Por que milhões de pessoas vão às ruas manifestar-se, mesmo sem ter tido conhecimento dos passos mais recentes dados pelos poderes do Estado no sentido da destruição do País?
Claro que para revoltar-se nem precisam estar bem informados. Basta sentir os sofrimentos decorrentes de problemas que continuam agravando-se:
- transporte público insuportável e, além disso, nas grandes cidades, transporte particular inviabilizado pelo excesso de veículos;
- acesso difícil ou inexistente a serviços públicos de saúde e de educação, de alguma qualidade, além de, no âmbito privado, preços absurdos sem qualidade correspondente;
- salários baixos;
- preços elevados, em mercados dominados por empresas e bancos concentradores;
- impostos e taxas numerosos e custosos.
Credita-se ter desencadeado a faísca ao Movimento do Passe Livre (MPL), baseado em São Paulo e outras cidades, organizado há anos e voltado para objetivos justos, embora limitados
O momento em que surgiram os protestos devidos ao aumento das passagens de ônibus em São Paulo, coincidiu com os jogos da Copa das Confederações, a qual expôs os superfaturamentos e outros absurdos ligados à construção dos estádios.
É compreensível que associem esses gastos suntuários às carências no atendimento das necessidades da população.
Falta, porém, elevar mais o número dos manifestantes e motivá-los a lutar pela erradicação das verdadeiras causas das desditas do povo. Para isso é urgente disseminar, para dezenas de milhões de brasileiros, as informações econômicas e políticas relevantes.
Os R$ 750 bilhões para a dívida equivalem a quase o total dos investimentos públicos e privados no mesmo ano. Significa que se esse dinheiro fosse investido produtivamente, em vez de dilapidado em despesas financeiras, poderiam ser dobrados os gastos realizados na produção e na geração de empregos.
Desde 1988 foram gastos 10 trilhões de reais com a dívida pública. Um trilhão é mil vezes um bilhão, e um bilhão é mil vezes um milhão, que é mil vezes mil.
De onde veio isso: A indústria e os mercados são controlados por empresas estrangeiras, que remetem dinheiro ao exterior de mais de quinze modos. Os bens e serviços que vendemos são subfaturados, e os que compramos são superfaturados.
Então se acumulam as dívidas. O produto de nosso trabalho, os nossos minérios, a produção agrícola, tudo é mandado para o exterior por quase nada, e o governo ainda premia os exportadores e os isenta de ICMS e contribuições sociais.
Por que é assim? Os políticos recebem dinheiro das empresas e bancos concentradores para as eleições e dependem também das TVs comerciais e imprensa, tudo ligado aos concentradores financeiros.
Por isso o problema dos investimentos produtivos não é só serem poucos, mas serem mal escolhidos e realizados. Tudo é desenhado, orientado para o ganho dos concentradores: transportes, educação, saúde, telecomunicações e energia.
E também: O transporte está ruim? Lógico, as ruas estão entulhadas com veículos produzidos por montadoras estrangeiras, às quais o governo federal, os estaduais e os municipais dão prêmios e isenções de centenas de bilhões de reais. E não construíram linhas de metrô. Por isso o trabalhador se desgasta durante cinco horas por dia dentro das conduções. Não se fazem tampouco hidrovias nem ferrovias para transportar passageiros e cargas.
A corrupção tem efeitos muito mais graves que os percebidos pela grande maioria dos brasileiros. Esta se indigna diante dos casos de enriquecimento, na ordem de milhões de reais, dos políticos e agentes públicos, que a grande mídia resolve expor, poupando os corruptos mais ligados aos interesses estrangeiros.
O povo não protesta, ainda, com a devida força, contra as lesões praticadas pelo atual governo ao patrimônio público nos leilões de petróleo - trilhões de dólares entregues praticamente de graça a petroleiras estrangeiras - nem contra a gradual destruição da Petrobrás.
Ainda por cima Executivo e Legislativo fazem demagogia decretando que 75% dos royalties do petróleo sejam carreados para a educação e 25% para a saúde. Ora, esses percentuais incidem sobre praticamente nada, além de a produção ainda demorar, os royalties são 10% das receitas subdeclaradas (o governo não controla o que sai).
Ainda se manifesta pouco contra as concessões de ferrovias, portos e aeroportos financiadas pelo BNDES. Igual com os empréstimos de grande vulto para empresas concentradoras e para as parcerias público-privadas nos investimentos de infra-estrutura, em que o setor privado tem lucros garantidos pelo Estado, sem sequer investir.
Não se mostra ao povo de que modo os bancos obtêm ganhos colossais. Apenas três bancos privados - Itaú, Bradesco e Santander - somam lucros anuais de R$ 30 bilhões, emprestando e aplicando dinheiro dos depositantes. E o art. 164 da Constituição obriga o Banco Central a financiar somente os bancos, proibindo-o de financiar o próprio Tesouro Nacional
Ignoram-se, ainda, os prejuízos de trilhões de reais que resultaram das privatizações de FHC, como a da Vale, a do BANESPA, dado ao Santander, e as das siderúrgicas. E as de serviços públicos extorsivos e deficientes, como a eletricidade e as telecomunicações.
Nem falam das antigas estradas construídas com dinheiro público, mal conservadas e entregues a concessionárias, que se cevam através de absurdos pedágios. E ninguém constroi novas.
Está, pois, na hora de o povo ser informado do que precisa saber para exigir instituições que revertam a lastimável situação do País.
Conscientizá-lo de que a luta é árdua. A mídia condenará as manifestações quando focarem no que interessa, e recrudescerá a repressão policial, inexistente para vândalos e assaltantes.
Mas o povo terá de enfrentar isso tudo, se não quiser, mais uma vez, servir de massa de manobra para os interesses que o têm mantido sem perspectivas de se libertar. Libertar-se das imposições de potências estrangeiras, brutais embora ocultadas.
Em suma, ter-se-á de ir ao fundo da questão: exigir autodeterminação, só possível num sistema político em que os governantes não sejam escolhidos, cooptados, corrompidos nem acuados pelos concentradores.
Os obstáculos são muitos. Um dos principais é o tradicional jogo do império anglo-americano, de incitar o ódio ideológico. Para vencê-lo, os brasileiros têm de se unir em torno de questões concretas pautadas pelo interesse nacional.
Por exemplo, os manipuladores qualificam o governo de socialista ou neocomunista, quando as políticas dele privilegiam a oligarquia financeira imperial. Enquanto isso, partidos como o PT e PCdoB espalham o mito de serem de esquerda.
O programa de reconstrução do Brasil deve priorizar a reindustrialização sob capital nacional e dar ênfase à defesa do País. O oposto do que acabam de fazer lideranças da Câmara dos Deputados desengavetando o acordo que cede aos EUA, potência balística, nuclear e imperial, a base de lançamento de foguetes em Alcântara.
Adriano Benayon - doutor em economia e autor do livro Globalização versus Desenvolvimento.
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