O tema das Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia) entrou na pauta eleitoral por dois caminhos: o político e o criminal. O segundo vetor faz da guerrilha colombiana um problema relacionado à segurança pública em nosso país, pelas conexões ao narcotráfico. Já o primeiro pede uma abordagem mais no terreno das relações internacionais. Os dois elementos estão combinados, mas há situações em que um sobressai e pede tratamento imediato.
É o que vai agora com a emergência da crise entre Bogotá e Caracas. A Colômbia diz haver contingentes das Farc estacionados em solo venezuelano. A Venezuela reagiu com nervosismo, por motivos que descrevi aqui dias atrás. Não gostaria de se abrir a uma inspeção internacional, ainda que da Unasul. Não pode negar peremptoriamente a acusação. Não pode tomar eventuais medidas militares em seu próprio território contra as Farc.
Daí a compreensível agitação de Hugo Chávez. A ela seguiu-se uma ação coordenada entre o presidente venezuelano e seus aliados continentais, com Luiz Inácio Lula da Silva em posição de destaque. A nova palavra de ordem é “paz”. Aparentemente, a ficha caiu. Os partidos de esquerda da América do Sul, hoje largamente hegemônicos, perceberam que a estabilidade política é um ativo, pois a situação eleitoral é conjunturalmente favorável em um cenário político “normal”.
Concluíram ainda que os Estados Unidos não lavarão as mãos diante de uma eventual tentativa de desestabilização do hoje aliado colombiano. Se havia dúvidas, depois de Honduras elas desapareceram.
Trata-se então de dar um jeito nas Farc, o estorvo. Eis a força que hoje move de Lula a Chávez, de Evo Moráles a Cristina Kirchner, de José Mujica a Rafael Corrêa. É preciso remover o foco da guerrilha, encontrar um modus vivendi com a nova liderança de Bogotá.
Na teoria, tudo muito bonito, mas há dificuldades práticas. Uma delas é saber quem vai colocar o guizo no pescoço do gato.
É situação algo semelhante ao impasse entre Israel e os palestinos. O consenso pela paz só é forte quando você observa os jogadores não diretamente envolvidos. Já os contendores diretos não têm essa convicção, de que a vitória militar está fora do alcance, ainda que no longo prazo.
As Farc desejam negociações e diálogo com o novo presidente, Juan Manuel Santos, mas para afrouxar a corda que aperta o próprio pescoço e ganhar tempo. Já Santos poderia até aceitar outro caminho que não o puramente bélico-jurídico, desde que com garantias do desfecho desejado: a total desmobilização das guerrilhas e sua extinção como vetor militar no cenário colombiano. Ou seja: a capitulação delas.
É imensa a pressão para as Farc finalmente capitularem, mas não se notaram até agora sinais sérios disso na cúpula do grupo. Aqui, de novo alguma semelhança com o cenário da Palestina. Se Mahmoud Abbas entrar em negociações com Israel e lá na frente o resultado for pífio, ou nenhum, o líder estará em séria encrenca política. Assim como Santos corre o risco de deitar fora a herança de Uribe na frente militar. Está arriscado a aparecer aos compatriotas como inocente útil. Da guerrilha.
Qual é um fator limitante na possibilidade de desfecho militar para o conflito? As Farc poderem, se necessário, cruzar fronteiras em direção a países amigos e assim escapar do cerco final pelo exército regular. Eis uma razão forte para a crise entre Colômbia e Venezuela.
A dúvida é saber quanto Chávez está disposto a apertar a corda em torno do pescoço das Farc. Talvez esteja num grau antes impensável, se concluir que o pescoço alternativo é o dele próprio.
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