Tempos bicudos, por Marcos Augusto Gonçalves
- É com imensa satisfação que venho suprir (mesmo que seja por apenas um dia) a ausência do ex-senador Aécio Neves (Psdb/MG) neste espaço que final e felizmente, se despede. Aliviando assim o leitor de suas chorumelas, e o país de uma fraude moral e política que obteve honrosos mais de 51 milhões de legítimos votos na eleição presidencial de 2014.
Acompanho com cautela o fundamentalismo messiânico do juiz Sergio Moro e sua força-tarefa, mas não há como escapar de certo contentamento ao ver cair a máscara desse séquito de hipócritas e heróis do povo brasileiro -à esquerda e agora, finalmente, à direita- que vai sendo apanhado no exercício de atividades incompatíveis com o espírito republicano e contrárias aos interesses dos brasileiros.
Nesse cenário, não deixa de chamar a atenção que o presidente Michel Temer venha merecendo a advocacia de setores da opinião pública com o intuito de desqualificar ou minimizar as denúncias que vieram à luz com a delação do desembaraçado rebanho de executivos do grupo JBS.
Que a peça de Rodrigo Janot tem fragilidades, não se discute. Mas como bem notou o colunista Hélio Schwartsman, na última sexta-feira (19/5), em que pesem as ambiguidades jurídicas, há um contexto que não deixa dúvida sobre do que se trata.
Sempre se pode, como no caso de Aécio, fingir que não é bem assim, mas o tempo muito provavelmente se encarregará de demonstrar o que já se sabe. Temer não reúne condições morais e não tem apoio da população para governar.
Duas vezes aliado do PT em chapa presidencial, trocou de lado, como é habitual na malta que o PMDB congrega, para tentar "estancar a sangria" e ser fiador de uma mudança na economia -que, de resto, se fazia necessária.
Lamentável é que o esforço de recuperação da racionalidade econômica tenha prosperado em meio a uma conspiração e de costas para o povo.
É certo que o Brasil precisava de um ajuste fiscal e precisa de uma reforma da Previdência, mas se escolheu para atingir esses objetivos uma trilha sombria em seu desprezo pela legitimidade política, em sua aversão a qualquer medida de justiça tributária e em seu descaso por contrapesos distributivos.
Chegou-se ao ápice do economicismo elitista ao se elevar à categoria de virtude o fato de o presidente não gozar de nenhuma popularidade -circunstância que atingiria o grau de perfeição num regime ditatorial.
E agora? Veremos uma onda de adesão às diretas que as elites até aqui se recusaram a considerar? Defenderemos a Constituição, facultando ao Congresso desmoralizado a escolha de um novo fantoche? Ou quem sabe seguiremos ladeira abaixo com o pato manco? Veremos. Como dizia-se antigamente, tempos bicudos.
na Folha de São Paulo*