Ocupação burocrática de espaços
O Brasil buscou para si um lugar na zona de conforto. A custo zero. Quis sair bem com todos os lados, sem sujar as mãos e livre para poder reclamar depois. Mas sem desafiar as posições hegemônicas
Em uma passagem do discurso na cerimônia planaltina com o colega Barack Obama a presidente Dilma Rousseff disse que "não nos move o interesse menor da ocupação burocrática de espaços de representação. O que nos mobiliza é (...) que um mundo mais multilateral produzirá benefícios para a paz e a harmonia entre os povos".
Ou seja, a reivindicação brasileira por um lugar no Conselho de Segurança não expressa ambição, apenas desejo de ajudar o mundo. Um gesto de grandeza.
O que seria, precisamente, uma eventual "ocupação burocrática de espaços"? A expressão não tem maior significado. Uma cadeira no CS é sempre política, nunca burocrática.
No dia em que o Brasil for membro permanente da instância maior da ONU vai estar ali como qualquer outro no mesmo nível, votando de acordo com as convicções e conveniências.
A fala presidencial teve um aroma de uvas verdes.
Há quem pense, inclusive no governo, que só não somos ainda membros permanentes do CS porque nos falta força militar, talvez uma bomba nuclear.
A Coréia do Norte tem a bomba e o Japão não. Quem está mais perto da vaga?
Outro país bem posicionado é a Alemanha, e ela quer distância da bomba.
Talvez o caminho para um assento permanente dependa mais da capacidade de definir nosso papel exato, o que desejamos ser no mundo.
China, Estados Unidos, França, Reino Unido e Rússia estão lá por razões objetivas, historicamente determinadas. E cada um pagou pela filiação com muito sacrifício e sangue.
A China saiu um tempo, mas acabou voltando, por motivos óbvios e bem realistas.
Ainda sobre o Conselho de Segurança, vale olhar para o que aconteceu na segunda votação sobre a crise líbia.
Dez apoiaram a intervenção militar e cinco abstiveram-se. Votaram a favor o árabe Líbano -um governo onde o Hezbollah é a força decisiva- e os africanos Nigéria, Gabão e África do Sul.
Duas abstenções autoexplicam-se. Se China ou Rússia votassem contra inviabilizariam a resolução, pois têm poder de veto. Os votos russo e chinês foram, portanto, a favor, mas assim meio disfarçados.
Uma neutralidade a favor. Para poder reclamar depois.
Como fez o Brasil.
Ninguém quis pagar o preço político de ficar sócio de Muamar Gadafi no massacre da oposição líbia.
Zona de exclusão aérea é ato de guerra. Quando alguém propõe uma guerra, ou você fica a favor ou fica contra. Guerra não é algo que suporte "apoio crítico".
O Brasil preferia uma resolução que permitisse às potências agir, mas de leve. Talvez para manter o status quo, livrar a cara da "comunidade internacional" e também oferecer uma bela saída para o amigo Gadafi.
Como a resolução aprovada permite tudo, menos tropas terrestres (1), é possível às potências desenhar uma estratégia em que a intervenção se dá no ar e no mar, para abrir espaço em terra ao avanço dos rebeldes anti-Gadafi rumo ao poder, ou pelo menos rumo ao equilíbrio estratégico.
Que também será um cadafalso para Gadafi, talvez mais lento.
Se o Brasil desejava preservar o líbio, era razoável o Brasil votar contra a resolução.
Mas deu a lógica. Nosso país enveredou pelo caminho tradicional, e não apenas deste governo. Tanto que a abstenção recebeu elogios do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso.
O Brasil buscou para si uma área na zona de conforto. A custo zero. Quis sair bem com todos os lados, sem sujar as mãos e livre para poder criticar depois.
Mas sem confrontar as posições hegemônicas.
Deve ser a tal "ocupação burocrática de espaços".
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