O jeitinho brasileiro


Uma das coisas que chama nossa atenção a respeito do jeitinho brasileiro é o fato de que, dependendo domodo como é solicitado, pode ser atendido ou não. O modo como tem um peso tão grande quanto os motivos que levam a solicitar o jeitinho.
Para continuarmos a desenvolver a respeito desse modo como, precisamos antes circunscrever a situação que foi designada, originalmente, como Jeitinho Brasileiro. Para a antropóloga Lívia Barbosa, o jeitinho acontece dentro das instituições modernas, quando uma regra é relegada a segundo plano diante de uma situação onde o acaso dificultou o atendimento à regra, criando um problema pessoal que o jeitinho pode resolver. Não é o caso, portanto, de “levar vantagem”, nem de uso do poder de “sabe com quem está falando”. Para nós, trata-se do cultivo da percepção das circunstâncias que não podem ser generalizadas pela regra. Alguns chamam isso de bom senso.
No entanto, não basta a circunstância imprevisível e o bom senso. É preciso mais do que isso. É preciso saber solicitar com bom jeito. E, nessas situações, o bom jeito para o brasileiro é aquele que demonstra simpatia e humildade. O que chama a minha atenção é que esse bom jeito passa por um critério não-verbal. Ele é avaliado pela comunicação não-verbal. É na comunicação não-verbal que se assenta o critério ético que permitirá ou não que o jeitinho aconteça.  
Estamos diante de duas questões: a primeira é sobre qual é a ética que fundamenta o jeitinho brasileiro; a segunda é sobre que modo de pensar é esse que se assenta sobre a comunicação não-verbal. 
Com relação a ética, ela se assenta claramente sobre a percepção da vulnerabilidade humana, assim como no valor da atitude de humildade sobre todas as outras, como demonstrou tão bem Lívia Barbosa. Minha tese sobre uma “filosofia do jeito” mostra como a humildade é uma disposição corporal que favorece processos de comunicação e de auto-organização do nosso sistema sensório-motor, diante dos ruídos provocados pelo acaso. Quer dizer, a ética da humildade não submete a ação à universalização por meio da regra, ela atenta para a percepção da circunstância e, de algum modo, para o que os Taoístas Clássicos chamaram de espontaneidade na relação com o Tao da situação.
Com relação ao modo de pensar, parece que a ênfase no pensamento entre nós não está circunscrito à erudição ou à expressão teórica, como se desde há muito estivéssemos atentos a um pensar com o corpo. Talvez, porque as leis e a filosofia, ao longo dos anos da nossa formação nacional, foram usadas como escudo por aqueles que possuíam maior poder econômico e social, o que pode criado uma descrença no palavreado. Quero dizer, enquanto o bacana fala a gente observa o jeito dele, a intenção que está por trás da conversa, a disposição dissimulada pela palavra bem falada. Pode ser...
Seja como for, estaríamos diante de um cultivo popular de um pensar com o corpo? Se assim for, estamos culturalmente na dianteira das ciências humanas contemporâneas, que há pouco - mas muito pouco tempo mesmo - vem descobrindo como o corpo pensa e tentando despertar a percepção para esse conhecimento pré-verbal e pré-teórico, mas eficiente.
Se assim for, seria bom observarmos mais o jeito do corpo em geral e o jeitinho brasileiro em particular...
www.filosofiadojeito.blogspot.com por Fernanda Carlos Borges

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