O game da delicadeza

Leia: O meste de Go [delicadeza], Yasunary Kawabata

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Acima, um jogador do tradicional Go
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Kawabata, um dos principais nomes da moderna literatura japonesa
Você já deve ter jogado Go. Em um celular, enquanto esperava por alguém, ou na internet, entre duas ou três outras páginas abertas. O jogo japonês de baixa complexidade consiste em dois conjuntos de peças, brancas e pretas, dispostas em um tabuleiro. Seu objetivo é basicamente dispor as pedras de modo a encurralar o adversário, preenchendo a maior parte do tabuleiro com a sua cor correspondente.

Lembra, em uma perspectiva inversa, o Resta Um, que divertiu a infância de muitos. Se você jogou Go, com um amigo ou mesmo contra o computador, talvez deva ter levado alguns minutos, não mais do que uma hora. Talvez. Mas no verdadeiro Go, com mestres da estratégia que disputam nove dans (graus) e abrigam em suas casas discípulos que se dedicam por longos anos ao aprendizado da tradição milenar, uma hora chega a ser somente o tempo que um jogador leva para realizar um único movimento.

Em "O Mestre de Go", do premiado Yasunari Kawabata, o escritor transforma em livro as 64 reportagens escritas para o jornal Mainichi Shinbun, de Tókio, sobre os seis meses nos quais se decorreu o último jogo do "invencível" mestre Shusai, jogador profissional de Go, detentor da condecoração máxima do jogo. Em seis meses, três dos quais houve recesso por complicações na saúde de Shusai, ele e seu oponente Minoru Kitani (no livro, portando o nome Otake) executaram 237 movimentos, observados atentamente pelo escritor.

Nuances
É nesse momento que o leitor pensa, não sem um visível franzir de sobrancelhas, "então o que vou ler é a narração de um demorado e maçante jogo de estratégia?". Sim e não. A obra de Kawabata, premiado com o Nobel em 1968, não traz a descrição do jogo, que, aliás, sequer é explicado em detalhes no livro, mas os conflitos e a conduta de dois líderes, dois mestres da estratégia, entregando-se profundamente ao estudo das possibilidades de um tabuleiro. Ambos convidam a nós, leitores, ao exercício por vezes angustiante, mas certamente revigorante, da reflexão.

Não se trata apenas do estudo sobre como se deve mover uma peça, mas sobre como a atitude de se manter reflexivo diante de qualquer circunstância nos leva ao encontro de diversas possibilidades, ao conhecimento dos limites do corpo e da mente.

O mestre e o discípulo
Otake, o oponente, enfrenta aquele que já foi seu próprio mestre. Diferente dele, não é franzino e frágil, mas um homem robusto de 30 anos, com uma grande família. Shusai, do alto de seus mais de 60 anos, recebe medicações dosadas para uma criança de 13 anos, dada sua frágil compleição física. Ambos, no entanto, se igualam diante do tabuleiro. O pequeno mestre parece crescer à hora do jogo.

Kawabata, com a mesma tranquilidade e sutileza dos jogadores de Go, conduz o leitor a pensar sobre a família, o companheirismo, a solidão, o fracasso, a dedicação e a morte. Tema último, aliás, que lhe acompanhou duramente, já que Kawabata presenciou a perda sucessiva de todos os seus familiares.

Mais do que os lances da partida ou as regras do jogo, o escritor narra as conversas nos bastidores, a reverência e o respeito que todos tinham pelo mestre Shusai, e os detalhes mínimos de suas expressões enquanto refletiam. Kawabata como que punha lupas sobre os rostos dos jogadores, observando inclusive um fio longo da sobrancelha de Shusai, que se arqueava a cada lance.

Em tempos de correria (mesmo na sociedade nipônica de hoje), que se contrastam tanto com o ambiente de calmaria e intimismo retratada pelo autor japonês, "O Mestre de Go" nos conclama a parar as máquinas, puxar o freio. E o próprio invencível mestre Shusai compreende, com a astúcia de um homem merecedor de tal título, a importância de admitir o fim do jogo. Pouco mais de um ano depois da grande disputa, Shusai falece, o que motiva Kawabata a transformar suas reportagens em livro.

Durante seu discurso ao receber o Nobel de Literatura, Kawabata condenou o suicídio, rememorando muitos colegas escritores que haviam morrido daquela forma. Quatro anos depois de receber o prêmio, no entanto, também ele, desgastado por excesso de compromissos, doente e deprimido, suicidou-se.
do DN

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