O comportamento das nações desenvolvidas no debate sobre as mudanças climáticas embute certo componente insólito. Se a única certeza que todos temos é a de que nosso futuro como Humanidade fica frágil toda vez que deixamos de tratar o tema com a urgência necessária, como podem os países ricos bloquear medidas de contenção ao aquecimento global?
Infelizmente, a excentricidade das nações desenvolvidas, com EUA à frente, oculta o rearranjo de poder em uma nova ordem global ainda em formação. Um mundo em que, evidentemente, os países em desenvolvimento surgem como atores internacionais atuantes e de peso. Assim, o que buscam é tentar diminuir o avanço de China, Índia e —claro!— Brasil nessa reorganização.
No caso dos EUA, as gigantes petroleiras, que auferiram altos lucros com as recentes investidas militares no Afeganistão e Iraque, estão por trás dos obstáculos criados. Uma atitude esperada, já que a nova economia limpa tende a excluí-las do mercado de combustíveis. Barrar o avanço de medidas que, em último caso, podem garantir a existência da vida na terra é, na verdade, a maneira que os EUA encontraram para ganhar tempo e se recolocar no tabuleiro de poder internacional.
Felizmente, e de forma surpreendente, a COP-16 (Conferência Mundial de Clima das Nações Unidas), em Cancún (México), encerrou-se com a criação do fundo de US$ 100 bilhões para combater mudanças climáticas nos países em desenvolvimento, a manutenção do Protocolo de Kyoto —que vem sendo desrespeitado pelos EUA— e a adoção de mecanismos para compensar os países tropicais pela redução do desmatamento.
Nada mais justo, posto que as nações desenvolvidas têm maior responsabilidade nos efeitos climáticos negativos que vivenciamos —juntos, China e EUA jogam na atmosfera 40% dos gases estufa do planeta—, além de condições mais adequadas para frear o processo de aquecimento global. Em outras palavras, a estratégia de resolução desse problema deve ser colegiada e, inicialmente, voltada aos países mais pobres e em desenvolvimento.
A professora de Engenharia de Transportes da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) Suzana Kahn Ribeiro, que participou da COP-16, considerou ao jornal O Globo (13/12) que a semente dos avanços conquistados no México foi plantada um ano antes, na COP-15, em Copenhague (Dinamarca).
A dificuldade de se chegar a um acordo, a profusão de interesses particulares colocados acima dos coletivos e o comportamento dos representantes dos países fizeram a COP-15 terminar com sabor de derrota. Mas permitiu o amadurecimento do debate e novas rotas de negociação para que passos importantes fossem dados agora, em Cancún —China e Índia, por exemplo, amenizaram suas posições em relação a Copenhague.
Sem dúvidas, o papel do Brasil foi crucial. Há um ano, com a participação do presidente Lula e de Dilma Rousseff, apresentamos metas voluntárias até 2020: redução do desmatamento da Amazônia em 80%, corte entre 36,1% e 38,9% das emissões de CO2 e investimento de US$ 166 bilhões (US$ 16,6 bilhões por ano) na luta contra a mudança climática. Em 2010, mantivemos nossos compromissos e, segundo Suzana Ribeiro, isso foi “fundamental porque deu um sinal a outros países da disposição para combater as mudanças climáticas”.
A ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira, colaborou nesse processo, ao anunciar que o Brasil havia assinado um decreto que regulamenta a Política Nacional de Mudanças Climáticas —um roteiro da política que seguiremos setorialmente para reduzir a nossa poluição. Somos o primeiro país a formalizar esse compromisso.
O término da COP-16, com passos concretos de combate ao aquecimento global, facilita que os países planejem de forma mais detalhada suas metas regionais e locais. No Brasil, teremos clareza para onde estamos caminhando e poderemos cobrar mais incisivamente os governadores e prefeitos das grandes cidades.
Além de sermos o primeiro país a se comprometer com medidas climáticas, o que nos favorece no novo ordenamento mundial que passará pela economia verde é nosso inestimável potencial energético. Com 85% de energia hidrelétrica, 47% renovável e pioneiro em biocombustíveis, o Brasil está na vanguarda.
Ao contrário do que muitos podem afirmar, a descoberta de petróleo na camada do pré-sal antes de ser um empecilho a esse papel de liderança nas matrizes energéticas limpas, é uma possibilidade real de construirmos um modelo sustentável.
Afinal, se os combustíveis fósseis ainda serão por muitos anos as principais fontes energéticas em uso, nosso país tem a chance de voltar os recursos do pré-sal à consolidação da matriz energética renovável e à produção de combustíveis ecológicos, as fontes do futuro. A palavra-chave é uma só: equilíbrio.
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