por Carlos Chagas


OU SE VOLTA COM HONRA OU NÃO SE VOLTA MAIS

De vez em quando é bom olhar para trás e buscar no passado, senão lições sobre o que fazer, ao menos sobre o que evitar. Vale olhar no espelho retrovisor e verificar que a pouco mais de oitenta anos eclodia aquilo que mais de perto pode ser chamado de uma revolução, ainda que propriamente não fosse. Porque uma revolução, pelo vernáculo, deve corresponder a alterações profundas nas práticas políticas, econômicas e sociais de um país. O tripé ficou capenga, sustentado apenas por ampla reforma social. Na política e na economia, nenhuma mudança.

Deflagrado dia 3 de outubro de 1930 em Porto Alegre, Belo Horizonte e Paraíba, então  capital do estado com o mesmo nome, logo o movimento tomou conta do país, atingindo o Rio, Recife e outras capitais. No dia 29 tomou posse como presidente provisório da República o chefe civil, Getúlio Vargas, então presidente do Rio Grande do Sul. Começou aí a primeira contradição com o termo revolução, pois o caudilho era político por excelência. Havia sido ministro da Fazenda do presidente que derrubara, Washington Luís. Trouxe com ele políticos aos montes, a começar pelo ex-presidente Artur Bernardes, outro expoente da República Velha.

Não houve, assim, grandes alterações  na política, ainda que coubesse o exemplo do golpe  da vassoura: simplesmente, inverteram-se seus pólos. Os que estavam por baixo subiram, os que se encontravam por cima desceram.

Importa misturar doutrinas e pessoas, sendo que estas fazem mais História do que aquelas. Na capital gaúcha, ao embarcar no trem que acabaria chegando ao Rio, Getúlio apropriou-se de uma frase dita pouco antes por Flores da Cunha: 

“desta viajada, ou se volta com honra ou não se volta  mais”. 

Estava ali a confirmação hoje consagrada na psicologia, de que um suicida dá sinais do gesto futuro muito antes que aconteça. A disposição do comandante improvisado de uma revolução que Luis Carlos Prestes não quis liderar era de vencer ou morrer. Naquele dia, ignorava-se o grau de resistência do governo Washington Luís, esperando-se a grande batalha que acabou não havendo, na fronteira do Paraná com São Paulo. Afinal, o presidente em seguida deposto fazia política em São Paulo e acabava de eleger o sucessor, Julio Prestes, outro paulista. Precisamente contra Getúlio Vargas, porque naqueles tempos de eleições fraudadas,  nenhum candidato de oposição venceu. Até Rui Barbosa havia sido derrotado, anos antes.

O trem foi subindo sem lutas, aclamados os revolucionários com churrascos, flores e cerimônias cívicas. Aderir já fazia parte do sentimento nacional, diante de espingardas e canhões. Seria em Itararé o grande embate, com as tropas federais sediadas em São Paulo, mais a Força Pública paulista, entrincheiradas naquela cidadezinha paranaense. Ia correr muito sangue.

Foi quando, no Rio, ainda dentro do sentimento apaziguador do  povo brasileiro,  chefes militares resolvem evitar o confronto. Prendem o presidente Washington Luís, disposto a resistir até de revolver na mão e passam um telegrama para a frente de batalha, exortando os paulistas a não resistir e os gaúchos a retornar aos pampas. Haviam criado uma Junta Militar e esperavam pacificar o país permanecendo indefinidamente no governo. Os soldados que defendiam São Paulo ou voltaram à capital ou aderiram à revolução. Os gaúchos mandaram Osvaldo Aranha, num teco-teco, à capital da República, para dizer aos generais e um almirante que parassem de brincar com coisa séria. Deu-lhes prazo até que Getúlio chegasse para transmitir-lhe o poder. Os membros da Junta devem ter olhado pela janela, verificando que o povo estava eufórico nas ruas, não por eles, mas pela revolução. Também contaram quantos corpos de tropa lhes eram fiéis e cederam em cinco minutos. Os gaúchos que viessem para assumir o poder.

Se a viagem do trem já era uma festa, maior ficou quando a locomotiva entrou em  solo  paulista. Na capital do estado, um fenômeno singular: sem poder reagir, os quatrocentões ficaram em casa, partidários que eram de Washington Luís. Mas o povão, a começar pelos operários, lotou  praças e avenidas gritando “queremos Getúlio, queremos Getulio!”  Lembravam-se de que na recente campanha eleitoral o candidato derrotado anunciara as primeiras medidas sociais, se fosse eleito. Salário mínimo, jornada de oito horas diárias, férias remuneradas, estabilidade no emprego e outras que, justiça se faça, o novo presidente cumpriu ao longo dos anos em que ficou no governo.

No Rio, jornais que apoiavam a República Velha foram “empastelados”, expressão  em uso para significar a destruição das redações com incêndios e muita pancadaria. Até o “Jornal do Brasil” ficaria fechado por alguns meses, resistindo até setembro passado, quando um pastelão resolveu suprimi-lo.

Alguns gaúchos arrogantes haviam prometido amarrar seus cavalos no obelisco da avenida Rio Branco, forma de humilhar o governo deposto e a capital federal,  sem recordar que os cariocas apoiavam a revolução.  Fizeram isso à noite,  mas, pela manhã, os cavalos haviam sido roubados e, no lugar deles, estavam amarrados alguns soldados gaúchos. Vingaram-se,  os cariocas.

Getúlio tomou posse dia 29, trajando farda de soldado. No palácio do Catete, senhoras em vestidos de luxo, políticos de terno e gravata e o povo em euforia. Assumia o presidente provisório,  tornado presidente constitucional em 1934 e ditador em 1937. Foi deposto em outubro de 1945, para voltar eleito em 1951 e cumprir o vaticínio exposto na estação de trem,  ao sair de Porto Alegre. Para não perder a honra diante da tentativa de sua deposição, matou-se com um tiro no peito.

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