O que o Edy do Pinochet tem a ver com a calça [cu] de [dos] Bolsonaro?
As pessoas que estão compartilhando fofocas sobre um suposto romance do Carlos Bolsonaro com o primo estão esperando o que para entender que isso é muito estúpido? Querem ofendê-lo? Atingir o pai com o "defeito" do filho? Estão competindo pra ver quem é mais quinta série? Ou resolveram jogar fora a máscara de defensores da diversidade pra mostrar que no fundo vocês também não gostam de viado e se ele for mesmo gay deve ser escrachado publicamente?
Não estou defendendo a privacidade do cara, a quem eu também considero repugnante como pessoa pública. Mas não pode ser mais embaraçoso ver companheiros autoproclamados "de esquerda" nessa fofoca! E não só por não haver coisa mais fascista do que tirar alguém do armário à força (quem quer que seja), mas principalmente pelo que significa toda essa insinuação. Um cara que propaga ideias nazistas virar alvo de investigação online sobre uma possível homossexualidade? Onde querem chegar com isso?
Exemplifico com uma notícia que oportunamente coincide com esse fuxico que está rolando no Brasil: foi anunciada a publicação de um livro que reunirá supostas cartas trocadas entre Augusto Pinochet, o ditador chileno, com o senador e ideólogo de direita Jaime Guzman. O livro "denuncia" que ambos teriam vivido um romance. Os trechos divulgados das cartas são de cair o queixo. "Torturaria comunistas só para ver-te sorrir", "Mi Hitler criollo", "Logo nos veremos e será como um tiro na cabeça" "Com muito afeto, seu Ditador".
Pessoas "de esquerda" aqui no Brasil (muitas públicas, inclusive) se apressaram em compartilhar a notícia com comentários de psicologismo leigo sobre a relação entre a sexualidade reprimida e a violência sanguinária do maior genocida das ditaduras latino americanas do século XX. Sério, gente? Ele derramou rios de sangue só porque não gozou gostoso? Conte-me mais...
Pergunto: a que serve historicamente comprovar-se a homossexualidade em um homem desses, senão eximir de responsabilidade todas as forças políticas e sociais que o sustentaram? Não foi então por pressão das elites econômicas chilenas, dos grandes empresários e da igreja que derrubou-se o governo popular de Salvador Allende? Não foi pela continuidade da Operação Condor sobre as Américas que os EUA enviaram seus aviões para bombardear o Palácio La Moneda com o presidente dentro? Não foi sob a desculpa da "ameaça vermelha" que o Chile impediu o avanço de políticas sociais? Não foi por ódio aos pobres? Pela exploração do cobre e do salitre? Pelo alinhamento ao imperialismo norte americano?
Digam então a uma mulher cujo filho tenha sido estripado e jogado de um avião no meio do oceano que na verdade o problema é que o Pinochet queria dar pro coleguinha e não rolou! Convençam a História de que as mais de 80 mil pessoas presas, torturadas e/ou mortas o foram graças aos problemas sexuais de um único homem. Então as mulheres estupradas, crianças desaparecidas, fome, miséria, a entrega de riquezas naturais e a destruição nacional entram na conta do trauma sexual da maricona? Me poupem!
Pode ser, eventualmente, que Pinochet fosse homossexual. E isto pode, sim, ser relevante para estudos psicossociais que relacionem repressão sexual à violência. Ganha a ciência, é verdade. Mas essa discussão não equaciona os fatos políticos para a solucionar a revolução que urge. Só desvirtua e subverte lógicas.
No campo da oposição política, agora a esquerda também é fiscal de fiofó? Sermos moralistas não é só vergonhoso e contraditório, mas estrategicamente burro. Porque o que sustenta esse projeto insustentável que os Bolsonaro apresentam é o discurso moral. Sem isso eles não tem nenhuma força. Os liberais econômicos, sozinhos, não elegem mais ninguém. Por isso a direita não investiu no Amoedo e o Alckmin, coitado, deu com os burros n'água. O negócio é o moralismo!
Estamos hoje no Brasil, sob a ameaça desse grupo conservador que instalou-se no poder com expressiva votação de parcela do nosso povo graças ao discurso da moral. Ou vocês acham que o currículo do Paulo Guedes teve mais influência junto ao eleitorado do que a mamadeira de piroca do whatsapp? Os eleitores abraçaram sem constrangimentos a causa do ódio aos LGBTI's que a família Bolsonaro vendeu. Enquanto fala-se sobre Damares ser uma "cortina de fumaça" para camuflar os já aparentes indícios de corrupção e autoritarismo, a mim evidencia-se que o Delinquente da República está entregando o que prometeu: aos eleitores, a exclusão dos LGBTIs e o porte de armas, e aos patrocinadores, a flexibilização do Estado para explorações e massacre. Calculem a equação que resultará disso.
Todos sabem, inclusive muitos eleitores do Bolsonaro já suspeitam, que esse governo é uma desgraça para o país e para o povo. Mas ele tende a se manter no poder com tranquilidade enquanto for capaz de manipular o medo irracional, quase supersticioso, da ameaça imoralíssima que vem da esquerda. Damares tem papel fundamental na manutenção de Bolsonaro no Planalto. Parem de ajuda-la! Deixem o rabo do Carlucho dentro das cuecas e cuidemos de descobrir como combater esse governo assumidamente evangélico fundamentalista com inteligência.
Precisamos estar fortes, como diz a canção, mas precisamos também, e muito, estarmos atentos!
Salvador, 17/01/2019
por Beatrice Papillon
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