Crônica de Luis Fernando Verissimo
Outra carta da Dorinha
Recebo outra carta da ravissante Dora Avante. Dorinha, como se sabe, até hoje só perdeu um carnaval. Foi quando morou um ano no exterior com um milionário cujo titulo ela não se lembra (“Duque, Sultão... Sei que era nome de cachorro”) . O romance durou pouco porque ele tinha lhe jurado que era do “jet set” mas se revelou um teco-teco na cama.
Até hoje Dorinha só se refere a ele como “Le Blef”. Fora este interregno impensado, Dorinha nunca deixou de desfilar no carnaval.
Inclusive com sacrifícios pessoais, como na vez em que saiu como destaque num pedestal tão alto que ficou presa na rede elétrica e foi salva por um bombeiro chamado Eudir, com quem ela não tem certeza mas acha que se casou depois.
Ficou famosa a sua passagem triunfal na avenida como rainha da bateria, só de tapa sexo e puxando o Pitanguy pela mão, para o caso de o publico começar a gritar “O autor! O autor!” .
Por tudo isto, pode se compreender seu desalento com a possibilidade de não desfilar este ano. Sim, ela e seu grupo de pressão política e carteado, as Socialaites Socialistas, estão ameaçados de serem cortados do desfile da sua escola, porque...
Mas deixemos que a própria Dorinha nos conte. Sua carta veio, como sempre,escrita com tinta purpura em papel rosa e com aroma de “Sacanage”, um perfume recém-lançado e já banido em vários países.
“Queridíssimo. Beijos tristes e babados. Agora esta: estão preocupados com a quantidade de brancos nas escolas de samba e a solução, na nossa escola, foi adotarem um sistema de cotas! Parece que se deram conta da gravidade da situação quando descobriram que justamente este ano, quando o tema da escola é “Esplendor de um rei Nagô”, a porta-bandeira será canadense e o mestre-sala dinamarquês, e os dois aprenderam a evolução por correspondência.
Concluíram que se não fosse tomada uma resolução drástica agora em breve teríamos baterias formadas só de alemães. Como o ritmo dos desfiles fica cada vez mais marcial, nesse quesito os alemães não seriam problema. Problema seria eles não pararem na praça da Apoteose, seguirem adiante e invadirem a Polônia.
Concordamos que alguma coisa deve ser feita, mas o fato é que as cotas para brancos já foram todas preenchidas por um grupo ucraniano e não sobrou nada para as Socialaites Socialistas, vítimas de odiosa discriminação.
Pensamos em muitas maneiras de contornar a situação, todas envolvendo algum tipo de escurecimento rápido da pele, culminando com a decisão da Tatiana (“Tati”) Bitati de mergulhar em tinta nanquim. Mas temos pouco tempo. E o impensável talvez aconteça.
Este ano, a avenida pode não ver Dora Avante. Domage. Estou com seios novos, ainda não testados em publico. Assim passam as glórias, e as doras, deste mundo. Beijíssimo da tua Dorinha.”
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