Previdência mostra quem manda no Michê Temer

Quarenta e oito horas depois da PM baixar o porrete e jogar bomba de gás em cidadãos do patamar debaixo que protestavam contra o golpe, o governo Michel Temer afinou a voz para atender aos de cima e apressar a reforma da Previdência.

Numa cena ilustrativa, na manhã de ontem o Estado de S. Paulo noticiou, na primeira página, o receio de Aécio Neves e Geraldo Alckmin de que a reforma – a mais impopular entre tantas ideias nocivas em curso desde a posse de Temer – fosse debatida depois das eleições municipais.

O temor era que saísse da pauta política para nunca mais voltar – o que seria muito bom para os velhinhos e suas famílias, mas uma péssima notícia para um governo fraco, sustentado pelo 1 % da população em troca da abertura novas frentes de exploração dos 99%, especialmente os mais pobres.  

No fim do mesmo dia, quando o sr. Fora Temer mal acabara de retornar da China, o Planalto anunciou o encaminhamento da reforma.

Mais do que produzir um efeito prático imediato – ninguém acha que o Congresso irá debater de verdade um assunto espinhoso antes das eleições municipais – a decisão ajuda a lembrar uma situação política.

Deixa claro quem manda e, nessa matéria, quem obedece. A mesma Casa Civil que defendia, por puro oportunismo eleitoral, o adiamento da reforma até a véspera tornou-se a primeira a defender sua divulgação imediata. Pudera. Depois do espetáculo da PM de domingo, a dependência de Temer em relação a PM de Alckmin tornou-se uma dessas realidades políticas acima de qualquer dúvida razoável.

Embora as mudanças mais importantes costumem ficar escondidas, para evitar uma reação imediata da maioria de prejudicados, algumas novidades da reforma são preocupantes desde já. Em síntese, prejudicam os mais pobres e as mulheres.

A criação de uma idade mínima para a aposentadoria – 65 anos – representa uma punição a toda pessoa forçada a trabalhar mais cedo.

Parte do plano consiste em igualar a idade mínima de aposentadoria para mulheres e homens – o que uma campanha marqueteira pode anunciar como uma medida modernosa, mas tem um caráter chocante quando se recorda a realidade da dupla jornada de trabalho feminina no país.

Como regra geral, pretende-se dificultar o início da aposentadoria para todos, prevendo a criação de regras novas para quem ainda não completou 50 anos – e um regime de transição para quem se encontra acima disso. Conduzido por economistas alinhados com a perspectiva do Estado mínimo, o argumento central é conhecido. Diz que a Previdência tornou-se uma instituição insustentável com a evolução demográfica das populações. Sempre em tom alarmista, ideal para confundir a discussão, se afirma que as contas, hoje, estão em déficit. Pior: com o prolongamento da expectativa de vida, fenômeno universal, o caixa da Previdência tende a se tornar inviável, diz a teoria. Nessa situação, não há alternativa a não ser arrancar o couro do cidadão comum. Será mesmo?

Um estudo da Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita mostra que em 2014 as receitas do Sistema de Seguridade Social, responsável pelo caixa da Previdência, atingiram R$ 686,1 bilhões. Já as despesas ficaram R$ 632 bilhões. Resultado: um superávit de R$ R$ 53, 9 bilhões. Cadê o déficit?

Há sim um déficit – que não afeta o total global das aposentadorias do sistema – na coluna da Previdência Rural. Isso porque a maioria dos 8,5 milhões trabalhadores rurais não contribui para a Previdência nem poderia fazê-lo, por uma razão muito simples: poucos tem registro na carteira de trabalho, num fenômeno que se verifica no mundo inteiro.

Num esforço para enfrentar essa situação particular, há mais de 20 anos o Congresso teve a prudência de aprovar 8212/91, que prevê o pagamento de 2% da receita total da produção agrícola para a Previdência. Segundo cálculos da Confederação Nacional da Agricultura, a PIB agrícola chega a R$ 1 trilhão. O setor deveria pagar a soma anual de R$ 20 bilhões. Pelos desvios e espertezas, a sonegação encobre mais de 60% dos impostos devidos e os pagamentos ficaram em R$ 6,7 bilhões.

