No futebol, costuma-se distinguir uma ‘falta necessária’ de uma ‘falta desnecessária’. A falta é tida por ‘necessária’, por exemplo, quando o zagueiro perde a bola e deixa o atacante rival na cara do gol. Troca-se o risco do cartão pela esperança de que o cobrador erre o chute ou o goleiro feche a trave.
A falta é ‘desnecessária’ quando se caracteriza pela maldade gratuita. Nesses casos, ainda que o juiz não flagre, a infração expõe o transgressor ao julgamento instantâneo da arquibancada.
Na Copa do Mundo, nenhuma falta foi tão desnecessária quanto a dentada que o uruguaio Luiz Suárez cravou, traiçoeiramente, no ombro do italiano Chiellini. O juiz deixou barato. Mas a execração do craque dentuço foi unânime e universal.
Pois bem. Nesta quarta-feira, Aécio Neves deu uma de Suárez. Desferiu uma mordida no recato dentro da grande área da peleja sucessória. Mostrou os dentes ao comemorar, diante de câmeras e microfones, o drible que dera em Dilma Rousseff, atraindo para sua coligação o governista PTB, partido do presidiário Roberto Jefferson.
Aécio reagia a um comentário de Dilma. Discursando horas antes na convenção do PSD de Gilberto Kassab, que confirmou a adesão à sua reeleição, a presidente da República criticara os políticos que firmam acordos por “conveniências” e não por “convicções”.
“É muito importante assumir e cumprir compromissos na política, isso é inegociável”, dissera Dilma, abespinhada com o fato de que alinhavara o apoio do PTB num almoço com a cúpula da legenda. Posara para fotos ao lado de personagens duros de roer, como Fernando Collor. E, no fim das contas, não levou o tempo de propaganda eletrônica do agora ex-aliado.
“Lealdade é uma das bases da política feita com grandeza”, queixou-se Dilma perante os convencionais do PSD, legenda nascida de uma costela do DEM. “Não é subordinação cega, é respeito mútuo e zelo pela palavra empenhada. Engana-se quem acha que essa espécie de esperteza funciona. Ela tem vida curta. Na vida política, não podemos prescindir do respeito e da civilidade”
Poucas vezes a questão de meios e fins foi tão presente como nessa fase em que os candidatos ao amor da República trocam caneladas na disputa pelo tempo de publicidade eleitoral no rádio e na tevê.
Dilma falou em “política feita com grandeza”, “convicções”, “respeito” e “civilidade” num dia em que, cedendo à chantagem do PR do mensaleiro Valdemar Costa Neto, passou na lâmina o pescoço do ministro dos Transportes, César Borges. É um “acinte”, atacou Aécio. É “a mercantilização da política.”
De fato, aumentar a vitrine eletrônica devolvendo ao PR o acesso às arcas dos Transportes é um abracadabra para a caverna de Ali-Babá. Mas como qualificar o conselho de Aécio aos silvérios do governo senão como outro acinte?
Submetido à frase do candidato mais bem-posto da oposição —“Eu digo para eles: façam isso mesmo, suguem mais um pouquinho e depois venham para o nosso lado”— o eleitor olha ao redor e fica tentado concluir que a eleição virou uma loteria sem prêmio.
Troca-se a ilusão de que é possível começar tudo de novo pela convicção de que o voto é apenas um equívoco incontornável que se renova de quatro em quatro anos. Não chega a ser uma sucessão presidencial. No máximo, muda o chefe dos vampiros. No mínimo, nem isso.
by Josias de Souza
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