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E se a rua fosse um espaço de aventura e exploração?

Às 20h30 em ponto estava na praça da Barra Funda, portando o estranho relógio de bolso que seria meu convite para a aventura, conforme orientado pelo email recebido um dia antes.

Famílias se amontoavam aguardando a partida dos vários ônibus encostados nos arredores, todos com destino a um presídio próximo. Aquelas eram as famílias dos detentos, me explicava o sujeito de chapéu e blazer que desceu de uma kombi branca para me levar ao começo da experiência.

Junto comigo estava minha namorada – o convite dava direito a levar consigo outra pessoa, enfatizando que seria importante não ter medo de altura e estar com calçado próprio para aventura.

Dentro da kombi, recolheram nossos celulares e nos instruíram a sentar no chão do veículo – cuja traseira havia sido modificada e continha apenas um assento dos três originais – para não sermos vistos. A instrução curta não parecia conter dúvidas, apesar de nos gerar várias outras sobre o que viria a seguir.

Após alguns sacolejos e longos minutos, o carro parou e a porta se abriu. Uma mulher esguia vestida de preto, cabelo curto, com um walkie-talkie em mãos, fez com o dedo para ficarmos em silêncio e que a seguíssemos. Os dois homens de chapéu manobraram a kombi e partiram. À nossa esquerda, havia uma espécie de galpão industrial e um enorme esgoto à ceu aberto, que avançava até um grande muro, na base do qual havia uma grade de ferro impedindo a passagem.

À direita, um matagal bastante escuro e uma suspeita trilha de terra, pela qual nossa guia se apressava a deslocar antes que houvesse tempo para qualquer pergunta.

Em poucos minutos estávamos em mato fechado, descendo um pequeno morro em direção ao esgoto, com seu fedor invadindo nosso olfato. Parecia que o caminho era, quer meu senso de nojo gostasse ou não, por dentro dele. No último momento a guia se esgueirou por entre um pedaço de grade aberto e sumiu de nossa vista. Atravessar aquela passagem foi um voto de confiança no desconhecido.

Do outro lado, retomamos contato com a guia e precisamos sujar as mãos para subir o trecho a seguir, nos enfiando em uma mata ainda mais fechada, na qual avançamos por mais alguns minutos, para depois atravessarmos uma pesada portinhola de ferro que dava acesso a um amplo terreno baldio.

Aquilo não tinha cara de diversão e ninguém estava sorrindo. Estávamos atentos a cada passo dado e ao caminho, apenas.

Ela parou por alguns instantes, pouco antes de uma clareira, checando o movimento de guardas(?!) do outro lado do esgoto, cujas luzes de suas lanternas podíamos ver se mexendo ao longe. Nos deu um sinal para avançarmos com rapidez no momento exato e retomamos a trilha, que se tornava progressivamente mais fechada e perigosa, com buracos, espigões de ferro e o escuro engolindo as últimas nesgas de claridade.

Não sabia há quanto tempo caminhávamos, mas já suava bastante quando demos de cara com uma imensa árvore, na base da qual havia uma pequena escada de madeira. Subimos até alguns galhos mais acima e nos apoiamos em uma superfície de madeira instalada por alguém naquele local.

Em frente se colocava uma ponte feita de rede, como se usa na prática de arvorismo. Se estendia até o outro lado do esgoto, com cerca de vinte metros de comprimento e uns bons quinze metros acima do rio cheio de esgoto.

A ponte dependia do peso do corpo e de tranquilidade para se estabilizar. Ficar nervoso no meio da travessia não parecia nem um pouco aconselhável.

O pequeno sorriso da guia, como que dizendo “confia”, foi o sinal para respirar fundo e atravessar.

2.1the bridge

Do outro lado era possível escutar alguns sons. Escalamos uma outra escada rumo ao topo da árvore, escutando o que agora distinguimos como música, ganhar mais vida. Luzes emitidas por algum tipo de chama bamboleavam por entre os galhos e folhas. Ao fim da escada, uma mão nos puxa para o alto e somos recebidos por um homem de fraque, bigode, cartola e sorriso acolhedor.