Não é só. Em outro plano, os atrasos acumulados nos pagamentos devidos a Previdência atingiram, em 2014, a soma recorde de R$ 307,7 bilhões. É mais que o faturamento de qualquer empresa brasileira.

Já a capacidade de recuperação do que era devido ficou em R$ 1 bilhão, ou 0,33% da dívida. "Isso significa que, além de ineficiente na fiscalização, que permite essa enorme evasão de tributos da Previdência, o governo federal não recupera praticamente nada", afirma o economista Odilon Guedes, que foi presidente do Sindicato da categoria em São Paulo, autor do artigo "Porque não há déficit," de onde extraí a maioria dos dados deste texto.

Nesse ambiente social de um país em que a desigualdade e o privilégio atingiram o nível do descalabro e do escândalo, a Previdência deve ser defendida como um esforço bem sucedido de defesa da maioria dos brasileiros. Ajuda a distribuir renda e impede a miséria mais horrenda.

Não é difícil entender por que ela incomoda os senhores de Michel Temer, vamos combinar.

O debate, mais uma  vez, envolve interesses muito claros. De um lado, 99% da população. De outro, os  1% que não pagam impostos.

Será difícil escolher?

By Paulo Moreira Leite - Editor do Brasil 247

MOVIMENTOS SOCIAIS VOLTAM ÀS RUAS CONTRA O GOLPE NESTE 7 DE SETEMBRO

Contra as tentativas de repressão aos protestos, as Frentes Brasil Popular e Povo Sem Medo realizam nesta quarta (7) mais uma manifestação na Avenida Paulista; em texto divulgado para a imprensa, as frentes lamentam os ataques da polícia aos manifestantes que participaram do protesto do último domingo; para Raimundo Bonfim, coordenador da Central de Movimentos Populares e integrante da Frente Brasil Popular, "este ataque de PM de São Paulo faz parte da tentativa de inibir as crescentes manifestações contra o governo Temer, que têm sido diárias desde o dia 31 de agosto, data que o Senado aprovou o impeachment da presidente Dilma, sem ter cometido crime responsabilidade"; "Não adianta. Não vão nos intimidar. Vamos intensificar os protestos pelo Fora Temer", frisa

Lula - a gente quer uma sociedade da tolerância


247 - O ex-presidente Lula participou na noite desta terça-feira (6) de ato no acampamento do Levante Popular da Juventude, em Belo Horizonte. Em seu discurso, ele defendeu que os jovens se engajem na política e defendeu uma "sociedade da tolerância".

"Vamos mostrar que a gente sabe conviver democraticamente. A sociedade justa que a gente quer criar, é uma sociedade da tolerância. Se eu estava triste hoje e escolhi vir aqui, posso dizer que vocês me ajudaram a voltar para casa com ânimo. Eu quero dizer a eles que me perseguem que o problema não sou eu. Já tô velhinho. O problema deles: são vocês. Eles tem que aprender que se querem ser presidente desse país, tem que ir para rua e disputar o voto e não dar um golpe parlamentar", afirmou.

Abaixo os principais trechos do discurso de Lula:

"Eles passaram a achar intolerável o povo pobre ter um pouco mais de ascensão"

"É tão importante do pequeno agricultor, como do grande produtor de soja ou de algodão"

"Eles não assimilaram a importância dos pobres da periferia poderem entrar numa universidade e sentar ao lado dos filhos deles"

"Parece que incomodou a eles, nós em 13 anos termos investido mais na educação do que eles investiram em 500 anos"

"Nós mostramos que um outro país era possível construir e demos um primeiro passo na construção da cidadania neste país"

"Eles acham que tudo se resume ao eixo Rio-São Paulo"

"Tem um artista neste país que recebe todo o nosso respeito: Chico Buarque. Que assumiu publicamente o #ForaTemer"

"quem sonhou como a minha geração sonhou, vive uma situação triste agora. Mas ver vocês me anima"

"toda vez que se nega a política, aparece um Bolsonaro, assim como, apareceu um Hitler e um Mussolini"

"A desgraça de quem não gosta de política é que é governado por quem gosta"

"E vocês que querem construir um projeto de nação, não podem deixar de gostar de fazer política"

"Nós ganhamos e provamos que pobre não era o problema desse país e sim a solução desse país"

"Essa semana tiraram 900 mil pessoas do Bolsa Família. Eles acham q R$200 é esmola. Não entendem a importância de dar um copo de leite ao filho"

