É cediço que a Lava Jato conseguiu ultrapassar todos os limites da legalidade http://jornalggn.com.br/blog/fabio-de-oliveira-ribeiro/como-as-delacoes-seletivas-seriam-julgadas-em-atenas-por-fabio-de-oliveira-ribeiro. De maneira geral, os abusos cometidos por Sérgio Moro vinham sendo confirmados pelas instâncias superiores. O ponto de inflexão, creio, ocorreu esta semana no momento em que, ao revogar algumas prisões abusivas determinadas no ambito da Lava Jato, o STF admoestou severamente o juiz de primeira instância http://www.conjur.com.br/2017-abr-26/stf-deixou-claro-moro-passou-limites-afirma-gilmar-mendes.
A controvérsia jurídica se torna uma peça de ficção. De um lado temos o juiz que assassinou o Direito mandando prender suspeitos para obter delações mediante coação e selecionando quais delatados seriam protegidos e quais seriam triturados inclusive mediante vazamentos à imprensa. Do outro o STF, que também tinha assassinado o Direito para permitir que a inocente Dilma Rousseff fosse deposta por uma quadrilha de ladrões liderada pelo vice-presidente mafioso que, além de ter assinado decretos semelhantes àqueles que foram chamados de pedaladas fiscais (desculpa dada para a cassação do mandato da presidenta), recebeu um cheque de propina nominal em sua conta-corrente.
No filme The Fly (1958) a personagem Helene Delambre admite que acionou a prensa que esmagou a cabeça do marido. Enganada pelo cunhado, ela revela o motivo do crime: Andre Delambre havia sofrido um acidente no laboratório e se transformado num monstro (um homem com cabeça de mosca). O policial não acredita na história, mas quando tenta cumprir o mandado de prisão ele vê a mosca com a cabeça de André gritando por socorro quando está prestes a ser devorada por uma aranha. Horrorizado, ele mata a mosca e desiste de prender a protagonista, pois ele mesmo teria cometido um crime semelhante ao de Helene. A morte do cientista é considerada um suicídio e a história da mosca é convenientemente esquecida.
A ficção proporciona a flexibilização do Direito Penal. Os dois homicídios são justificados pelo fato de que matar algo que deixou de ser inteiramente humano (ou que é parcialmente inseto) não pode ser considerado crime.
No caso brasileiro estamos diante de dois juízos que assassinaram o Direito por razões distintas. O resultado, contudo, é o mesmo: a absoluta insegurança jurídica. Assim como Sérgio Moro considera irrelevante cumprir e fazer cumprir as regras legais que o impedem de fazer o que quer, o STF resolveu considerar irrelevante apenas uma parte das irregularidades cometidas pela Lava Jato apesar de toda a operação ter fornecido o contexto histórico e o verdadeiro fundamento político para o impedimento de Dilma Rousseff.
Portanto, no Brasil uma ficção também proporcionou a flexibilização do Direito Penal. Inocente, Dilma foi condenada pelo Senado com ajuda do STF (que se recusou a afastar o bandido Eduardo Cunha antes dele mandar processar o Impedimento mediante fraude) para que o culpado Michel Temer pudesse chegar ao poder com a ajuda da operação que desde o início chegaria nele. Não por acaso, os delatores afirmam agora ter pago propina ao usurpador.
O mal produzido pela flexibilização do Direito Penal em The Fly, contudo, é apenas potencial. Afinal, desde que o filme foi lançado em 1958 nenhum avanço científico produziu monstros cuja vida e morte acarretasse um debate jurídico semelhante àquele que foi ficticiosamente proposto.
A mesma coisa não pode ser dita de Sérgio Moro e do STF. O mal que ambos produziram ao país já pode ser economicamente quantificado (recessão, aumento do desemprego, queda de arrecadação). A credibilidade do sistema político e jurídico do Brasil foi completamente destruída e levará décadas para que os brasileiros e os estrangeiros possam se sentir seguros num país em que o Direito Penal é maltratado pelas autoridades encarregadas de protegê-lo contra os arroubos de autoritarismo, populismo, voluntarismo, amadorismo e perversidade partidarizada.
Tudo bem pesado, The Fly (1958) tem uma grande lição a ensinar à Lava Jato e ao STF: a flexibilização do Direito Penal só é plausível e desejável no cinema. Na vida real ela deve ser evitada porque produz distorções duradouras e desastrosas.
"Quem não luta pelos seus direitos, não é digno deles", Rui Barbosa
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