Qual foi a última vez que você ouviu um homem fazer esta simples pergunta a outro homem? Crianças a fazem todos os dias no parquinho, mas, em algum ponto do ensino fundamental, os meninos param de fazer esta pergunta – a questão rapidamente se torna um convite para sarcasmo, rejeição e zombaria. Imagine que um sujeito chamado João vá a um bar com um grupo de homens colegas de trabalho. Um dos caras diz, “João, este é o Beto”. Eles conversam por um tempo e, então, João diz com alegria: “Beto! Que prazer te conhecer. Gostei de ti. Quer ser meu amigo?”.
Corta. Ao redor da cena, olhares abismados. João acabou de violar a regra tácita do “don’t ask, don’t tell” (Não pergunte, não conte). Não admita que você anseia por ou precisa de amigos. Não admita que você precisa de qualquer coisa. Seja confiante. Seja autossuficiente. Só quem não precisa de amigos é digno deles.
A pergunta que homens não querem fazer
A razão por que a maioria dos homens jamais solicitaria amizade diretamente a outro homem é que, desde meninos, temos pouca ou nenhuma oportunidade na vida para aprender esse tipo de tomada de risco. Esses momentos criam incertezas agonizantes para os homens. Pedir por amizade sugere vulnerabilidade, uma posição social flexível e até mesmo a disposição de admitir as necessidades. Todos estes valores condenados sem rodeios.
Desde cedo, os homens são ensinados a obter acesso às amizades de forma enviesada, agrupando-se em grupos, times ou organizações claramente definidos. Para os estadunidenses, as oportunidades para contato social surgem nos escoteiros, em times de beisebol ou nas escolas. Esse tipo de organização social alinha grandes grupos e ensina os garotos a seguir regras claras e simples de como se comportar enquanto menino. Algumas organizações, como os escoteiros, chegam a distribuir pequenos manuais impressos pelos quais se pode determinar posição, status, comportamento e formas adequadas de expressão.
Dentro dessas organizações, até aqueles com dificuldades de socialização são aceitos, ainda que de forma mau humorada, independentemente de suas posições sociais. Rapidamente, os meninos aprendem a se posicionar. Os alfas no topo, os desajustados sociais ou meio nerds lá embaixo. Também rapidamente, esses meninos aprendem que o avanço na organização não requer as habilidades complexas da compreensão de nuances ou de lidar com incertezas. Correr riscos sociais não é recompensado. Para ficar no topo, basta a aplicação da confiança, da autoafirmação e uma disposição para exercer a masculinidade de acordo com as normas.
A associação dos meninos a essas organizações ensina uma expressão de identidade social simplificada. Por extensão, as amizades formadas nestes espaços são, também, expressas de formas restritas ou simplificadas. São amizades que promovem a conformidade e desencorajam a autenticidade entre as pessoas.
Segurança em primeiro lugar
Na idade adulta, os homens continuam a procurar amigos nos contextos seguros e altamente conformistas do trabalho, esportes coletivos, igrejas ou conexões familiares e sociais de suas esposas. Ficam amigos dos pais que conhecem em reuniões de pais e mestres. Amparam-se em clubes, nas repúblicas universitárias ou na tropa de escoteiros do filho. Conectam-se pelas organizações a que pertencem e buscam amizades por meios aprovados coletivamente.
Uma vez que tais amizades são fundadas em instituições, os homens acabam mantendo muito do que lhes é peculiar escondido, atendo-se à cultura daqueles grupos. Isso causa um elevado grau de homogeneidade na expressão e manutenção das amizades masculinas. José é meu amigo porque José vem ao boliche todas as semanas, e não porque José é alguém com quem eu me conecto em qualquer outro nível. Esse tipo de amizade, livre de riscos e baseada em proximidade, pode causar desconexão, fazendo com que o homem se esconda ou se frustre emocionalmente. A conformidade organizacional garante o pertencimento, mas não a expressão.
É por isso que, para os homens, quando a participação numa organização acaba, muitos dos relacionamentos ou amizades embutidas nestas organizações também terminam – a não ser nos casos em que os vínculos emocionais já se desenvolveram.
A autenticidade emocional é a cola que mantém as amizades coesas. Sem ela, as amizades são superficiais ou frágeis demais para sobreviver além da mera conveniência.
Bem-vindo à Caixa do Homem
Na ausência de emoções reais, os homens se tornaram homogêneos ao se expressarem. Essa igualdade encoraja que eles vivam, por vontade própria ou não, no que muitos escritores chamam de Caixa do Homem. A Caixa do Homem é um conjunto de expectativas rígidas que definem o que é “um homem de verdade”, especialmente na cultura estadunidense. É ele que ganha o pão. Ele é hétero. É apto com o corpo. Joga ou assiste esportes. É o participante dominante em qualquer troca. É um bombeiro, advogado ou CEO. É homem com H.
Quem decide o que significa “Homem que é homem...”?
Quem decide o que significa “Homem que é homem…”?