"Não tem povo mais tolerante que o povo brasileiro, porque aguentar o que a gente aguenta é difícil"

"Vamos mostrar que a gente sabe conviver democraticamente. A sociedade justa que a gente quer criar, é uma sociedade da tolerância"

"Se eu estava triste hoje é escolhi vir aqui, posso dizer que vocês me ajudaram a voltar para casa com ânimo"

"Eu quero dizer a eles que me perseguem que o problema não sou eu. Já tô velhinho. O problema deles: são vocês"

"Eles tem que aprender que se querem ser presidente desse país, tem que ir para rua e disputar o voto e não dar um golpe parlamentar.

Manifestações contra o golpe

Todas manifestações contra o golpe são pacíficas, até o instante em que vândalos vestidos com farda de polícia chegam e começam a agredir os defensores da democracia.

Golpe, Ajuste Fiscal, Soberania e Paz Mundial, por Roberto Requião

O cenário internacional no qual se movem nossas economias e nossas políticas, abrangendo igualmente a América Latina e a Europa Ocidental, está dominado por nuvens  excepcionalmente densas de ameaças com raros precedentes na História.

Esse cenário tende a afastar ainda mais as possibilidades de retomada do desenvolvimento econômico em grande parte do mundo, pondo em risco, por outro lado, a própria a paz mundial. 

Devemos, como políticos, assumir a responsabilidade pelas raízes dessa crise e pelo imperativo inadiável de buscar saídas. Do contrário todos, e sobretudo os pobres, serão submetidos a sofrimentos ainda maiores do que os que lhes tem sido impostos.

O Brasil, como sabem, passou por uma experiência política dramática, com o afastamento de uma Presidenta sem que ficasse provado qualquer crime de responsabilidade por parte dela, pré-requisito de impeachment segundo nossa Constituição. Entretanto, não me alongarei aqui a respeito dessa questão política interna, ainda em pleno desdobramento.

Acontece que a crise brasileira deve ser vista no contexto de crises similares em outros países da América Latina onde, por artifícios diversos, presidentes democraticamente eleitos foram apeados do poder. Não deve ser surpresa que todos esses presidentes afastados fossem do campo progressista. Não é surpresa que todos, sem exceção, tentaram evitar se submeterem às regras explícitas do neoliberalismo, como é o caso da privatização de bens públicos em larga escala.

A crise pela qual passam América Latina e Europa Ocidental tem uma dupla origem:

(1) a derrocada prática e da credibilidade do capitalismo neoliberal a partir de 2008, do qual a maioria dos países ocidentais não se livrou, e

(2) a insistência com que a maioria dos países desenvolvidos insistem em salvar o neoliberalismo na marra pela imposição do credo neoliberal a si mesmos e a outros Estados  mais fragilizados economicamente.

É preciso ressaltar, a esse respeito, que o Governo norte-americano não tomou o veneno que receitou, através do FMI, do Banco Mundial, do BID e da OCDE, tanto para as nações europeias quanto para as nossas nações sul-americanas.

Adotaram, sim, uma política tipicamente keynesiana no campo fiscal e monetário, com déficit de 1,4 trilhão de dólares em 2009, 1,3 trilhão em 2010, 1,2 trilhão em 2011, 1,1 trilhão em 2012, 1,0 trilhão em 2013. Só a partir de 2014 o déficit ficou abaixo da casa do trilhão de dólares, assim mesmo em nível elevado.  Como resultado os Estados Unidos recuperaram algum crescimento, embora não muito grande, mas de qualquer forma suficiente para uma melhora sensível do mercado de trabalho.

A Europa, ao contrário, mergulhou fundo no receituário neoliberal. Seus sacerdotes, sediados sobretudo na Alemanha, em torno do BCE, obrigaram os países do sul do continente a trocarem a salvação de seus bancos superendividados como consequência da orgia financeira  pré-crise de 2008 pelo estrangulamento fiscal. 

O Banco Central Europeu ofereceu crédito a zero por cento, sim, aos bancos dos países mais desenvolvidos. "Em contrapartida", a esses pacotes de refinanciamento da dívida bancária, o Banco Central exigiu uma contenção fiscal extrema aos países mais pobres. Isso contrai o setor estatal e impediu novos investimentos públicos.

