Torniquete vil


Quando um juiz passa por cima de práticas jurídicas, todos ficam expostos ao seu arbítrio

Atribui-se a Confúcio (551 a.C. - 479 a.C.) a fábula em que um chinês desabafava diante de moradores de um sobrado que jogavam água sobre ele: 

"Por que vocês me maltratam assim se eu nunca lhes favoreci?"
 
Pode ser tudo, a essa altura dos acontecimentos. Pode ser pessoal, pode ser mais uma explosão existencial, essa preocupação paranóica de negar a razão essencial de sua escolha simbólica para a cúpula de um poder incontestável. Pode ser mais uma encenação do histrionismo arrebatador, a frenética acolhida de um sentimento cristalizado numa numerosa turba que ainda não digeriu o protagonismo de quem se projetou nas greves operárias ou de quem ofereceu sua juventude ao combate naqueles dolorosos anos de chumbo. E que vai à revanche pelas idiossincrasias de uma outra ascensão inédita.  Pode ser mais grave, mas se for isso é arriscado especular a respeito. E pode ser também a terrível influência compensatória incensada pela mídia, com o mesmo fel que levou ao linchamento de uma mulher no Guarujá, em São Paulo, por conta de um boato de envolvimento e m sequestros de crianças.
 
O que pode ser preocupa, mas preocupa muito mais a configuração de um estado de direito personificado, no qual pretensos justiceiros agem seletivamente alvejando bodes expiatórios de maior visibilidade e enchendo os olhos de uma massa agoniada diante de uma corrupção tão espraiada, tão impune, tão abrangente, tão diversificada, tão desestimuladora.
 
Preocupa e assusta ao atribuir poderes absolutistas a um  juiz que não se assombra  diante do fantasma de dois pesos e duas medidas. Que persegue e esfola no exercício quase lúdico do torniquete vil, em castigos sequenciais, sob intensos fachos de luzes, encobrindo o contrabando jurídico de um processo em que quase todos os réus sentaram no banco errado, de propósito, conforme a encomenda conspiratória das vivandeiras sem tropas. Tudo, vale repetir para os desavisados, nos termos de um linchamento político inquisitorial, montado num passo a passo cronometrado por cérebros frios e calculistas.
 
Não é possível que só um único juiz conheça o espírito da lei. Nem que esse juiz o faça especificamente no caso de alguém que pode ter sido seu próprio padrinho na hora de uma decisão inconsequente, em "petit comitê", de supetão, tomada erradamente em nome de um resgate social inadequado.
 
Por que seu suposto zelo jurídico só foi invocado no único caso, logo daquele que pode ter acumulado informações prá lá de privilegiadas, que deve ser condenado também ao constrangimento do mais absoluto silêncio. E que foi escolhido pela mídia como o mais vulnerável, o maior receptáculo do ódio vingativo, num massacre punitivo que desconhece sua condição de advogado e que só se sacia quando ele é tratado como um assassino, um traficante, um criminoso da pior escória.
 
São atos contínuos de humilhação perversa que mostram um juiz com alma de ditador, que desconhece julgados aplicados desde 1999, normas em centenas de casos, e que não faz por menos: além de tentar dar vida a um artigo do Código das Execuções Penais de forma draconiana, já em desuso já 15 anos, ainda incursiona  no próprio questionamento do local de trabalho do condenado, numa peça tão autoritária que parece da lavra de Luís Antônio da Gama e Silva e Alfredo Buzaid, falecidos ministros da ditadura, ícones dos regimes de exceção.  
 
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