Outras seis pessoas estão lá, nessa improvável casa na árvore, sem teto ou paredes.

Encarrapichada num canto, uma simpática dama tira o agradável som de acordeon que escutamos momentos antes. Há velas, uma decoração com objetos indecifráveis e bebida é servida à medida em que nos instalamos no banco improvisado.

Respiro fundo e tiro o casaco. Dou uma golada farta enquanto absorvo a paisagem e recobro o fôlego, sem ter a menor ideia de onde estamos.

Aliás, o que é mesmo que estava acontecendo?

* * *

N. D. Austin foi criado por seus pais em uma pequena ilha isolada no Alaska, distante centenas de milhas do centro urbano mais próximo. Ele acredita que seu trabalho é levar um pouco de amor para partes esquecidas das cidades, é criar experiências que possam tocar as pessoas.

Sentado à minha frente na Merceria São Pedro, ele era também o acolhedor sujeito de fraque a nos receber no alto da árvore e criador da experiência na qual eu estava poucos dias antes.

Trata-se do The Night Heron (é o nome em inglês para o pássaro “savacu”, comum no estados unidos), um projeto trangressivo de exploração urbana, intimidade e aventura.

Parte do que me manteve intrigado, no entanto, foi o modo como rigorosamente nada além do mínimo necessário nos foi explicado antes, durante e após. Atravessar a experiência, em certa medida, foi um ato de fé – em especial na pessoa que me permitiu estar lá.

O trajeto claramente envolvia riscos físicos, parecia flertar com a ilegalidade ao nos levar por zonas proibidas, não tinha marcas ou corporações por trás e com certeza não gerava dinheiro suficiente para se pagar – são um grupo de dez envolvidos e um mês de trabalho para tornar o percurso viável, e cerca de cem pessoas viveram a edição realizada em São Paulo.

Não é arte, não é negócio, não é entretenimento. O quê então?

Nathan diz que prefere apenas oferecer a experiência às pessoas e deixar que cada uma a interprete como achar melhor. “É claro que nos importamos com a cidade, com os rios, com a poluição, com a política e com o espaço urbano, mas não dizemos nada disso para as pessoas. Achamos melhor não condicionar as percepções.”, explica.

O intuito é deixar os convidados presentes no momento, não super-intepretando o contexto ao invés de estar ali, com os cinco sentidos.

* * *

Após uma hora de conversas e festa no alto da árvore, era chegado o fim.

O anfitrião nos perguntou se gostaríamos de oferecer a experiência a outra pessoa. Caso sim, pagaríamos duzentos reais para receber um pequeno relógio de bolso com um número inscrito à mão, ele seria o acesso de outro convidado junto a um acompanhante. Quem desejasse, não precisava pagar nada por ter estado ali.

Descemos, circundamos a base da árvore, caminhos até uma grade de frente pra rodovia, com um buraco aberto no local onde se juntava à parede. Alguns metros adiante, a kombi branca e os dois motoristas de chapéu igualmente branco e blazer estavam nos esperando. O anfitrião e sua equipe ficaram do lado de dentro da grade, se despedindo de nós com um breve aceno e um largo sorriso.

Os seis convidados entraram na kombi e fomos embora.

Uma impossibilidade urbana
Em minha opinião, o mais poderoso de todo o processo foi ser “sequestrado” sem saber a que me propunha, se eu deveria ir com minha identidade que busca se entreter, com a que busca aventura, com a que quer mostrar que é antenado e participa de algo supostamente raro ou, ainda, com aquela engajada politicamente no futuro da cidade.

Me senti torto e sem rumo e isso é uma coisa ótima. Normalmente se pergunta a alguém o quão divertido ou útil foi certa atividade, pra saber se vale ou não à pena irmos também.

The Night Heron me deu boa noite com uma gigantesca interrogação.

Foi um alivío ver como a experiência não se deu em mais um espaço cool, inovador e disruptivo de São Paulo, com as mesmas pessoas cool, inovadoras e disruptivas falando as mesmas coisas para o mesmo grupinho. Fomos para um esgoto fedido e terrenos abandonados. E os convidados seguintes dependeriam dos anteriores.

