes, articulando ações entre agentes públicos e sociedade civil.
E foi esse espírito que levou para a prefeitura de São Paulo, enfrentando problemas seculares que todos seus antecessores recusavam-se a encarar.
Resolveu enfrentar o desafio do transporte coletivo, com os corredores de ônibus; o desafio da desospitalização dos dependentes de drogas, com a Operação Braços Abertos; o desafio de reduzir a segregação social que marca a cidade.
Se a velha mídia quer bater no PT, tenho uma infinidade de dicas. No Ministério de Dilma tem meia dúzia de ministros acomodados, sem espírito público, jogando apenas para a plateia.
Mas deixem Haddad trabalhar. Não privem a vida pública brasileira de alguém do seu quilate. É algo tão atrasado quanto seria as esquerdas crucificando Prestes Maia ou Olavo Setubal, devido à sua origem política.