Nega-se, assim, o que o mundo sabe desde os anos 30, com John Maynard Keynes, ou seja, que a curto prazo nenhuma nação capitalista pode romper uma crise de demanda sem recorrer a investimento público deficitário. É o que fizeram os EUA para sair da crise mais rápido que a Europa. Mas os EUA não deixam que outros o façam.

O desemprego atingiu níveis catastróficos em alguns países da Europa Ocidental, e, agora, também no Brasil. O Estado do bem estar social, símbolo do mais elevado estágio de civilização do planeta, está sendo corroído velozmente pelas políticas neoliberais.

Ouvi, espantado, há anos, do presidente do BCE - um burocrata, claro, sem mandato popular – que para sair da crise a Europa teria de liquidar com seu Estado de bem estar social.

Surpreende-me que nenhum líder político, representante do povo do continente, tenha reagido a essa declaração. Há uma capitulação geral ao neoliberalismo, uma espécie de "consciência pesada" dos capitalistas e políticos pelo que se concederam de forma supostamente excessiva, no passado, a trabalhadores, pobres e minorias. Os ricos, beneficiários da maior concentração de renda dos últimos 40 anos, dos quais 1% já detém a maior parte da riqueza do mundo, querem mais, muito mais.

Esse tipo de economia política nos faz pensar que a Europa, mãe de revoluções, está apenas dormindo, inconsciente de sua própria tragédia. Em breve, vamos descobrir que foi rompido, em razão da avareza do capital, o pacto social básico que possibilitou, durante décadas, a convivência do capitalismo com o Estado de bem estar social. A hegemonia definitiva de Mamon – o dinheiro, como lembrado pelo Papa Francisco – nós levará a um novo ciclo de convulsões sociais alimentas por uma luta de classes refundada, alastrando-se pelo mundo.

Na América Latina, a tragédia tem uma peculiaridade: a crise econômica toma logo formas políticas, e uma das indicações é fazer da crise um simulacro de razões legais para derrubar presidentes da República legitimamente eleitos.

A crise recomeça quando Europa e EUA descartam G20

Não precisava ser assim. Em 2008, logo na eclosão da crise, o G-20 se reuniu em Washington e a decisão unânime dos líderes mundiais foi no sentido de expandir vigorosamente as políticas fiscais e relaxar as políticas monetárias. A mesma orientação comum foi tomada nas reuniões seguintes de Londres e Pittsburg, ambas em 2009.

 Não havia nenhuma surpresa. Todos sabiam que, com a economia em depressão, era fundamental ampliar os gastos públicos deficitários para reverter a queda da demanda agregada e estimular o crescimento do investimento, do emprego e da renda. Entretanto, com a mudança do governo na Grã-Bretanha e a reconversão da França ao neoliberalismo, a Alemanha, junto com ambos, impôs aos países do euro uma contração geral da política fiscal sob a legenda metafórica de "exit strategy", ou estratégia de saída das políticas expansivas.

É importante assinalar por que a Alemanha pôde tomar esse rumo sem ferir os próprios interesses. É que a Alemanha é uma economia chamada "export led", ou seja, comandada por exportações. Tem anualmente gigantescos superávits comerciais e na balança de conta corrente, já que o euro, para ela, representou uma desvalorização. Isso significa que a ação comercial externa alemã supre as necessidades de liquidez para o financiamento da expansão da economia sem necessidade de políticas fiscais expansivas.

Entretanto, como é óbvio, isso não se aplica aos demais países do euro, submetidos, além disso, às duras restrições do Pacto de Estabilidade e Crescimento. São economias externamente deficitárias. E seus grandes déficits comerciais, sem dúvida contracionistas internamente, são justamente em relação à Alemanha.

O comércio é um jogo de soma zero. Se um país tem superávit, outro deve ter déficit para compensá-lo. É um absurdo lógico recomendar que todos os países tenham superávits comerciais ao mesmo tempo. A recomendação – diria, a imposição – alemã para os demais países do euro recorram a políticas de melhora de eficiência e de produtividade para superarem a crise através do aumento de exportações é um contrassenso.

Na verdade, alguém tem que bancar a saída: no pós-guerra, foi o Plano Marshall, do qual a Alemanha foi a grande beneficiária. Agora caberia a ela, como líder econômica da Europa, fazer sua parte.