Questionei N. D. Austin se era um projeto feito pensando em exclusividade e fiquei feliz em escutar que “não, de modo algum, é acima de tudo sobre confiança e abertura. Você não iria em uma experiência desconhecida se não confiasse em quem o convidou antes. É disso que estamos falando aqui, pessoas se relacionando diretamente com outras pessoas.”

Em sua visão “turistas são chatos, eles ficam escutando outras pessoas dizendo a eles como é viver onde vivem e fazer o que fazem. Mas não é real (para os turistas), não é a vida deles.”. Pior, diz também que nós somos como turistas apáticos em nossas próprias cidades, andando pelos lugares sem nos importar com eles, tratando os locais públicos como se não pertencessem a ninguém.

Nassim Taleb, em seu livro “Antifrágil: coisas que se beneficiam com o caos“, nos apresenta o termo “turistificação“:

“Turistificação castra sistemas e organismos que apreciam a incerteza ao sugar deles toda a aleatoriedade enquanto gera a ilusão de benefício. (…) Esse é o meu termo para um aspecto da vida moderna que trata humanos como máquinas de lavar, com respostas mecânicas simplificadas e um manual do usuário detalhado.

É a remoção sistemática de incerteza e acaso das coisas, tentando torná-las cada vez mais previsíveis em seus menores detalhes. Tudo em prol do conforto, conveniência e eficiência.”

Esse fenômeno tem invadido todos os cantos de nossas vidas e faz com que os espaços urbanos se tornem locais transacionais, nos quais vamos basicamente para gastar dinheiro (nos entreter) ou ganhar dinheiro (trabalhar).

Ao enxergarmos a cidade de modo tão seco e utilitário, ela de fato se torna hostil e pouco acolhedora.

“Transformação na cidade não vai acontecer com alguém chegando e dizendo, “aqui está como resolver seus problemas de trânsito”, vai acontecer com as próprias pessoas mudando seu comportamento, o modo como vivem e se movimentam fisicamente dentro das cidades.”, N. D. Austin contextualiza.

“Mas é claro que não dá pra garantir transformação nenhuma. O ponto é: se a experiência puder ser intensa o suficiente para deixar uma marca com a qual a pessoa se relacione e questione como ela vê os espaços por onde caminha com outros olhos, meu dever estará feito.”, ele completa casualmente.

Encerramos a conversa, pagamos a conta e nos despedimos.

Obrigado, Nathan e a todos seus amigos sem os quais nada disso teria acontedio, por me levarem numa aventura em minha própria cidade.

Estamos acostumados a frequentar passivamente sempre os mesmos lugares, com as mesmas pessoas e as mesmas expectativas. Mas que tal trocar sua lente? A Heineken faz um convite para nós explorarmos um lugar que pode surpreender: a nossa cidade

Se você mora em São Paulo, a Heineken te encoraja a descobrir novos lugares com o Guia #OpenSP.

Explore sua própria cidade.

GUILHERME NASCIMENTO VALADARES
Interessado em boas conversas, desenvolvimento humano, em criar negócios que não se pareçam com negócios e no futuro do conteúdo. Trabalha com comunidades digitais há nove anos. Nessa encruzilhada surgiram o PdH, o Escribas e o lugar. No G+ e no Twitter.
Estamos na era do aprimoramento pessoal. “Como” e “melhorar” são os novos mantras: como melhorar a alimentação, como melhorar o trabalho, como melhorar o relacionamento…

Quando aparece a palavra “rim”, é porque o rim não está funcionando bem. Quando se fala muito em paz, é porque não há paz. Se cada vez mais ouvimos sobre desenvolvimento humano, felicidade e transformação, talvez seja por que nunca estivemos tão confusos em relação ao que isso realmente significa.

Ao mesmo tempo em que quase tudo é vendido como transformador, cada vez menos voltamos às perguntas mais básicas: “O que é transformação? Como a gente se transforma?”




