Comendo o adversário
Zuenir Ventura, O Globo
Embora no Brasil ninguém mais coma ninguém por via oral, minha amiga Ceres costuma promover uma espécie de rito antropofágico nos dias em que a nossa seleção joga, com a degustação de pratos típicos do país adversário — não para absorver suas virtudes, como faziam os índios canibais, mas para secar o time.
Em geral dá certo, como deu esta semana com a Croácia. Depois de muitas pesquisas dos ingredientes, temperos e maneiras de cozinhar, foi oferecido o seguinte menu: “patiscada” (lagarto redondo, alho fatiado, bacon, cenoura e mais 15 componentes), “peka od hobotnice” (polvo cabeça limpa, com alho e batatas) “poriluk cuspajz” (alho-poró, toucinho defumado, batatas) e, como sobremesa, “povitica” (enrolado de nozes com farinha, gemas de ovo, semente de papoula).
Gostei mais da comida do que de tudo que o exigente “patrão Fifa” preparou, a começar pelo show de abertura, cafona e chinfrim, considerando que o Brasil, com festas como o carnaval e Parintins, já ensinou ao mundo como realizar emocionantes espetáculos populares.
Pior ocorreu com a cena em que um paraplégico conseguiu ficar de pé e chutar uma bola. Resultado de anos de estudos do neurocientista brasileiro Miguel Nicolelis, a experiência, prevista para o centro do campo, acabou acontecendo num canto e quase não foi vista, já que os organizadores cortaram o tempo da apresentação.
Também não gostei da seleção num jogo em que a vitória, apesar de merecida, não refletiu o equilíbrio entre as equipes. Se houvesse lógica no futebol, o resultado seria de 2 a 0, já que tanto o gol da Croácia, feito por Marcelo, quanto o do pênalti, cavado por Fred, foram, digamos, atípicos.
Ainda bem que houve compensações para o mau desempenho. A principal delas foi ver Neymar jogar. Nada se aproxima mais de uma obra de arte do que os dribles, os passos de balé, os movimentos corporais desse artista genial de 22 anos, que ainda por cima costuma transformar essa coreografia em belos gols.
Oscar. Foto: Marcos Ribolli
Se ele foi indiscutivelmente o melhor em campo, o segundo lugar coube ao injustiçado Oscar, que calou os que queriam barrá-lo. Foi quem mais desarmou os adversários, segundo estatística do jogo, quem deu o passe para um dos gols de Neymar e quem fez o seu de bico. Se, como todo mundo diz, o importante é o resultado, que a seleção continue assim.
Um destaque para o que aconteceu fora do gramado no Itaquerão. A torcida demonstrou que é possível gostar de futebol e criticar a Fifa e o governo. Em seis cidades-sede houve manifestações de pequenos grupos com violência e vandalismo, resultando em 17 feridos e 70 detidos.
Será que esses protestos tiveram o efeito das vaias e xingamentos que o estádio dirigiu à presidente Dilma e a Joseph Blater, e que foram vistos e ouvidos por milhões de pessoas em todo o país?
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