Um homem propõe sexo com uma mulher e aceita um “não” sem perder a pose. Um homem tenta convencer um cliente a comprar um produto e recebe um “não”, mas isso faz parte. Porém, pedir a outro homem “por favor seja meu amigo”, representa um risco social que é assustador demais para se tentar. Isso porque, no momento em que faz essa pergunta, o homem fracassou em ser o que se espera de todos os homens. Ele fracassou em ser, e preste bem atenção na palavra que usarei aqui, competente.
Os homens se movem em círculos de competência. A aptidão é um componente central para o posicionamento dos homens nas instituições em que confiam para conexão social – seja nos esportes, no trabalho e em qualquer churrasco de garagem ou quintal. Nos aproximamos uns dos outros não apenas em termos de interesses comuns, mas em termos de nossas habilidades nessas áreas. Importa, e muito, saber como fazer.
Além disso, só nos aproximamos uns dos outros com nossas questões pessoais bem amarradas e completamente formadas. Somos bem-sucedidos, inteligentes, felizes e cheios de conselhos sobre como fazer corretamente o que precisa ser feito. Por conseguinte, temos muitas amizades que já surgem prontas, nascidas magicamente de nosso charme e carisma masculinos naturais.
Treinados para nos esconder na barganha
O foco na competência anda junto com a crença de que nossas chances de sucesso aumentam quando alavancadas por algo que podemos usar em nosso favor. Nossa posição na empresa. Nosso sucesso financeiro. Nossa habilidade no golfe. Nossa disposição em avançar as metas da organização. Algo mais do que o simples fato de ser quem somos.
Abrimos a conversa com “você vai querer ser meu amigo pelas coisas que posso conseguir para você, não por minha pessoa em si” e levamos essa mesma dinâmica para os relacionamentos românticos, geralmente começando com a história de que somos bons provedores. É por isso que pagamos pela refeição no primeiro encontro ou enraizamos os hábitos de abrir portas e prestar serviços para as mulheres. No fundo, nós nos preocupamos em não ser suficientes sem o elemento financeiro ou da prestação de serviço. Ou, pior do que isso, nos preocupamos por que queremos manter diversos elementos de barganha em qualquer relacionamento que começamos.
De todo modo, isso diz respeito à insegurança masculina. Essa insegurança nasce do fato de que nunca nos foi ensinado a usar as emoções de nosso verdadeiro eu. Para entrar nesse mundo, ao invés de oferecer quem somos como seres humanos, estabelecemos um padrão cíclico no qual se espera sempre que os homens tragam, contribuam, produzam, provenham.
De forma a evitar a vulnerabilidade, somos convencidos de que é mais fácil comprar a entrada nos relacionamentos como se faz em uma transação. Nos oferecer é assustador demais e, coletivamente, criamos os homens para que sejam inseguros a não ser que possam jogar suas vantagens na mesa (tanto os homens quanto as mulheres participam desse ciclo de supressão emocional que atravessa várias gerações. É pagar para brincar).
Assim, tiramos nossas histórias pessoais do foco e dispomos nossas competências, nossas redes e nossas narrativas alfa em seus lugares. E se as amizades masculinas dizem respeito exclusivamente à confiança e competência, não podem, por definição, serem muito autênticas: ninguém é competente em tudo. Ninguém está totalmente livre de incerteza ou confusão.
Um brinde à você, meu amigo. Mas só por que você é foda.
Um brinde à você, meu amigo. Mas só por que você é foda.
Incerteza = Coragem = Amizade
Quando se compartilha a incerteza, começamos a fazer perguntas maiores. E é nessas conversas em que o homem fala com honestidade. Se engajar na incerteza é a forma mais elevada de coragem e, ao fazer isso, nos movemos na direção de certezas mais profundas e duradouras.
Se as amizades nas vidas dos homens parecem superficiais e transitórias, é porque muitos destes relacionamentos existem sem riscos emocionais e, como tais, lhes falta autenticidade. E a autenticidade é o que mantém as amizades mais profundas por mais tempo.
Por isso eu, por exemplo, estou buscando amizades por meios mais individualizados e diretos – fora de minha rede imediata, onde todos que encontro são parecidos comigo. Vou buscar amizades fora de minhas zonas de conforto. Vou me arriscar, já que o panorama insosso da conformidade social não é e nunca foi suficiente para mim.
Se eu receber um “não obrigado”, vou só seguir em frente e continuar tentando. Não vou mais iniciar minhas conversas com algo que se meça em valor. Não vou usar minha rede. Não vou usar minhas conexões. Não vou usar minha capacidade de obter aprovação ao me conformar com um conjunto de expectativas ou objetivos comuns.
Acima de tudo, estou apenas oferecendo a mim mesmo. Eu mesmo. Porque me orgulho de quem sou. Chegar aqui demandou um bocado de sangue, suor e lágrimas. E não vou esconder tudo isso só para garantir que os outros se mantenham confortáveis em suas escolhas.
Acima de tudo, quero viver uma boa vida. Quero correr riscos. Quero ser quem estou me tornando. E continuar a fazer amigos mais legítimos, com emoções verdadeiras.
Nota do editor: Este texto foi originalmente publicado no Goodmenproject.com e traduzido por nós com autorização do autor.
Mark Greene você pode segui-lo em @megaSAHD.