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Fernando Horta - colunista do dia


A humanidade, de tempos em tempos, é acometida por um medo irracional de seu semelhante. Desde as muralhas construídas nas primeiras Cidades-Estado da Mesopotâmia, passando pela Muralha da China, pela Muralha de Adriano, o Muro de Berlim e chegando aos atuais muros da Cisjordânia, de Belfast, e a tentativa feita por Trump, na fronteira dos EUA e México. Existem inúmeros outros, com certeza. Em todos os continentes, em todas as culturas, em todos os tempos. Na prática, os muros sempre serviram para proteger algo que algumas pessoas julgavam valioso, de quem era julgado desprezível ou dispensável. Desde razões religiosas, econômicas e até, mais recentemente, culturais são invocadas para consecução material do nosso ódio ao outro: o muro.
Temos inúmeros muros no Brasil. Qualquer condomínio fechado, ou casa com cerca elétrica, é uma reprodução em miniatura deste ódio atemporal que cultivamos. Mas, como a História mostra que os meios mais baratos de contenção não são os físicos, existem muros, de palavras, de valores e até de vazios. Brasília é um bom exemplo. Quem conhece sua urbanística atual percebe que imensos espaços vazios afastam as populações mais pobres dos núcleos ricos ou de onde se exerce poder. Portanto, o muro pode ser de concreto, de pedra ou de vazios. Continuam sendo muros, cujo objetivo é separar e evitar que aqueles que estão fora, entrem.
É bem provável, também, que muitos dos governantes atuais adorassem a ideia de construir muros, Brasil afora. A História recente mostra que não há tijolo colocado sobre cimento e tapado com argamassa neste país que não tenha uma contraparte em dólar alguma conta no exterior. O problema é que nossos governantes não tem o poder do Imperador Romano Adriano, nem o tempo das dinastias chinesas ou o dinheiro da América do Norte de Donald Trump para construir muros. E, no Brasil, seriam necessários muitos muros, pois os indesejáveis estão nos sinais, nas periferias, nas favelas e nas ruas. Deixaram de respeitar o acordo tácito dos lugares em que podiam ou não ir. E por fazerem isto, são expulsos a cassetete, água gelada ou incêndios “acidentais”. Expulsões tópicas, porque caras e ineficientes.
Na impossibilidade material de se livrarem definitivamente dos indesejáveis, o vice-governo brasileiro atende às elites que o ajudaram no golpe e cria uma série de medidas-muro, cujo objetivo não é outro, senão afastar o jeguedé. O ministro da saúde já deixou bem claro que se deve arredar os indesejáveis do atendimento médico. “Não há orçamento”. Começaram atacando e destruindo o Programa Mais Médicos, as Farmácias Populares e, dentre tantas outras coisas, agora estão acabando com a distribuição de remédios para contenção do vírus HIV. Os diversos muros de Barros visam impedir que os malnascidos possam sobreviver. No entanto, ele Barros se esconde atrás de muros de escudos. Muros que só os ovos conseguem ultrapassar.
Na educação, muros de livros são erguidos. São muros “sem partido”. O muro de Mendonça, filho da ignorância de que a política desune, “reformou” o ensino para dividir. O público terá menos livros, menos professores, menos conhecimento, mas os indesejáveis filhos dos miseráveis brasileiros ficarão presos nas escolas por mais tempo. Presos nos muros da benevolência que esconde a vontade de separar. Os educadores, estes pobres diabos, que se virem com os pequenos trastes lá dentro. Crianças contra quem o governo claramente reergue o muro no ensino superior. Desmontam-se os financiamentos, destroem-se as bases curriculares e os filhos do Brasil pobre jamais saberão o que é uma “clava forte”, já que nunca deitaram em berço esplêndido. Se ousaram, um dia, diminuir os muros da desigualdade econômica, que criemos o meritocrático muro do conhecimento.
Por outro lado, construída com frágeis tijolos jurisprudenciais e muito cimento de convicção, ergue-se a muralha da justiça. Certamente com letra minúscula, como quem a tem aplicado. O Mouro e o Evangélico se unindo contra o Brasil que comia. Contra o Brasil que tinha emprego. Se a justiça já tinha em si muros imensos no Brasil, agora os têm convictos de que nada mais é necessário para encarcerar do que a vontade do encarcerador. Se nunca foi igual para todos, a verdade é que ousaram dizer – um dia – que pobre tinha direitos. Tem sim, eles nos lembram. Aquele direito que surge de velhice antes dos trinta, de emboscada antes dos vinte e de fome um pouco por dia. Aos amigos tudo, aos inimigos a covardia. Escondida nas togas que, atualmente, nada mais têm do que a legitimidade do tecido negro.
