A culpa do envelhecer

Os jovens podem tudo... Ou pelo menos pensam assim. São atrevidos, ousados, abusados, irreverentes, prepotentes, deseducados. Faz parte. Cada um de nós foi jovem e agiu exatamente assim, ou pior. Coisa de jovem! Jovens podem tudo e estão cheios de razão, ou pelo menos pensam assim. Faz parte. Numa boa! Maior barato! Jovens são inocentes, mesmo quando se prova o contrário. Jovens morrem, estupidamente, irresponsavelmente, mas morrem, e não estão nem aí para os pais, alguns já velhos, coitados, culpados, esses sim, por envelhecer. Ficar velho é uma enorme culpa. Devia dar cadeia. 

A velhice é uma embalagem em que os jovens escrevem, sem a menor cerimônia: "produto descartado". Basta visitar abrigos para idosos ou nem isso, basta ver os aposentos onde são relegados à mais cruel forma de ostracismo. Já assumi todas as minhas culpas: envelheci! 

Embora não ache tão ruim assim, provo de uma certa vergonha pelas rugas que não pedi, pelas placas acintosas que me reservam direitos, como o de entrar pela porta da frente sem pagar. 

Envelhecer é uma culpa tão grande que não cabe defesa nem apelação. 

Uma hora, embora um idoso ainda seja produtivo, cheio de vigor, capacidade e competência, passa a ser olhado através das lentes jovens dos que se arvoram em acusar com todos os dedos apontados: está na hora de fazer o caminho dos elefantes, como o livro de Dalton Trevisan (Cemitério de Elefantes). 

Envelhecer é quase uma obrigação imposta pelos jovens, de procurar o caminho da despedida e sumir da face da terra.


Jovens pensam assim, mas eles podem pensar assim. Fingem que se importam, mas não ligam coisa nenhuma. Jovens não podem perder tempo com a velhice alheia, embora os velhos tenham perdido muitas oportunidades nessa vida toda, repleta de anos vividos, cuidando deles, desde as primeiras luzes, os primeiros leites e toda uma infância carente de cuidados, uma adolescência cheia de problemas e essa idade agora, cheia de juventude, aqui e ali transviada, sem respeitar regras. Mas eles, os jovens, estão cheios de razão, são jovens e jovens podem tudo. E não me digam que não podem. O mundo do jovem é hoje, é aqui, é agora...



E amanhã? Que amanhã que nada. Amanhã não existe, custa muito. Jovens têm pressa, mesmo que seja para chegar a lugar algum, como nos pegas, quando a morte às vezes chega, sem pedir licença e ele vai embora, sem pedir licença, mas jovens podem sair assim, sem nem ao menos dizer adeus. Quem ousa envelhecer fica assim, se lamentando ou apenas escrevendo, enchendo-se de razões ou lições de vida que um jovem nunca escuta, mas os jovens não precisam escutar. Eles já sabem tudo, não dão valor a nada porque ainda não sabem o que é suar para ganhar dinheiro. Jovem já tem tudo pronto, recebem na hora, os velhos estão ali mesmo para supri-los, para fazê-los feliz. Velhos servem para isso, mais nada. Envelhecer é uma culpa terrível. Ficar assim, vez por outra, olhando a juventude tão sábia, tão sarada, com seus carrões abusados, som alto, mostrando as razões de seus gostos duvidosos, desfilando "pelaí", é o maior barato, irado, numa boa, só! 

Envelhecer é uma chatice. Todos nós, idosos, com certos direitos, como as prioridades humilhantes nos atendimentos, nas filas, somos uns chatos, insistentes em continuar vivendo um resto de vida que até parece estarmos roubando deles, jovens, sem tempo para nós. Melhor se fazer de forte, de saudável, de independente e nunca deixar que eles nos vejam chorar, cheios de saudades que eles não compreendem, arvorados de uma esperança que eles nem sabem do quê. Deveríamos, isso sim, fugir para um outro mundo, só de velhos, e olhar de lá para eles, torcendo, com muito amor e muito carinho, para que um dia possam viajar para o mundo de todas as certezas, principalmente as que nos asseguram de que chegamos até aqui. Seria um mundo de iguais, onde expiaríamos as nossas culpas por envelhecer, esse fardo terrível de carregar até um dia, em que retornaremos ao pó das estrelas de que somos feitos e voltaremos a fazer parte do ciclo da vida, por toda a eternidade universo afora.



A. Capibaribe Neto

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