Crônica dominigal de A. Capibaribe Neto

O homem que nunca chegava

Era como se as malas nunca fossem abertas. Mal chegava já estava de partida. Vivera uma vida de desencontros embora estivesse sempre em busca do porto definitivo. Queria chegar, ficar mais tempo, talvez a vida inteira, e precisava encontrar motivos, terreno fértil, plantar sementes, sentir as raízes procurando o fundo da terra para se agarrar, para se fincarem e não temer ventos, tempestades, raios, o que fosse. E chegava, e procurava até cansar. Depois, sentava e ficava ali, ao lado da mala surrada e da mochila onde carrega todos os retalhos da vida vivida e retalhada em mil partidas, em mil buscas e desencontros, na paz aparente de uma praça qualquer que se esvaziava quando a noite se espreguiçava para dentro da madrugada e via o dia raiar. E aí, escolhia uma rua qualquer que o levasse a uma avenida e a avenida se transformasse em estrada e desafiava um novo horizonte. Nunca olhava para trás. Aprendera isso com os indianos que se vestem apenas com um manto de cor laranja e caminham sempre para frente, sem jamais olhar para trás. 
O homem olhava, vez por outra, para ver se havia deixado rastros, pegadas, como se quisesse ser seguido, encontrado e aí, ter um motivo para parar, ficar mais tempo e, quem sabe, nunca mais se despedir de coisa nenhuma ou daquilo que encontrava, mas deixava para trás, como se nunca tivesse passado por ali, deixado o nome, um endereço... Podia ser chamado de andarilho, caminheiro errante, fugitivo, mas fugitivo de quê? 
Ninguém foge de lembranças, de saudades, de nomes de cheiros bons, de recordações marcantes. Ninguém foge da dor. Toda dor tem que doer até passar. Todo pranto tem de ser chorado até que sequem as lágrimas, até que acabe o motivo ou se descubra que também as dores, principalmente as das saudades, de uma benquerença que acabou de um lado, chegam a um fim. 
Ninguém determina que vai parar de sentir saudades ou de lembrar de um rosto ou de uma voz cheia de diminutivos carinhosos que se cansaram ou se esgotaram porque não tiveram eco ou, quando tiveram, já era tarde demais... Muitas vezes, negligenciamos e quando menos esperamos, pinga uma gota d'água que faz transbordar tudo. É a última, contra quem não existe força capaz de juntá-la, e fazer o tempo voltar. Não volta. Existe um homem assim dentro de cada um de nós. Estamos sempre fugindo, ou pelo menos tentando, até das verdades, das realidades, das consequências, mas a pior fuga é aquela que tentamos empreender para nos afastar dos arrependimentos. "O arrependimento quando chega, faz chorar, oi! Faz chorar... Os olhos ficam logo rasos d'água, e o coração parece até que vai parar..." - a música é velha, mas histórias assim são atuais, mesmo que a moda seja outra. 
O homem ficava sentado no banco da praça, olhando para um lado e para o outro, respirava fundo, segurava o rosto entre as mãos, vez por outra alguém via lágrimas cadenciadas se espatifarem no chão sujo e se misturavam a umidade do cimento ou logo eram absorvidas pela quentura de um dia escaldante. Depois, levantava-se, respirava fundo e ia embora. Não importava de onde tinha chegado e muito menos para onde estava indo. Só queria ir. Um dia chegaria ou ao lugar que já o esperava ou para as surpresas da vida que se escondem em cada novo amanhecer. 
O homem não sabia aonde haveria de chegar, mas nunca esquecia de onde havia partido e porque carregava sua história tão pesada em direção a nenhum lugar...

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