O deputado Paulo Pimenta (PT/RS) deu ao Blog do Zé Dirceu uma entrevista sobre a Operação Zelotes, deflagrada pela Polícia Federal em março. A Operação Zelotes investiga um esquema bilionário de fraudes no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), em que conselheiros davam pareceres a escritórios de advocacia para reduzir as dívidas de empresas com o fisco, em julgamentos manipulados sobre os débitos — e ficavam com uma parte dos recursos que as empresas deixavam de pagar. Muito dinheiro: os valores sob investigação somam R$ 20 bilhões.
Pimenta é relator da subcomissão da Câmara criada para acompanhar as investigações. Na semana retrasada, por sua iniciativa, o procurador Frederico Paiva, chefe da força-tarefa do Ministério Público Federal para o caso, foi ouvido na Comissão de Fiscalização Financeira e Controle da Câmara. Na semana passada foi a vez dos delegados da Polícia Federal encarregados da investigação participarem de audiência pública na comissão. Esta semana, o deputado vai fazer uma representação ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ) para que seja instaurado um procedimento de investigação de possíveis irregularidades, por parte do Poder Judiciário, na condução das investigações.
Na, o deputado explica o que é a Operação Zelotes e qual a diferença de tratamento, por parte do Poder Judiciário e da imprensa comercial, entre esta investigação e a da Operação Lava Jato. Vale a pena ler, entender — e apoiar para que neste caso não prevaleça, mais uma vez, a impunidade.
Paulo Pimenta — A Operação Zelotes foi deflagrada em março pela Polícia Federal, com o Ministério Público Federal e a Receita, para apurar fraudes no Carf (Conselho Administrativo de Recursos Fiscais). A partir de uma denúncia anônima que a Polícia Federal recebeu no final de 2013, foi iniciada uma investigação que descobriu um escândalo bilionário de sonegação fiscal dentro do Carf. Os valores sob investigação somam R$ 20 bilhões, quantia três vezes maior que a apurada na Operação Lava Jato. Mas é bem provável que muitos leitores nunca tenham ouvido falar na Operação Zelotes porque há uma tentativa de abafar esse caso, especialmente por parte da mídia tradicional do país.
O que a operação investiga?
A Zelotes investiga o maior esquema de sonegação fiscal já ocorrido no Brasil, envolvendo grandes empresas, escritórios de advocacia e empresas de consultoria. A Polícia Federal apura a manipulação de resultados que teriam ocorrido no Carf, órgão do Ministério da Fazenda criado para julgar os litígios tributários entre o Fisco e os contribuintes.
Como funciona o Carf?
Trata-se de um conselho que do ponto de vista tributário é a última instância para julgar esses litígios com o Fisco. É composto por 216 conselheiros, sendo metade servidores da Receita Federal e a outra metade por integrantes da sociedade civil. Pelo que se sabe agora, graças à operação, o Carf é uma estrutura totalmente viciada, sem qualquer transparência. De acordo com os investigadores, não há sequer registro das atas das reuniões, dos julgamentos. Os processos, que segundo o próprio regimento do Carf estabelece, que deveriam ser por sorteio, eram distribuídos, na verdade, por “afinidade”.
Sem motivos, conselheiros pediam para mudar de turma para atuar em determinados processos. Famílias inteiras de advogados foram selecionadas para fazer parte do Carf. E o mais curioso de tudo isso é que o trabalho era totalmente voluntário. Não havia qualquer remuneração para o desempenho desse trabalho. Portanto, tínhamos advogados, em Brasília, no auge de sua capacidade intelectual, indo “trabalhar de graça” para o Estado brasileiro.
Como funcionava o esquema de sonegação?
Empresas com débitos fiscais com a Receita Federal, cujos processos corriam no Carf – a última instância de julgamento para esse tipo de processo – buscavam, ou a elas era oferecido, um “trabalho de consultoria” para reduzir ou até anular o valor da dívida. Por exemplo, uma empresa que seria julgada por uma dívida de R$ 100 milhões buscava integrantes da quadrilha que possuíam influência junto aos conselheiros do Carf. Era acertado o resultado do julgamento, e a dívida da empresa caía de R$ 100 milhões para R$ 1 milhão. Posteriormente, essa empresa pagava um determinado valor, que na verdade era uma propina, à empresa de consultoria, que esquentava o dinheiro e repassava parte aos conselheiros do Carf que tinham atuado para manipular o resultado do julgamento.
Mas… negociar débitos com o Fisco é crime?
Na verdade o crime era quando esses grupos criminosos agiam para manipular os resultados dos julgamentos, com a finalidade de anular valores parciais ou totais das dívidas das empresas com o Fisco.
O que acontece com o dinheiro que deixou de ser pago?
Para que esses recursos possam ir para os cofres públicos, como deveria ser originalmente, será necessária a anulação dos julgamentos manipulados pelos conselheiros do Carf, a partir da comprovação da prática dos crimes, que deverá ocorrer em razão do trabalho feito pela Polícia Federal e pelo Ministério Público Federal. Posteriormente, deverão ser realizados novos julgamentos.
