por Alon Feuerwerker

Chance Zero

Não vai bem a relação entre o governo e o movimento sindical. E o diagnóstico é anterior aos atritos sobre o salário mínimo. A encrenca está na deformação das atribuições. Ou melhor, na maneira deformada como um vê as atribuições do outro.

Na preliminar do debate é preciso afastar certo viés antissindical, que enxerga graves problemas em o Estado transferir recursos para as entidades de trabalhadores mas não exibe o mesmo grau de revolta quando o dinheiro vai para as organizações patronais.

Se é possível falar em peleguismo, é pouco razoável olhar só para um lado do problema.

O movimento político-sindical que resultaria no PT alimentou-se, na nascente, de ideias renovadoras. Uma delas ensaia ressuscitar pelas mãos da CUT: o fim do chamado imposto sindical, a doação compulsória de cada um para financiar as entidades.

Pena que a CUT só lembre dessas coisas, que remetem ao seu passado combativo, quando interessa ao governo ameaçar o sindicalismo com o fechamento das torneiras.

Na teoria, a CUT tem mais enraizamento e melhores condições de sobreviver só às custas da contribuição voluntária dos associados.

A principal ideia inovadora da CUT lá atrás era construir um movimento sindical independente dos patrões e do governo. Navegou o quanto deu nas águas do antigetulismo e do antipeleguismo, estimulando inclusive a divisão de sindicatos na base.

No fim das contas resultou em nada. O sindicalismo nunca dependeu tanto do governo, ou dos governos. Com uma diferença, para pior.

O modelo getulista pelo menos preservava a unicidade orgância, que é boa para o trabalhador. Por facilitar a unidade na ação, desde que haja democracia.

É possível o pluralismo na unicidade, se as diversas forças políticas e propostas encontram mecanismos proporcionais de representação. Como por exemplo na UNE.

Mas democracia interna nunca foi o forte do sindicalismo brasileiro, do getulismo ao petismo. E os filhos do casamento entre as tendências centrífugas e o autoritarismo secular são a fragmentação e o enfraquecimento.

A conjuntura de razoável expansão da economia e do emprego também contribui para arrefecer. Atrapalha, além disso, uma debilidade cada vez mais estrutural. No mundo inteiro o sindicalismo só cresce mesmo no setor público.

Onde tem que forjar musculatura enfrentando patrão a coisa vai de mal a pior.

O movimento sindical que deve se reunir com Dilma Rousseff é um retrato das circunstâncias. Fraco, dividido, dependente. Vulnerável portanto a duas tentações.

Segundo a lógica do poder, não faz sentido um sindicalismo tão carente de músculo e tão escravo dos cofres públicos criar problemas para um governo que o prestigia com gestos de apreço e espaços, além das verbas.

Segundo a lógica do movimento sindical, não faz sentido um governo aliado e fortemente apoiado desconsiderar as legítimas reivindicações.

A pauta dos sindicatos está no limbo. Um sintoma? O governo não quer nem ouvir falar em impor via legislação o corte na jornada de trabalho.

É a deformação das atribuições, de que tratou o começo da coluna. Cada lado deseja, no fundo, que o outro simplesmente adira.

O governo quer apoio incondicional, nos moldes do exigido da base aliada no Congresso. E as centrais sindicais querem que o governo as atenda sem que precisem lutar.

O cartaz sobre o caixa da padaria bem que dizia: “Já que banco não faz pãozinho, aqui não vendemos fiado.” Sábio.

Talvez esteja na hora de esse matrimônio de conveniência produzir um divórcio amigável. Seria bom para todos. Nem o governo estaria obrigado a fingir que dá importância ao sindicalismo nem este precisaria continuar no papel de partido da base.

O governo cuidaria de governar e os sindicatos, de mobilizar e pressionar. Seria bem mais saudável. E que as coisas se resolvessem conforme a força de cada um.

A chance de esse meu cenário idílico emplacar? Perto de zero.

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