(Quase) a última crônica


De uns dias para cá tenho me dado conta de que também sou idoso. Que integro esse universo sob suspeita de minar os orçamentos públicos pelo crime de viver além dos cálculos atuariais, pelo que me flagro sob constante ameaça de amputações "saneadoras" destinadas a abolir velhas conquistas.
por Pedro Porfírio


Aos 70, pretendia virar as costas para o relógio biológico. Pequeno e barrigudo não costumava ver-me ao espelho, hábito que nunca cultivei mesmo imberbe.Dizia-me e aos demais que a idade está na mente. Pode até ser.

Mas pode não ser. As forças não são as mesmas. Por enfermidades presumíveis checadas em baterias de exames dissipa-se o brilho no horizonte. Pela sensação do tempo perdido em inúteis sacrifícios pretéritos aproximo-me de amargas constatações.

Já não sei nem se vale a pena exprimir o pensamento, pois não me consta que exista realmente alguém disposto a refletir sobre minhas perorações.


De repente, creio, a tela do computador tornou-se o meu espelho. Se há um ou outro interessado nos meus escritos será por exceção.

Até prova em contrário, perdemos o hábito de ler. E se lemos o fazemos por distração, procurando adequar o lido a ditos e valores anteriores.
Definitivamente, somos uma sociedade de descartáveis com obsolescência calculada, como disse na ONU o sábio José Mujica, meu paradigma, presidente uruguaio, do  alto dos seus 78 invernos.
Consola-me o óbvio: eu sou você amanhã. Mas não é de consolos compensatórios que o ser humano vive.

Nesses dias de dúvidas acumuladas, olho para trás e, ao contrário da grande maioria, digo que se tivesse que começar tudo agora não faria (quase) nada do que fiz, andando de um lado para outro em busca dos sonhos perdidos e, infelizmente, sepultados no túmulo das desilusões.  Pensaria, sim, como penso desde tenra idade. Mas seria mais prudente em cada passo.

Não que eu tivesse agido melhor se tivesse me rendido à sofreguidão do sucesso pessoal obsessivo. Não. Mas daí a um despojamento febril há um leque de alternativas.

Se ainda posso escrever no conforto material que me permite a palavra livre, incorrosível, devo mais à sorte do que ao cérebro, de fato formatado por larvas vulcânicas, sem o conhecimento do cálculo e da causa própria. 

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