A peleja do Cordel de Feira com a Internet
Walter Medeiros
Vou lhe contar, cidadão,
Uma história bem brejeira
Que começou numa feira
Pelas bandas do sertão
E de forma bem ligeira
Chegou à terra inteira
Causando admiração.
Severino Rio Grande
Fazia muito cordel
Falava até de bordel
Assim a arte se expande
De soldado, coronel,
Matuto, arranha-céu,
Falava até de Gandhi.
Com ele não tinha manha,
Sofria mas agüentava,
Sabia que a dor passava,
Pois foi até na Alemanha
Com tudo ele rimava
E o povo se admirava
É um homem de façanha
Seus cordéis ele vendia
Numa feira bem pequena
Era sempre a mesma cena
Com risada e cantoria
Desde o tempo da galena
Era uma mensagem plena
De amor e alegria
Com uns tipos manuais
Muitos impressos fazia
E assim ele vivia
Querendo um mundo de paz
Mas ninguém compreendia
Quando dizia que um ida
Ia sair nos jornais.
Pois aquele cordelista
Danou-se pra capital
Foi morar no areal
Ali bem perto da pista
Sua cidade natal
Soube um dia, afinal,
Que se tornou jornalista.
Mexendo com linotipo
Telex e off set
No fax pintou o sete
Sem falar no teletipo
Fazia até enquête
Só não comia gilete
Pois não achava bonito.
Mas com aquele seu dom
Muita coisa ele fazia
Sempre tinha uma poesia
Recitada em bom tom
Tinha saudade da tia
e qualquer hora do dia
escutava acordeon
Os anos foram passando
o tempo não vai pra trás
e aquele nosso rapaz
ia se adaptando
a tudo que a vida traz
nada nunca é demais
e foi se modernizando.
A maquininha Olivetti
Que usou anos seguidos
Inda tinha nos ouvidos
Qual serpentina e confetti
Mas a marca dos sabidos
Que ganhou novos sentidos
Agora era a internet.
Nem mesmo questionou
A nova moda lançada
E de forma enviesada
Seus cordéis lá colocou
Foi uma festa danada
A homepage lançada
Que ao mundo lhe levou
Pois agora na internet
O cordel vai mais distante
Basta somente um instante
E a história se repete
São Gonçalo do Amarante
Paris, Itu, num berrante
Todo mundo se derrete
Sempre aparece questão
Sobre esse novo meio
Mas é somente esperneio
De gente falando em vão
Basta fazer um passeio
Sem cavalo e sem reio
Para entender o bordão.
Quando veio pra cidade
Severino não deixou
Na terra que lhe criou
A sua habilidade
Foi com ele e ele usou
O dom que deus lhe legou
Pra sua felicidade.
Se é por falta de cordel
Pra seus versos pendurar
Confesso que vou mandar
Desenhar assim ao leu
Depois vou fotografar
E no site publicar
Ao lado do meu farnel.
Do jeito que alguém fala
Do cordel que foi pra web
Com certeza não concebe
Algo que chegou à sala
Do pequenino casebre
Que não pode criar lebre
Mas tem um micro na mala
Por quê o computador
Pode chegar ao sertão
E na internet não
Tem lugar pra rimador?
É uma aberração
Grande discriminação
Que ele não tolerou.
Acho que dei o recado
Quem quiser diga o contrário
Pois em todo abecedário
Tem alguém inconformado
E nesse rimar diário
Quero o futuro no páreo
Mas não esqueço o passado.
FIM
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