Quase não conversamos sobre como a gente se transforma
Quanto mais intensa a experiência (“espiritual”, “transcendental”, “humana”… não importa como a chamamos), menos nos dispomos a descrever internamente como e por que aquilo é realmente transformador – mesmo quando passamos horas detalhando como tudo acontece fora. E menos os outros trucam. Não é raro o diálogo se restringir a uma só fala: “Você precisa conhecer essa comunidade, o trabalho deles é muito profundo!” ou “Renasci depois desse workshop! Foram muitos aprendizados, insights, fichas caindo!”.

Se as falas se estendem, grandes chances de cairmos em algo como “Percebi que tudo é um!”, o que cria uma grande neblina: “Então o que eu preciso fazer para me transformar? Apenas perceber que tudo é um? Ler um livro de física quântica para trocar de paradigma? Como exatamente isso vai reduzir ciúme e ansiedade, por exemplo?”

A falta de diálogo e de linguagem precisa acaba nos deixando sozinhos em meio aos desafios do florescimento humano. Quanto mais becos obscuros, mais facilmente somos enganados por charlatões, por falsos professores, por empresários que se posicionam como gurus, por cientistas com premissas ocultas, por nós mesmos em epifanias e até pela indústria de psicofármacos.

Para iluminar os subterrâneos da transformação humana precisamos voltar para as perguntas mais óbvias. O que é transformação? O que exatamente se altera em nossa mente, nosso corpo, nas relações, no trabalho, na vida cotidiana? Há sinais de avanço, claros e comuns, não importa qual seja nosso caminho? Como podemos descrever e conversar sobre isso com mais clareza?

O limite das mudanças de vida
Para começar o papo, penso ser útil levantar uma confusão muito comum entre dois processos que tenho nomeado — apenas para estabelecer uma linguagem consensual — de mudança e transformação. O problema não se dá no âmbito das palavras: porque chamamos tudo da mesma coisa, perdemos de vista o processo mais profundo (tanto é que nos falta uma boa palavra!).

Quando se fala em transformação na maioria dos casos o que se oferece é apenas mais um tipo de mudança: de estilo de vida, de hábito, de crença, de “paradigma”, de trabalho, de cultura, de visão de mundo, de moradia, de relação, de propósito, de comportamento, de fascinação estética…

Mudamos de relação sem transformar a carência. Mudamos de método de produtividade sem transformar a distração. Mudamos de escritório sem transformar a competição. Mudamos de ansiolítico sem transformar a ansiedade. Mudamos de projeto incrível sem transformar a visão estreita. Mudamos de objetos sem transformar o apego. Mudamos de filosofia sem transformar a ignorância. Mudamos de estratégia sem transformar o medo. Mudamos de casa sem transformar a insatisfação.

Aproxime-se de uma pessoa que já alterou bastante seus hábitos e crenças, que foi de “Você cria sua realidade” a la The Secret para uma visão neodarwinista, do sedentarismo aos esportes radicais, e pergunte o que exatamente ela fez para superar o autocentramento, o ciúme, a dependência emocional… Sem precisar filosofar, apenas observando, descobrimos que é muito possível trocar de hábitos e crenças sem nem fazer cócegas em estruturas profundas de aprisionamento cognitivo e emocional. É possível mudar e melhorar sem se transformar.

Em uma conversa com Luciano Ribeiro, editor do PapodeHomem, ele me disse:

“Organizar e melhorar tudo na vida não significa que você está transformando as coisas. Você pode estar com as contas em dia, um relacionamento gostoso, dinheiro rendendo, corpo saudável, um trabalho dos sonhos… e isso ser apenas uma bomba relógio pois a qualquer momento uma grande aflição pode aparecer internamente ou uma tragédia pode aparecer externamente, e você desabar por falta de equilíbrio e sabedoria ao lidar com as experiências.”

Podemos casar com diversas pessoas e ir carregando junto o mesmo e velho ciúme para as próximas relações. Podemos implementar ações positivas por esforço sem nunca cultivar as qualidades que as tornariam naturais, livres e espontâneas. Portanto, assim como é melhor focar em superar o ciúme em vez de ficar escolhendo o próximo parceiro, é melhor focar em transcender qualquer tipo de crença e hábito em vez de ficar escolhendo as próximas crenças e hábitos.