Contudo, ela não faz sua parte. Ela é um centro de formulação ideológica da regressão econômica e política do mundo, dados os efeitos que a crise na Europa irradia para o resto do planeta. O resultado da "exit strategy", formalmente apoiada pelo BCE, pela Comissão Europeia e pelo FMI, foi a recidiva da crise em toda a Europa, particularmente nos países do sul. E a situação continua ainda hoje.

No Brasil, o presidente Lula tomou inicialmente a sábia decisão de seguir as recomendações de expansão fiscal do G-20 logo no início da crise. Através do BNDES, o governo brasileiro injetou na economia, em 2009 e 2010, R$ 180 bilhões para investimentos. Ao lado disso, aumentou os valores do salário mínimo e da Bolsa Família, o que teve, conjuntamente, grande impacto favorável na demanda agregada e o investimento. Em consequência, a economia cresceria 7,5% em 2010, depois de contração no ano anterior.

Infelizmente, em fins de 2010, seguindo a linha da "exit strategy" do FMI, as autoridades econômicas brasileiras se curvaram à ortodoxia neoliberal, como aconteceu com a Europa, e a economia voltou ao ritmo lento.

O resto da América Latina padece da mesma doença neoliberal. Como exportadora de commodities agrícolas e minerais, sua economia segue o compasso da economia chinesa, a qual mantém um ritmo ainda forte de crescimento do produto, a despeito de pequena queda nos últimos anos.

Entretanto, no campo do emprego, todos estamos impondo a nossas populações sofrimentos terríveis, sem necessidade. Se rompêssemos com a ditadura da austeridade fiscal, recorrendo a déficit produtivos, poderíamos a curto prazo recuperar o emprego, o investimento e o crescimento econômico. Basta coragem para confrontar a ortodoxia com seus slogans de suposta responsabilidade fiscal.

Permita-me uma rápida divagação sobre isso, citando o pensamento de Randall Wray, um notável economista norte-americano que escreveu o clássico "Understanding Modern Monday". As economias, qualquer delas, avançam sempre em ciclos. Ora estão em expansão, ora em recessão. Isso se reflete nos orçamentos públicos, que nunca estão exatamente equilibrados. Nas fases de expansão, é razoável que o governo retire da economia mais dinheiro, na forma de impostos, do que lhe devolve, sobre a forma de gastos e investimentos, a fim de controlar a expansão monetária e a inflação. Nessa fase, com o excesso de dinheiro,  paga alguma coisa  da dívida pública. Entretanto, em recessão, o governo deve retirar da economia menos do que lhe devolve sob a forma de gastos públicos deficitários, a fim de expandir o poder de compra da sociedade e favorecer o investimento e o emprego. É o gasto autônomo do governo. Nesse momento, a dívida pública aumenta, mas logo ela cairá, em relação ao PIB, por conta do crescimento deste e do aumento da receita pública.

Recorro a esse argumento técnico para confrontar o principal argumento político de economia da ortodoxia neoliberal: "nunca, jamais e em circunstância alguma, o governo deve gastar mais do que arrecada." Isso é um absurdo. Na verdade, em recessão, não existe nenhuma possibilidade de retomada do crescimento econômico a não ser pela via do investimento público deficitário. Isso ficou evidente no New Deal do presidente Roosevelt e na retomada da economia brasileira por Getúlio Vargas. Mas ficou evidente também no Novo Plano alemão dos anos 30, feito por quem foi considerado posteriormente como o mago de Hitler, Hjalmar Schacht. Qual foi a mágica desses governos? Investimentos públicos fortemente deficitários que depois se pagaram com o crescimento econômico.

No que se refere à economia política, o nazismo teve mais consideração com a população de desempregados do que nossos governos. Dessa forma, não é de se estranhar a imensa popularidade dos políticos de extrema direita e até de fascistas na Europa e mesmo no Brasil.

O Brasil conseguiu manter uma baixa taxa de desemprego até 2014, mas desde então ela aumenta aceleradamente. Ainda sob o comando da presidenta Dilma, sofremos o duplo impacto da chamada operação Lava Jato e do ajuste fiscal do ministro neoliberal Joaquim Levy, inacreditavelmente nomeado pela presidenta.

