Nova crônica de Luiz Fernando Verrissimo



Ele tinha cara e corpo de toureiro. Ou então não de toureiro, que mata o touro. De bandarilheiro, que o irrita. Afinal, o Millor era só meio espanhol. O touro dele era qualquer coisa grande ou metida a grande, qualquer coisa com chifres que assustavam os outros mas não ele, qualquer coisa pomposa e ridícula, qualquer coisa prepotente. Mas acima de tudo, o touro dele era a burrice.

No lombo da burrice ele espetava suas bandarilhas coloridas, seus epigramas pontudos, suas parábolas incisivas, suas frases marcantes, sua inteligência afiada, esquivando-se dos chifres da besta. No fim ele só não conseguiu driblar a coisa mais burra que existe: a morte.
Especulação dolorosa: o que teria passado pelo seu cérebro nestes últimos dias, preso a um corpo inutilizado? Que memórias, que imagens ocuparam sua mente antes do fim? Ele na sua última arena, diante do seu último touro. Arena vazia, só os dois, num cara a cara final. Ele sem seus instrumentos: sem lápis, sem teclado, sem defesa. E na sua frente a burrice na sua forma definitiva.
A burrice total, a burrice imune a argumento ou súplica, a burrice irreversível, a burrice triunfante. Não adianta ele sugerir que ao menos dancem uma valsa, a burrice não tem senso de humor. Nem se pode chamá-la de vingativa — ela sabe que no fim, depois das bandarilhas coloridas e de todas as piruetas, a vitória será dela. Por mais ridicularizada que ela seja, a vitória é sempre dela. E depois vem a burrice eterna.
No seu sonho terminal, o touro começa sua carga. E o bandarilheiro não consegue sair do lugar.
BOZÓ E COALHADA
Cada um tinha seu personagem do Chico Anisio favorito. Os meus eram o Bozó e o Coalhada. O Chico era, antes de mais nada, um grande ator e cada personagem que ele criava vinha completo, não só com trejeitos e personalidades meticulosamente observados mas com biografia e destino claramente subentendidos.
Você adivinhava toda a vida do Bozó, sonhando eternamente com o status de ser da Globo, e do Coalhada, lembrando uma carreira no futebol que tinha pouco a ver com a realidade. Uma dentadura falsa bastava para fazer o tipo do Bozó, mas o Coalhada requeria um estrabismo meio desvairado que não podia ser simulado, era recurso do grande ator.
CHEGA!
Chico Anisio e Millor, um depois do outro. Ninguém está achando graça.

Nenhum comentário:

Postar um comentário