Cometo a imprudência de contrariar uma das grifes mais ilustres da mídia internacional, a revista "The Economist", que está pedindo a cabeça de Guido Mantega na edição que está nas bancas.
Os argumentos para justificar o pedido são de uma pobreza espantosa em se tratando de uma publicação de altíssima qualidade, goste-se ou não de suas opiniões.
Primeiro argumento: a revista diz que o Brasil cresceu no terceiro trimestre apenas 0,6%, a metade do que o ministro imaginara.
Bom, se errar previsões é motivo de demissão, então todos os economistas do mundo que se animam a fazer previsões deveriam ser demitidos, tal a quantidade de erros que cometem. Se revisar cuidadosamente seus arquivos, a "Economist" teria que demitir um bom punhado de jornalistas, pelo mesmo motivo.
Passemos adiante. De fato o Brasil está crescendo tão pouco que, a propósito dos mesmos números do terceiro trimestre que a "Economist" invoca contra Mantega, esta Folha manchetou que Dilma corre o risco de ter "perdido" o seu primeiro biênio.
Culpa de Dilma? Culpa de Mantega? Não, a julgar pelos argumentos da revista.
- Primeiro argumento: os preços das commodities, que catapultaram o crescimento brasileiro, continuam altos, mas já não estão crescendo. Não consta que Mantega ou Dilma possam aumentar os preços das commodities.
- Segundo argumento: os consumidores estão usando muito de sua renda para pagar empréstimos, em vez de consumir mais.
O que a Economist quer? Que Mantega baixe uma Medida Provisória proibindo os consumidores de se desendividar? Beira o ridículo.
A revista ainda lamenta que o desemprego esteja tão baixo que é difícil encontrar mão de obra ociosa --e naturalmente mais barata. Ou seja, o que é bom para o assalariado é ruim para a revista.
Onde a "Economist" acerta é em dizer que o governo deveria atacar o chamado "custo Brasil". Tudo bem, mas os componentes do custo Brasil estão presentes há séculos, e nunca se cobrou de qualquer ministro, de Lula, de Fernando Henrique, de Itamar Franco e dos generais-presidentes que demitissem seus ministros por não encarar o desafio.
Ao contrário, a própria "Economist" botou na capa, faz relativamente pouco tempo, um foguete chamado Brasil, que disparava para o infinito, embora o comando fosse do mesmíssimo Mantega, agora descartável.
No fundo, o que mais incomoda no ataque da revista é o fato de que ela --e também o Financial Times-- invocam a quebra da confiança dos investidores para justificar o pedido de defenestração do ministro.
Lembra-me o episódio George Soros em 2002, em plena campanha eleitoral. Cruzei com o mega-investidor em um seminário sobre terrorismo promovido pelo Council on Foreign Relations em Nova York. Mas, no jantar, em vez de terrorismo, conversei com Soros sobre a eleição brasileira, ocasião em que ele tirou do coldre a frase: "É José Serra ou o caos".
Queria dizer que os investidores temiam Lula e, se ele continuasse à frente nas pesquisas, promoveriam uma tal baderna na economia brasileira que Lula assumiria na corda bamba. Foi mais ou menos o que aconteceu, mas o eleitorado não ouviu Soros e deu a Presidência a Lula.
Soros depois reconciliou-se com Lula, assim como os investidores tiveram múltiplos orgasmos com a gestão do petista, o que só prova que ouvir investidores e desprezar o eleitor é uma imensa tolice.
Tal como o eleitorado, Dilma tende a ignorar o apelo da "Economist" porque a confiança nela, com Mantega na Fazenda, continua enorme e fácil de explicar: até agora, a desaceleração da economia não mexeu nem no crescimento dos salários nem no emprego.
PIB é, para a grande maioria, uma abstração. Reais são emprego e renda. Ponto.
Não quer dizer que a economia brasileira não tenha problemas nem que as mazelas sociais estejam minimamente resolvidas. Não. Mas supor que a troca de ministro da Fazenda muda tudo é coisa de torcedor de futebol, que exige a cabeça do técnico quando o time vai mal. Não impediu, por exemplo, o Palmeiras de cair para a segunda divisão.
Para o Brasil de Mantega não está no horizonte um rebaixamento tão brutal. Pode até não ficar entre os primeiros colocados no torneio mundial de crescimento, mas está dando para sustentar no pico o prestígio da presidente.
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