Com isso fomos à depressão inédita de 3,85% do PIB, que deve repetir-se este ano e se projeta forte para 2017. Nossa saída é, insista-se, o investimento público deficitário, mas o governo usurpador faz a política oposta de mais contração, propondo inclusive o congelamento em termos reais do orçamento público por 20 anos.

Vivemos na América Latina e no resto do Ocidente uma situação perturbadora. Não aprendemos as lições de 2008. A legislação para a regulação de derivativos e para separar bancos comerciais de bancos de investimento, apontada como essencial para a maioria dos especialistas a fim de impedir as crises ou suavizar uma nova depressão, tornou-se uma falácia, dada a profusão de possibilidades de exceções e vazamentos. Os Estados Unidos não estão cumprindo suas responsabilidades como líderes da economia mundial; em última instância, é Wall Street que governa o mundo, o que coloca o mundo sob o governo da ganância e da soberba.

Admiro a nação norte-americana. Admiro seus líderes históricos, como Washington, Hamilton e, sobretudo, Lincoln e Roosevelt. Admiro também Kennedy e Carter. Mas como todo cidadão do mundo fico apreensivo quando a nação mais poderosa da terra decide intervir em outros países para mudar regimes políticos a partir de um conceito de bom e mau regime por ela própria forjado.

As intervenções militares dos Estados Unidos nas últimas décadas resultaram em desastre político e levaram – na verdade, tem levado – sofrimento a muitas populações, multidões de refugiados, fome e desabrigo. Destruíram o Iraque, destruíram a Líbia, estão destruindo o Afeganistão, virtualmente dividiram a Ucrânia, quase destruíram o Egito, e tem provocado extrema instabilidade na Síria. Nesse caso, a intenção explícita de mudança de regime, suportada por bilionários em conluio com o Departamento de Estado, chega ao ponto de colocar em risco a própria paz mundial tendo em vista a posição da Rússia, favorável ao governo legítimo de Assad.

Respeito, sim, os Estados Unidos. Entretanto, cito uma frase de Vladmir Putin, o presidente da Rússia, em entrevista recente: "Os Estados Unidos são uma grande superpotência. Talvez sejam a única superpotência do mundo. Mas não podem continuar com essa mania de intervir em nossos países."

Felizmente, há uma luz no fim do túnel no jogo econômico e geopolítico. Ela se chama China. Dada a forte interação entre a economia norte-americana e a chinesa há esperança para a paz. Além disso, a China se aproxima da Rússia, Índia, África do Sul e Brasil para estabelecer uma nova rede de relações econômicas e financeiras pacíficas que não passam por Wall Street, através do Novo Banco de Desenvolvimento, o Banco dos BRICS. E isso é bom para o mundo inteiro. Para a Europa, África e América Latina e para o próprio EUA, porque mais pluralidade implica em mais tolerância, mais democracia, menos arrogância, mais liberdade e mais criatividade.

O aspecto mais relevante do banco dos BRICS é romper, nos financiamentos de infraestrutura, com as condicionalidades impostas pelo Banco Mundial e pelo FMI na tomada de recursos multilaterais e privados. Ou seja, é uma carta de alforria para as políticas monetária e fiscal vinculadas ao desenvolvimento, e não à ideologia neoliberal.

Infelizmente há fundadas suspeitas de que os Estados Unidos e as forças internas brasileiras com eles alinhadas estiveram por trás do golpe do impeachment no Brasil. Com seu apego à hegemonia absoluta, Washington considera um desafio inaceitável a aproximação econômica e, finalmente, geopolítica do Brasil com a China e a Rússia. Para eles, não importa as vantagens efetivas para o Brasil nessa aproximação. Como dizem os pais da diplomacia: "países não tem escrúpulos", e os Estados Unidos, que não tiveram escrúpulos em promover as revoluções coloridas que levaram à destruição de mais de uma nação. Eles não têm demonstrado limites na busca de realização dos próprios interesses, inclusive no campo do domínio do pré-sal brasileiro.

Aos países da América Latina, e a meu próprio, meu conselho é: busquem atender aos interesses dos mais fracos. Se fizermos isso, a despeito de recuos circunstanciais, consolidaremos a democracia, que é o que importa na política. Pela democracia, chegaremos a uma economia justa e protegida do domínio de potências pretensamente hegemônicas.