Quais são as empresas envolvidas?
Estão sendo investigadas empresas como Gerdau, RBS, Mitsubishi, Ford e bancos como Santander, Safra, Bradesco e Boston, entre outras.
Há estimativa de perdas para os cofres públicos?
De acordo com as investigações, há uma estimativa de prejuízo para os cofres públicos de R$ 20 bilhões, nos processos em que há suspeita de manipulação dos julgamentos.
Em que pé estão as investigações?
Nessa primeira fase, o Ministério Público Federal vai apresentar denúncias contra cerca de 20 empresas, que desviaram um total de R$ 5 bilhões dos cofres públicos. São grandes valores e grandes empresas, que têm um enorme poder econômico e político, um conjunto de relações de influência no Poder Judiciário.
Qual o papel do Poder Judiciário nas investigações?
O Poder Judiciário tem sido omisso em relação à operação. Para se ter uma ideia, o MPF e a PF pediram à Justiça a prisão de 26 pessoas. O pedido foi negado. Foi feito um pedido de reconsideração, sustentando que a prisão das pessoas envolvidas era fundamental para que não houvesse destruição de provas e também para que não houvesse combinação depoimentos. A Justiça novamente negou o pedido. Durante a investigação, a PF pediu a renovação das escutas telefônicas e telemáticas. O pedido foi negado. Alguns pedidos de busca e apreensão também foram negados por parte da Justiça. Por fim, a Justiça ainda decretou o sigilo das investigações, impedindo a sociedade e ter acesso ao caso. Se comparamos com a Lava-Jato, há um comportamento totalmente diferente. Por isso vamos fazer, na próxima semana, uma representação ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ) pedindo a instauração de procedimento para apurar possíveis irregularidades na prestação jurisdicional na 10ª Vara Criminal Federal do DF.
Houve uma diferença grande entre o que o procurador Frederico Paiva falou na audiência sobre a operação e os relatos da imprensa — que optaram por destacar que “90% dos investigados podem sequer ser acusados”. Esta abordagem da imprensa dá a entender que há fragilidades na investigação. Há fragilidades?
Há uma imensa tentativa da imprensa brasileira de desqualificar a Operação Zelotes, assim como o episódio do Swissleaks do HSBC. São bilhões de reais que foram sonegados, mas esses assuntos são praticamente ignorados pela mídia. A estratégia da imprensa foi optar por uma linha de tentar de desqualificar o trabalho de investigação da Polícia Federal e do Ministério Público.
É natural esse comportamento da mídia, pois tanto na Zelotes como no caso do Swissleaks a imprensa não sabe até onde as investigações podem chegar, e em quem poderá chegar. O que se sabe é que nesses dois escândalos bilionários de sonegação há empresas de mídia envolvida.
As estratégias da mídia são velhas conhecidas. O que há de novo é que, agora, eles não conseguem mais impedir que o público tenha acesso às informações de que os grandes grupos de comunicação estão envolvidos tanto no Swissleaks quanto na Zelotes, que apuram sonegação fiscal, corrupção, tráfico de influência e lavagem de dinheiro.
Infelizmente, a imprensa brasileira trabalha os casos de corrupção não a partir do ato em si, mas sim a partir de quem praticou a corrupção e quem está envolvido nesses escândalos. Só depois desse filtro, dessa censura prévia, e só depois de verificar se não irá atingir interesses dos grupos econômicos influentes, é que a imprensa decide qual o tamanho da cobertura jornalística que dedicará, ou, então, se irá sumir com esses fatos do noticiário. A mídia conhece, mais do que ninguém, os limites da sua liberdade de expressão, até onde pode ir e sobre o quê e quem falar.
Por que, na sua opinião, o tratamento para esta operação, na mídia, é tão diferente do tratamento dado à Lava-Jato?
Basicamente, por que não se trata de um escândalo político. São empresas privadas, anunciantes da própria mídia ou até mesmo grupos de mídia que estão envolvidos. Infelizmente, um segmento importante da classe média, da elite brasileira e até parte da imprensa sustentam a tese de que sonegar é um ato aceitável. Nessas últimas manifestações, pessoas saíram às ruas com cartazes dizendo “sonegar é legítima defesa”. Eles não só aceitam, praticam como defendem que a sonegação é uma tentativa de burlar o Estado, e jamais tratam isso como corrupção.
Então, escândalos como o do HSBC, que na grande maioria dos países recebeu chamada de capa dos principais jornais e que é tratado como um escândalo como de dimensões mundiais, no Brasil recebe um tratamento absolutamente superficial, secundário. As pessoas precisam entender o que está acontecendo para apoiar e amplificar o esforço que estamos fazendo e nos ajudar a impedir que este caso seja abafado e que a impunidade prevaleça.
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