Experimente agora lembrar de seu passado. Quantas vezes você já mudou? E o que você inevitavelmente carregou a cada novo nascimento? Um exemplo daquilo que carregamos junto a cada mudança: a mesma mente reativa, cada vez fascinada por uma nova história.

Mudamos, aprimoramos, melhoramos, rebuscamos, turbinamos, remediamos, resolvemos, ajustamos, lapidamos, aperfeiçoamos nossa pose, nossa esperança, nosso controle, mas não chegamos no ponto de não mais posar, não mais esperar, não mais controlar. E assim por diante.

As mudanças internas são as que mais se passam por transformação. Antes a pessoa se fixava em uma teoria sobre o que é a vida, agora ela mudou: está fixada em uma teoria mais sofisticada. E o mecanismo da fixação segue intocado…

A gente começa a se transformar justamente quando olha mais de perto para tais mudanças. Liberdade é se condicionar em um novo hábito ou não mais agir por condicionamento? Sabedoria é uma nova crença, uma visão incrível ou é compreender como um referencial se implanta e monta toda uma realidade sólida? Equilíbrio vem de controlar com mais esperteza ou de soltar o controle?

Não é fácil detectar o limite do processo de mudança em uma cultura que promove tantas soluções desse tipo. O site do TED é uma boa amostra desse zeitgeist atual. As palestras, se vistas em conjunto, parecem comunicar uma mensagem assim: “Você quer se transformar? Basta saber disso, estudar aquela pesquisa, ler tal livro, não esquecer daquilo, começar a dormir mais, usar esse novo modelo de pensamento, se exercitar assim, comer isso, fazer tal coisa, implementar tal hábito…”

Mudar de vida é diferente de transformar a vida
O processo da mudança funciona como uma constante busca por novas experiências. Quando alguém diz “Mudei” na maioria das vezes quer dizer: “Troquei de experiência”. O processo de transformação trabalha com toda e qualquer experiência, com cada vez menos necessidade de buscar por novas experiências ou de alterá-las externamente.

Quando eu me proponho a mudar, eu preciso de novas experiências. Quando eu me proponho a transformar, eu preciso apenas lidar com as experiências existentes. É por isso que se diz que os processos de transformação são sutis ou internos: eles dizem respeito ao nosso posicionamento, ao que podemos fazer em absolutamente qualquer situação, independente do que aconteça ao redor. Se você pegar as práticas que envolvem cultivo da atenção, equilíbrio emocional, sabedoria, empatia ou compaixão, nada disso exige uma mudança externa, ainda que possa eventualmente causá-la.

Em geral, trabalhos que focam em mudança acabam sugerindo manipulação de experiências. “Agora que você viu que a felicidade é trabalhar de seu notebook cada mês em uma cidade da Europa, peça demissão!”. Já as abordagens focadas em transformação sugerem um outro começo: “Não mexa em nada. Não peça demissão, não acabe o namoro, não raspe a cabeça… Apenas introduza mais ética, equilíbrio, sabedoria e compaixão, silenciosamente, a cada momento. E para fazer isso seria bom você parar de vez em quando para cultivar, treinar isso por dentro. Com o tempo, a partir desse maior espaço de liberdade, ficará mais fácil andar em alguma direção.”

As mudanças (mesmo as consideradas profundas) operam no âmbito dos conteúdos internos e das aparências externas. Mudar é trocar um condicionamento por outro — às vezes melhor, às vezes pior, mas condicionamento igual. A transformação acontece em outro âmbito: me dou conta que tudo que encontro é coemergente com meu olhar, então começo a trabalhar diretamente em meus olhos.

Um exemplo é a pessoa que percebe que não há culpados para seu ciúme (nenhuma pessoa, nenhuma situação), então ela desiste das mudanças de comportamentos, das estratégias todas, e começa a focar seu tempo em olhar para a operação interna do ciúme. Em vez de olhar para fora com o ciúme atrás dos olhos, tingindo a realidade, ela começa a olhar o ciúme de frente.

