A exumação da ditadura, por Carlos Tautz




A exumação do corpo do ex-Presidente da República João Goulart tem uma importância histórica que transcende o direito da família de saber se Jango foi de fato envenenado em 1976 durante seu exílio na Argentina.
Produzir essa informação é urgente não apenas para a memória daquele que é o ex-presidente da história recente do Brasil que menos reconhecimento público recebeu. Sob certo sentido, investigar o suposto envenenamento de Jango significa exumar a própria ditadura empresarial e militar que se instalou no Brasil em 1964.

Descobrir se Jango foi assassinado, como denunciou um ex-agente da espionagem uruguaia, é um passo no sentido de descobrir quais foram os mecanismos, interesses e atores de uma série de golpes de estado, viabilizados pelo governo dos EUA, para impedir o amplo processo de autonomia que se instalava na América Latina desde a década de 1950.

Um hábito estadunidense que marcou a Guatemala em 1954, continuou na Argentina, Brasil, Chile, Uruguai, Paraguai nas décadas seguintes, mas que não terminou com a Guerra Fria. Manteve-se na Venezuela contra Chávez em 2002 e no Paraguai em 2012 para depor Lugo.
Escavar a estória passada é escrever as histórias presente e futura em outros termos e abrir o caminho para uma necessária punição dos responsáveis pelos crimes contra João Goulart e contra toda a Nação.


Interessa ao povo brasileiro desafiar a verdade cômoda produzida pelos militares golpistas e empresários comprometidos com a repressão. Aquele golpe de 59 anos atrás reverteu uma tendência reformista que Jango representava para a economia brasileira.
Com a taxação da remessa de lucros das multinacionais e a nacionalização da cadeia produtiva do petróleo, entre outras medidas propostas por ele sob pressão popular, iniciava-se um processo que poderia alterar o modo de acumulação no País.
As reformas indicavam a possibilidade de realizar um Brasil à altura de suas possibilidade e dos sonhos de gente como Celso Furtado. Um Brasil que se colocasse no mundo de outra maneira, solidária, e não da forma vergonhosa como faz hoje, exportando com suas tropas repressão popular no Haiti e imperialismo econômico na América Latina, Caribe e África, como faz com a Vale, a Petrobras, a Odebrecht e outras corporações “Campeãs Nacionais” abastecidas com dinheiro público e interesses privados.
A recuperação da história real da morte de Jango precisa ser enquadrada, para além da justiça que se faz com alguém que protagonizou um dos momentos mais importantes e dramáticos de toda a história do País, no acerto de contas das instituições nacionais com o povo brasileiro.

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