Embora não possamos ficar de costas para os EUA, a China tornou-se também nosso parceiro fundamental na economia. Muitos temem a China por sua força comercial, impondo perdas concorrenciais a seus parceiros. Se prestarem atenção, a China mudou. Na visita que fez ao Brasil, o premiê chinês, Li Keqiang, anunciou os quatro princípios que, enfeixados sob o propósito explícito da cooperação, passaram a pautar as relações econômicas externas chinesas: "orientação empresarial, manejo comercial, participação social e promoção governamental".  Creio que ninguém se oporia a tais princípios. E notem, finalmente, que cooperação foi a palavra mais repetida nos comunicados das três reuniões do G-20 depois da crise de 2008. Infelizmente, nos encontros seguintes, ela quase desapareceu dos comunicados.

A arrogância neoliberal vai novamente retroceder em razão dos seus reiterados fracassos. Chegará a hora em que todos nós, o Planeta inteiro perceberá que a cooperação econômica, a solidariedade e a busca da paz deverão e serão as linhas mestras das relações internacionais.

Roberto Requião é senador da República em seu segundo mandato. Foi governador do Paraná por três mandatos, prefeito de Curitiba e deputado estadual. É graduado em direito e jornalismo com pós-graduação em urbanismo e comunicação. É oficial do exército brasileiro, na reserva.

Psdb chantageia o colega Michê explicitamente

 "Enquanto Temer se mantiver fiel a essa agenda que colocamos para o país, contará com o PSDB. Se percebermos que isto não está ocorrendo, o PSDB deixa de ter compromisso com este governo. Não é uma ameaça, apenas uma constatação natural", disse o senador Aécio Neves (PSDB-MG), em entrevista à jornalista Júnia Gama.

Na realidade, trata-se, sim, de uma ameaça – e das mais explícitas. No roteiro desenhado pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e executado por Aécio Neves, em parceria com Eduardo Cunha (PMDB-RJ), Temer faria o "trabalho sujo" da "ponte para o futuro" e, em seguida, renunciaria a qualquer projeto de poder, cedendo o espaço, em 2018, para uma candidatura de Aécio Neves.

O projeto, no entanto, fracassou. O mundo inteiro enxerga o impeachment da presidente Dilma Rousseff como um golpe parlamentar e muitos, no Brasil, apontam o senador Aécio como um dos principais responsáveis pela crise política que arruinou a economia brasileira. Tanto que, de acordo com pesquisa Ipsos, a rejeição de Aécio, que não aceitou sua derrota eleitoral em 2014 e apostou no 'quanto pior, melhor', já é de 64%.

Portanto, para o presidente nacional do PSDB, o golpe de 2016 foi um péssimo negócio. Se o governo Temer der errado, o que é o cenário mais provável, uma vez que a economia não para de afundar, o fracasso será também tucano. Se der certo, o candidato das forças governistas será Henrique Meirelles – e não Aécio ou qualquer outro nome do PSDB.

"O PSDB tem ecoado com muito mais clareza as posições do presidente Temer do que o seu próprio partido. Sem o PMDB agindo de forma coesa, as dificuldades de Temer serão quase intransponíveis. Esse último episódio (fatiamento da pena de Dilma Rousseff) demonstrou, mais uma vez, a ambiguidade com que o PMDB atua", disse ainda Aécio em sua entrevista.

Na entrevista, ele falou ainda sobre a ação movida pelo Tribunal Superior Eleitoral, movida pelo PSDB, que pede a cassação da chapa Dilma-Temer. "Caberá ao TSE avaliar se Temer teve responsabilidade nisso ou não", afirmou.

Lava Jato

Citado em várias delações como beneficiário de propinas, especialmente na da OAS, que apontou pagamentos de 3% nas obras da Cidade Administrativa, Aécio minimizou as acusações. "São coisas tão absurdas e impossíveis de serem comprovadas que tudo isso será muito positivo. Vamos sair disso muito mais fortes. Tenho zero temor. Não apenas eu, mas vários outros também indevidamente citados. Uma coisa é um escândalo de corrupção que tomou conta do país, capitaneado pelo PT. As empresas dizerem que ajudaram A, B ou C em suas campanhas eleitorais é natural, é outra coisa."