Quem propõe mudança vai nos ensinar a virar alguém, sustentar algum tipo de construção, tensionar. Quem propõe transformação vai nos ensinar a parar, relaxar, repousar, reconhecer quem somos e onde estamos, desistir da necessidade de ser alguém, olhar profundamente para nossa condição atual. (Claro, e vai nos ajudar em alguma mudança apenas na medida em que isso seja preciso para começarmos ou avançarmos no outro processo, de transformação.)

Como isso não está nada claro, pessoas que mudaram de vida são reverenciadas como se tivessem descoberto um grande segredo. Pessoas bem-sucedidas, que conseguiram grandes mudanças, são tomadas como referenciais de transformação. Pessoas cheias de ideias legais são tomadas como referenciais de sabedoria. Pessoas que se equilibram em condições externas e crenças otimistas estão ensinando outras a atingir o mesmo equilíbrio. Como? Não oferecendo sua liberdade, mas compartilhando seus condicionamentos: “Acredite nisso, construa-se de tal jeito, vença tal jogo, monte isso ao redor e, pronto, você será bem-sucedido igual eu!”

Um parêntese
Boas mudanças podem favorecer a transformação, mas elas em si mesmo não transformam. Habitualmente costumamos entender as mudanças como suficientes ou como a única opção para quem deseja transformação. Mudanças (como essa de linguagem que estou propondo) não são o problema. Mudanças são muito úteis. O problema é quando uma mudança se passa por transformação, quando achamos que ela é algo maior. É como se eu falasse: “Apenas comece a falar assim e pronto, seus problemas estarão resolvidos!” Parece um exemplo bobo, mas é exatamente assim: quando esse discurso surge com alguma sofisticação, caímos.

Em um processo de transformação, algumas mudanças de vida acontecerão como apoio logístico — por exemplo, você precisará organizar seu trabalho para passar alguns dias em retiro, se familiarizando e investigando como a gente se transforma. E alguns frutos da transformação poderão também causar mudanças, mas isso não significa elas são a causa, o motor, muito menos o objetivo da transformação. São efeitos colaterais.

Produzir mudanças positivas é melhor do que não mudar ou mudar negativamente. Bons hábitos são melhores do que maus hábitos, cultura de paz é melhor do que violência, sonhos benéficos são melhores do que pesadelos. No entanto, em paralelo, melhor ainda se começarmos a acordar. Nosso problema é que conversamos e praticamos quase que exclusivamente os mais variados tipos de mudança, ignorando esse outro processo que aqui estou chamando de transformação.

Mudar é fácil, transformar não é
Um dos piores sintomas da confusão entre mudança e transformação é o discurso de que esse trabalho é algo simples. E tanta gente acredita! É uma tristeza: a pessoa passa décadas se dedicando a diversas mudanças e chega confusa ao fim da vida, sem quase nenhuma transformação. Mudar é ótimo. Mas apenas mudar é limitante, principalmente com aquilo que precisa ser liberado, superado, atravessado, iluminado, transcendido, não apenas remendado.

Praticantes contemplativos dedicam 30, 40, 50 anos de investigação da mente em primeira pessoa para cultivar equilíbrio, sabedoria e compaixão com métodos poderosos sob orientação de professores qualificados dentro de linhagens autênticas que se desdobram há muitos séculos. Mas aí a pessoa chega falando que está “tentando ser menos ciumenta” ou que antes ela era apegada ou impaciente, mas que conseguiu mudar isso do nada.

A humanidade inteira se esforça, todo santo dia, para construir um mundo que dê espaço para o florescimento do potencial de cada ser, uma cultura baseada em uma visão clara sobre as verdadeiras causas da felicidade genuína, uma cultura bem diferente da atual. Mas aí a pessoa chega e diz que o mundo já oferece mil oportunidades e é você que está bobeando, que basta escolher sua vida e ser feliz num estalar de dedos, apenas mudando alguns hábitos e crenças pessoais.

O trabalho da transformação é longo, diário, paciente e muitas vezes sujo. Sem oba-oba, sem fogos de artifício. Trabalho para a vida inteira. E isso não é uma fala bonita ou poética, é verdade: precisamos saber como começá-lo, experimentar, nos apropriar dos métodos e conversar mais sobre como ele acontece.

