A nova classe média satisfez boa parte de suas necessidades de consumo. Agora, 51% dos jovens querem ser donos de empresas
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Luiz Henrique Bonvini, 14 anos, ainda está longe de entrar na universidade, mas já tem na ponta da língua o caminho que deseja seguir. Amante da gastronomia, faz planos de se especializar na área e ganhar muito dinheiro. No primeiro teste, ele já passou com louvor. Em parceria com os primos Laura, 13, e Vitor, 10, o jovem fabricou brigadeiros em casa para vender. O retorno foi tamanho que os três vão usar o lucro para bancar parte de uma viagem à Disney, com a família, programada para este ano. Com tino empreendedor, Luiz é o retrato fiel da nova classe média, que, depois de incluir na sua cesta de alimentos itens a que antes não tinha acesso, comprar a casa própria e eletrodomésticos e fazer as suas primeiras viagens ao exterior, será senhora quase absoluta dos micro e pequenos negócios no Brasil dentro de uma década.
Dados do Instituto Data Popular mostram que 51% dos jovens entre 18 e 35 anos da classe C querem abrir o próprio negócio. Desse total, 91% definiram que 2020 é o prazo máximo para concretizar o sonho. Não por acaso, a nova classe média — que ganhou 40 milhões de brasileiros na última década e, somente no ano passado, injetou de R$ 1,03 trilhão na economia em consumo de bens e serviços — é uma das armas mais poderosas da presidente Dilma Rousseff para aquecer a atividade econômica e proteger o país da crise que assola a Europa.
No caso de Luiz, o estímulo veio da mãe, a microempresária Ursula Bonvini, 37, que auxiliou os jovens em todos os preparativos da empreitada, desde o cálculo dos gastos com o chocolate até o transporte. "Fomos para a rua e vendemos tudo", comemora o jovem. Herdeiros da transição econômica vivida pelos pais, Luiz e os primos reconhecem que a sua realidade é bem diferente da vivida pela geração anterior. Sem desgrudar dos iPods, símbolos dessa mudança, eles querem se qualificar para fazer frente a um mercado cada vez mais competitivo. Luiz, que, além de gastronomia, quer cursar direito, também planeja ir para a Suíça com Laura para realizar um intercâmbio. "Será muito bom conhecer outras culturas, conviver com pessoas que falam outras línguas", aposta Laura.
Especialistas reconhecem que a nova classe média conquistou seu espaço após a estabilização da economia, o aumento da formalização do mercado de trabalho e o incremento na renda da população. Conforme dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o Brasil está muito próximo do que se pode chamar de pleno emprego, quando praticamente todas as pessoas que querem trabalhar estão contratadas. Em janeiro deste ano, a taxa de desocupação ficou em 5,5%, a menor para o mês desde o início da série histórica, em março de 2002. O salário médio ficou em R$ 1.672, também um recorde para o mês.
Apesar de tantos números positivos, manter esse contingente em condições tão boas é um dos desafios que o país terá que enfrentar nos próximos anos. Embora tenham se rendido ao consumo e sorvam até a última gota a possibilidade de levar para casa bens até antes impensáveis, os 56% da população ou 106,4 milhões de pessoas que estão na classe C — número quase igual ao de habitantes do México e duas vezes o da Colômbia — reconhecem que a conquista está apenas no começo. "Nós procuramos deixar claro para os nossos filhos que eles podem ter um futuro confortável, mas que é preciso batalhar", destaca Ursula.
Reformas
Na avaliação do economista José Márcio Camargo, da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ), uma série de fatores fez com que a classe média se tornasse tão importante para o país, mas ainda faltam reformas para que todo o seu potencial seja aproveitado. Entre elas, destaca-se uma profunda transformação no sistema público de educação, um dos principais entraves para o crescimento do país. Outro problema é a enrijecida legislação trabalhista brasileira. Um conjunto de nada menos que 2,4 mil regras compõe o emaranhado de leis na área. "São necessárias mudanças que induzam ganhos de produtividade", diz Camargo.
Na avaliação do economista José Márcio Camargo, da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ), uma série de fatores fez com que a classe média se tornasse tão importante para o país, mas ainda faltam reformas para que todo o seu potencial seja aproveitado. Entre elas, destaca-se uma profunda transformação no sistema público de educação, um dos principais entraves para o crescimento do país. Outro problema é a enrijecida legislação trabalhista brasileira. Um conjunto de nada menos que 2,4 mil regras compõe o emaranhado de leis na área. "São necessárias mudanças que induzam ganhos de produtividade", diz Camargo.
Para Rossano Oltramari, economista-chefe da XP Investimentos, a classe média vai transformar a economia brasileira e exigir contrapartidas, seja da iniciativa privada, seja do Estado. Uma das principais preocupações, diz ele, é garantir uma renda para a velhice. Hoje, o Brasil tem 20,5 milhões de idosos. Em 2050, eles serão 60 milhões e os problemas de agora, caso não sejam corrigidos, poderão fazer a terceira idade assistir ao colapso da Previdência Social, que amargou deficit de R$ 36,5 bilhões em 2011. "O Brasil passou, nos últimos anos, por várias fases. Tivemos um "boom" do frango, do iougurte, das passagens aéreas. O próximo será o dos produtos financeiros", afirma.
Oltramari não está isolado em sua avaliação. Economistas são unânimes em dizer que, se não começar a poupar logo, a classe média comprometerá, na velhice, a qualidade de vida conquistada com tanto suor. "A classe C tem noção diferente da elite. O foco é construir carreira do filho, abrir um negócio, comprar a casa própria. Aplicar recursos em aposentadoria exigiria reduzir o consumo imediato. Para parte dessa população, guardar esse dinheiro ainda é visto como luxo", explica Renato Meirelles, diretor do Instituto Data Popular. A antropóloga Luciana Aguiar, diretora do Instituto de Pesquisa Plano C, D e E, observa que a necessidade de comprar tanto é uma maneira de ser aceito na sociedade. "O consumo, antes de tudo, é uma forma de comunicação. É mostrar que é igual", analisa. (Colaborou Cristiane Bonfanti)
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