Mas, a maior das muralhas está sendo construída. Em silêncio. Tijolo por tijolo para se certificar que o poder seja, novamente, intocável neste país. Os desafortunados, os indigentes, os desprovidos tiveram a audácia de por quatro pleitos pensarem que eram brasileiros. Esqueceram-se de quinhentos anos da mesma história sendo repetida. A golpes de chicote, no pau-de-arara ou com spray de pimenta. Fingiram-se de desentendidos e chegaram a gritar “diretas já”. Temer, Mendes e Maia constroem o parlamentarismo no Brasil. Nosso “cordón sanitaire”. A certeza de que as urnas, quando abertas, represar-se-ão (e eis a beleza da mesóclise) na Brasília do vazio. Aquela. Um parlamentarismo distrital, com as listas fechadas e esta mendicância pedinte e maldotada, que tem o desplante de se achar digna do artigo 5º, voltará a entender o seu lugar no país. Separada por muros. Sem tocá-los. E sem grafite.
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Colunista do dia: Jorge Bastos Moreno


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A surdez deliberada
A Suprema Corte dos Estados Unidos consagrou uma doutrina: a cegueira deliberada. Dá conta, em linhas gerais, da atuação de alguém que, diante de todas as evidências, se recusa deliberadamente a ver que alguma atividade é crime e, assim, deixa seguir a vida, com o objetivo de que a sua falta de ação produza vantagens para si, mesmo que de forma indireta. É evidente que não estou chamando ninguém de criminoso, é apenas uma blague, mas, toda vez que me deparo com alguém decente dizendo que é inconclusiva ou sem algo de flagrantemente grave a fita que registra a conversa do presidente Temer com o réu confesso Joesley Batista, vem na minha cabeça: será que é caso de surdez deliberada?
O que mais essas pessoas esperavam ouvir na fita? É impossível não concordar com o procurador-geral da República quando ele, em petição ao Supremo Tribunal Federal, afirma que, depois da divulgação da fita, em seus vários depoimentos e em entrevistas, o que o presidente Temer fez em relação a ela foi uma confissão espontânea. Não negou o encontro, não negou as circunstâncias clandestinas do encontro, não negou o conteúdo dos diálogos. Apenas se limitou a propor uma justificativa que piora a situação dele.
É preciso repetir sempre para que as interpretações oficiais sobre os diálogos não prosperem. Na petição inicial que enviou ao Supremo solicitando as providências da Operação Patmos, que viria a acontecer na quinta-feira de manhã, 18 de maio, e que O GLOBO divulgou na noite anterior, a Procuradoria dizia literalmente: “Joesley fala do pagamento de propina paga ‘todo mês, também’, acerca da qual há a anuência do presidente”. Quando a fita foi divulgada posteriormente, pôde-se entender, claramente, que a frase da Procuradoria tinha como embasamento o que foi dito nos diálogos.
Recapitulando. Joesley pergunta como estava a relação entre Temer e o ex-deputado Eduardo Cunha. Ouve do presidente que estava sendo fustigado por ele. Joesley, então, o tranquiliza, afirmando que zerou as pendências com Cunha e o tirou da frente. Em seguida, diz que, tendo agido assim, o que ele “deu conta de fazer” foi ficar “de bem” com ele. Depois de ouvir tudo isso, Temer recomenda, explicitamente, dando de fato a sua anuência a tudo que até ali foi feito: “ tem que manter isso, viu”? E, diante de algo inaudível dito por Temer, Joesley confirma: ” todo mês, também”.
Quem sofre de surdez deliberada se apega ao fato de que a frase de Temer — “tem que manter isso” — vem imediatamente antes da frase de Joesley — “o que eu mais ou menos dei conta de fazer até agora? Tô de bem com Eduardo”. E se esquecem, deliberadamente, de que Temer fez essa recomendação depois de ouvir que as pendências estavam zeradas e que, assim, Cunha foi tirado da frente. O que os surdos deliberados imaginam ser pendências senão propina? É preciso desenhar? Será que os surdos deliberados imaginam que Temer disse “tem que manter isso, viu?” para que Joesley se mantivesse “de bem” (como se somente isso já não fosse um escândalo), mas que isso nada tinha a ver com as frases anteriores, como pendências zeradas e Cunha tirado da frente? Imaginam que diante dessas frases o silêncio de Temer o absolve? Quem cala, consente. Quem não ouve deliberadamente, também.
Eu poderia seguir explorando tudo o mais: o “ótimo, ótimo” do presidente diante do relato de que Joesley tinha nas mãos dois juízes, o “pode fazer”, diante do pedido de Joesley para usar o nome do presidente junto ao ministro da Fazenda para conseguir, nada mais, nada menos, que a substituição do secretário da Receita Federal e dos presidentes da CVM, do Cade e do BNDES (esta já se foi, com ou sem Joesley). Poderia também, lembrar a recomendação do presidente — “pela garagem” — quando consentiu que aqueles encontros clandestinos continuassem tarde da noite, sem que ninguém soubesse. Mas para quem não tem ouvidos moucos, isso somente enfastiaria o leitor.
No caso das pessoas decentes que sofrem de surdez deliberada, na analogia com o ganho obtido com a cegueira deliberada, a vantagem a ser obtida ao não ouvir é óbvia: a aprovação das reformas de que tanto o país necessita. Mas o paraíso nunca é alcançado quando se transige com princípio.
publicado originalmente no jornal O Globo