Tá mais que na hora do ministro Gilmar Mendes devolver projeto
por Marcio Valley
Passadas as marchas pró e contra o governo, é hora de nós, brasileiros e brasileiras, nos juntarmos para, sem coloração partidária, sem ressentimentos e sem rivalidades mesquinhas, promovermos ações políticas coletivas que estejam acima de qualquer suspeita de ambos os lados.
Tanto nas passeatas do dia 13, como nas do dia 15, era imenso o número de pessoas portando cartazes e faixas contra a corrupção. Trata-se, pois, de uma agenda política de todos os brasileiros. Que tal representantes de ambos os lados da disputa política, como, por exemplo, Lobão e Stédile ou FHC e Lula, demonstrarem que não se limitam à retórica emocional dos palanques? Que estão dispostos a abraçar uma causa objetiva e concreta que possui amplas possibilidades de produzir algum efeito positivo em nossa política?
A partir dessa repugnância à corrupção demonstrada por todos e dadas as informações que são reveladas a partir da Operação Lava-Jato, a primeira dessas ações concretas que merece ser abraçada parece ser o financiamento privado das campanhas políticas. E nem há necessidade de produção de projeto de emenda constitucional ou de lei de iniciativa pública. Já há uma interpretação jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal prontinha para entrar em vigor. Basta apenas exigir que Gilmar Mendes cumpra o seu dever constitucional, como integrante do Poder Judiciário, de impedir ou mitigar os conflitos sociais. Juiz não existe para produzir questões, mas para resolvê-las.
Gilmar Mendes, Ministro do STF, pediu vistas e está há quase um ano sentado no processo que decidirá o fim do financiamento privado das campanhas políticas. A votação já estava decidida, por 6 votos favoráveis e um contrário, pelo fim do financiamento privado. Ou seja, a vista pedida pelo Ministro, em princípio, aparenta constituir somente uma manobra para postergar a decisão e, assim, dar tempo ao Congresso para que produza uma emenda constitucional que permita o financiamento das campanhas por pessoas jurídicas.
Entretanto, a partir dessas manifestações populares de sexta-feira e de domingo, não há a menor possibilidade de o Congresso produzir qualquer emenda ou lei nesse sentido. O clima pesou. Um projeto de lei nesse sentido colocaria todos na rua novamente.
Se o clima para o Congresso evitar o fim do financiamento privado acabou, por quanto tempo Gilmar Mendes irá permitir, sozinho, contra os demais ministros do Supremo, que as empresas continuem a doar milhões para seus candidatos?
Se não estamos numa monarquia absolutista, que tipo de democracia autoriza que uma pessoa, por sua vontade autocrática e arbitrária, contrarie a manifestação de vontade de um Poder da República e também de seus cidadãos, que foram às ruas demonstrar insatisfação?
O financiamento empresarial é uma distorção, uma aberração da democracia, baseada numa interpretação degenerada do sentido de liberdade.
Liberdade é um direito sagrado cujo conceito não pode ser interpretado de forma a provocar sua própria limitação. A liberdade de participar da democracia é voltada para o cidadão, não para as empresas. A entrada de pessoas jurídicas no processo político inferioriza o cidadão, dado que seu poder financeiro é infinitamente menor. Desse modo, entender que a liberdade de participar do processo político alcança as empresas significa reduzir a liberdade do cidadão de influir na democracia, o que é um contrassenso.
A democracia é voltada diretamente para o bem estar das pessoas físicas e somente reflexamente atinge as pessoas jurídicas, o que ocorre através da ação política de seus gestores.
No que concerne aos direitos políticos, contudo, é bom lembrar que empresas não são eleitores, não votam, quem vota são seus proprietários e gestores.
Pode-se argumentar que as empresas possuem interesse nos rumos da política e da economia. Claro que possuem. Ainda assim não podem influenciar tais rumos, que devem ser ditados pelos cidadãos. Não se perca de vista que toda propriedade está submetida ao interesse público e deve ser impregnada de função social. Trata-se de princípio constitucional. Como submeter a propriedade ao interesse público e à sua função social se é dado ao proprietário o poder de impedir essa ação?
O ingresso de empresas na ação política direta, através do financiamento privado das campanhas, desequilibra a democracia ao valorizar o voto dos administradores das empresas, que podem, através delas, pavimentar o caminho dos candidatos que eles escolherem, reproduzindo, no mundo moderno, uma excrescência do passado: o voto censitário. O voto censitário se caracterizava pela limitação do direito de voto somente a pessoas que possuíssem uma determinada renda, muito alta, do que resultava que a grande maioria da população não podia escolher os mandatários.
Hoje a situação é a mesma. Todos podemos votar, mas nossos votos não possuem, todos, o mesmo valor. Um candidato que receba vários milhões de reais de alguém para financiar sua campanha terá chance de sucesso na eleição muito maior do que o candidato do povo, que nada receberá ou, quando tiver sorte, conseguirá um valor comparativamente muito inferior.
E é claro que o candidato do empresário não estará preocupado com as demandas do povo, mas sim em atender os interesses do empresário que financiou sua campanha, afinal, daqui a quatro anos haverá nova necessidade de financiamento e ele estará lá de novo, esperando na sala de espera do empresário para implorar por recursos, parte do qual, como sabemos, irá diretamente para o seu bolso através do caixa 2 das campanhas.
Esperemos que essas passeatas tenham simbolizado o fim da emoção da disputa eleitoral que ainda não cessou.
Chegada ao fim a eleição e tendo o povo demonstrado sua capacidade de articulação, com milhões e milhões ido às ruas manifestar irresignação, é hora de exigirmos medidas concretas que materializem o desejo manifestado nas ruas.
E, para início de conversa, podemos todos enviar cartas e e-mails para o presidente do STF exigindo a colocação do processo novamente em pauta.
A mensagem deve ser simples e direta: “Devolve o processo, Gilmar!”
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