Caso contrário, vamos apenas mudar de vida, de novo e de novo e mais uma vez, apenas atualizando o software da confusão, enfeitando a mente reativa, aprimorando nosso autocentramento sob diferentes narrativas, lustrando nosso ciúme com romantismo, melhorando e pirando cada vez em uma nova história, uma nova dieta revolucionária, um novo hobbie, um novo look, um novo propósito, uma nova prática espiritual, um novo exercício físico, um novo método de produtividade, um novo insight genial, mais um projeto incrível de crowdfunding…

Mudar no máximo nos levará a uma versão melhorada de nós mesmos.

GUSTAVO GITTI
Professor de TaKeTiNa, autor do Não2Não1, colunista da revista Vida Simples e coordenador do lugar. Interessado na transformação pelo ritmo e pelo silêncio. No Twitter, no Instagram e no Facebook. Seu site: www.gustavogitti.com


A vida é bem melhor para quem sabe agradecer pelo que tem

No primeiro dia do Mês da Gratidão que estipulei para mim mesmo, o meu filho de 5 anos acordou “entediado” às 5h15 da manhã, vi uma multa por excesso de velocidade na bolsa da minha mulher e o aquecedor deu o último suspiro na hora em que entrei no banho. Em geral, eu começaria a resmungar e o dia teria um péssimo início. Mas aquele dia foi diferente. Como são lindas as covinhas do meu filho, mesmo nessa hora infeliz. Como é encantador o espírito aventureiro da minha mulher. Faltam apenas 29 dias.
Uma semana antes, enquanto brigava com a sensação de que viera ao mundo para encher e esvaziar a lavadora de pratos, decidi que já era hora de dar fim aos resmungos automáticos. Mas não eram apenas as pequenas coisas que me atormentavam. De repente, os meus amigos vinham enfrentando adversidades: câncer, divórcio, demissão. Eu não deveria comemorar minha relativa boa sorte?
Já ouvira falar do benefício da gratidão. O que não entendia direito era como passar da rabugice à alegria transbordante. Em busca de dicas, liguei para Robert A. Emmons, professor da Universidade da Califórnia, pioneiro na pesquisa sobre os benefícios do pensamento positivo. Emmons citou novos estudos que indicam que basta fingir estar grato por algo que o nível de substâncias químicas associadas ao prazer e ao contentamento – serotonina e dopamina – aumenta. Viva como se fosse agradecido por tudo, disse ele, e logo isso se tornará real.
Ele recomendou fazer uma lista de tudo pelo qual me senti agraciado durante uma semana ou mês específico. Um estudo importante mostrou que, em dez semanas, quem registrou por escrito as coisas que lhe inspiravam gratidão sentiu-se 25% mais feliz do que quem não escreveu nada. A pessoa chegou até a se sentir melhor no trabalho e a se exercitar uma hora e meia a mais por semana.
Estava convencido; mas a minha primeira tentativa de fazer uma lista de gratidão foi bem fraquinha: “1. Café. 2. Cochilos. 3. Cafeína em geral.” Conforme a lista crescia, me senti mais animado: “114. Frutas recém-colhidas. 115. O disco branco dos Beatles. 116. Não sou careca.”
No terceiro dia, eu estava na maior farra, agradecendo a todos os pais e passantes na pracinha, como se tivesse acabado de ganhar o Oscar, e colando bilhetinhos amarelos por toda parte para me lembrar dos alvos de agradecimento no dia seguinte: o carteiro, a professora do maternalzinho do meu filho Sebastian. Mas essa abordagem integral logo começou a me cansar. Os pesquisadores chamam isso de efeito do Juramento à Bandeira. “Quando se exagera na gratidão, ela perde o sentido, ou pior, vira obrigação”, disse-me Martin E. P. Seligman, autor de Felicidade autêntica, quando lhe mencionei a crise. Seja seletivo, aconselhou, e se concentre em agradecer aos heróis desconhecidos da sua vida.
