Interditar, como método

É obrigatório voltar ao assunto das representações à Justiça Eleitoral por causa de “propaganda antecipada”. Ainda que o tema esteja caduco, pois as candidaturas agora são oficiais. Ontem o TSE negou procedência ao recurso do PT contra o vice da chapa tucana, Índio da Costa (DEM). Ele havia postado no Twitter antes do prazo regulamentar um pedido de voto em José Serra. Realmente gravíssimo. 

Conte o episódio para alguém de países mais civilizados e ele vai rolar de rir. Sem contar que o arquivamento da ação se deu por causa de uma filigrana. Não houve julgamento do mérito no TSE. O tribunal desvencilhou-se tomando um atalho jurídico. É procedimento clássico dos nossos tribunais quando querem julgar sem ter que decidir. 

Outra coisa interessantíssima que inventaram no Brasil é o registro dos programas de governo na Justiça Eleitoral. O candidato promete diminuir o deficit público. E se o país for arrastado para uma guerra, e os gastos públicos explodirem? 

Se acontecer, alguém certamente irá aos tribunais pedir a cassação do presidente, por ter descumprido o programa de governo. 

Nossa compulsão crônica por “controles”, nossa profunda convicção — de raízes ibéricas — de que tudo pode e deve ser regulamentado e controlado vai promovendo um desfile de absurdos. Ontem a Procuradoria-Geral Eleitoral pediu mais uma punição a Dilma Rousseff, pela tal “campanha antecipada” e por “campanha negativa” contra o adversário. 

Talvez a Justiça devesse então produzir um manual infalível de regras mostrando como criticar os adversários sem fazer “campanha negativa”. Atenção: isso foi uma piada, com todo o respeito. 

Mas voltemos à questão do registro do programa no TSE. Dos candidatos, quem mais se enrolou no quesito foi Dilma. Mandou primeiro o programa do PT, depois teve que trocá-lo por um mais centrista. E anuncia-se que ainda não é definitivo. 

Talvez seja barulho excessivo por pouca coisa. O PT, se tiver força para tanto, implementará no governo medidas como as da primeira versão. O partido gostaria de ver instalados novos mecanismos de controle sobre a atividade dos veículos de comunicação. Desejaria também medidas adicionais para garantir a função social da propriedade, urbana e rural. 

Não há segredo nisso. O PT acredita que medidas assim melhorariam o Brasil. Seria então mais útil iluminar o debate sobre o mérito dos assuntos. A sociedade sairia ganhando. Talvez o PT devesse detalhar como imagina as novas formas de controle sobre a Comunicação. Quem seria encarregado de controlar? E como faria? Uma vez claras as propostas, que o eleitor decidisse. Idem para a limitação do direito de propriedade. 

Os que se sentissem atingidos poderiam pressionar o Congresso contra a aprovação dos projetos. Ou mesmo recorrer ao Supremo Tribunal Federal. 

É preciso combater entre nós um certo “princípio da interdição”, que procura matar os debates na preliminar. Vem de acontecer na comissão da Câmara dos Deputados que discutiu a reforma do Código Florestal. Certas entidades ambientalistas pouco afeitas à discussão democrática e habituadas a promover campanhas de linchamento moral acharam que conseguiriam barrar a coisa no grito. Deram-se mal. 

Que as flores desabrochem. Não deve haver assuntos proibidos a priori. 

No caso da morte de Eliza Samudio, por exemplo, qual é a razão para o rapaz de 17 anos (o primeiro a agredir fisicamente a moça, segundo o depoimento dele próprio), não pegar uma pena equivalente aos demais? É possível que o jovem seja beneficiado por colaborar com a Justiça, mas fora esse detalhe seria justo que sua condenação equivalesse à dos outros. Se forem considerados culpados, claro. 

Mas meta-se a querer debater a menoridade penal para ver o que acontece. O mundo desabará sobre a cabeça do infeliz, que será automaticamente acusado de comportamento monstruoso e de desejar o mal aos jovens, especialmente aos mais pobres. Enquanto isso o crime organizado continuará usando como arma a inimputabilidade dos garotos e garotas com menos de 18 anos.


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