Depois, Seligman sugeriu uma “visita de gratidão”. Pense em alguém que fez diferença na sua vida e a quem você nunca agradeceu direito. Escreva uma carta detalhada para exprimir o seu reconhecimento e depois leia-a em voz alta, na frente da pessoa. “É comovente para quem dá e quem recebe”, disse Seligman. “Prepare-se para chorar.”
Na mesma hora me veio à cabeça a Srta. Riggi, minha professora de inglês da 8ª série. Foi ela quem primeiro me abriu os olhos para Hemingway, Faulkner e outros gigantes literários. Foi ela a primeira a me encorajar a escrever. Até hoje, sigo o seu conselho (“Nunca seja chato”). Mas será que lhe agradeci? Será que alguém lhe agradeceu? Dei alguns telefonemas rápidos e descobri que ela ainda dava aulas no mesmo distrito escolar, depois de quase 40 anos. Comprei passagens para mim e Sebastian: iríamos a Scranton, minha cidade natal, na Pensilvânia, EUA.
Ainda faltava uma semana para a viagem e continuei a exercitar o meu músculo da gratidão. Sonja Lyubomirsky, autora de A ciência da felicidade, professora de Psicologia na Universidade da Califórnia, recomendava “passar algum tempo longe de algo que adoramos mas consideramos comum”.
Foi mais fácil amar o carro depois de passar um dia usando transporte público – e correr dez quarteirões até a aula de ginástica de Sebastian quando o ônibus se atrasou 35 minutos.
Durante uma semana, eu e minha mulher abrimos mão da televisão, dos celulares e até do açúcar. E abri mão do café – por pouco tempo.
Os exercícios de curto prazo nos chamaram a atenção para o valor das coisas. Só que abstinência de cafeína é diferente de saber como a atitude de gratidão ajudaria meus amigos com câncer. Ou o casal que anunciou o divórcio. Ou o pai de três filhos que não consegue arranjar emprego.
“A gratidão é ainda mais importante durante épocas em que tudo parece estar perdido”, disse Emmons. Encontrar algo para estimar e valorizar, disse ele, pode nos salvar do desespero, o que é impossível com queixas e lamentos. Descobri essa verdade quando comecei a levar meu amigo com linfoma ao hospital para quimioterapia. Apesar do sofrimento dele (ou talvez por causa disso), nossa ligação se tornou mais significativa. “Quando fiquei doente, percebi que tinha passado anos me preocupando com coisas que não significam absolutamente nada”, disse ele. “Agora, o mais importante é comemorar a vida enquanto ela existe.”
Pensei nas palavras dele no avião para a Pensilvânia enquanto escrevia rascunhos da minha carta para a Srta. Riggi. Achei que estava pronto, mas, quando entrei na sala de aula, com Sebastian agarrado às minhas pernas, fiquei mais ansioso do que nunca.
A Srta. Riggi era mais baixa do que eu me lembrava, mas inconfundível com aqueles cabelos compridos e os olhos brilhantes e inteligentes. Depois de um abraço meio sem graça, nos sentamos. Respirei fundo e comecei a ler:
“Quero lhe agradecer o impacto que a senhora teve na minha vida”, comecei. “Há quase 30 anos, a senhora apresentou as maravilhas da palavra escrita à minha turma da 8ª série. Sua paixão por tramas e personagens e seu entusiasmo pelas palavras me fizeram perceber que o mundo fazia sentido. Que vida grandiosa, pensei, ser capaz de dividir histórias com os outros!”
Algumas linhas adiante, aconteceu. Sentado ali, com a minha mentora e com o meu filho no colo, a emoção tomou conta de mim. As décadas se desfizeram e nada tinha mais importância do que o ato simples de compartilhar. Foi como se eu falasse por gerações de alunos: “O tempo passa. As lembranças se confundem e desvanecem. Mas eu nunca esquecerei o entusiasmo de chegar todos os dias à sua aula.”
O professor Seligman tinha razão quanto às lágrimas. Elas vieram, para nós dois. E, quer tenha sido o sorriso da Srta. Riggi quando terminei de ler a carta, ou o simples alívio de dividir o que estava havia muito tempo em meu coração, a sensação de paz que senti durou até bem depois de Sebastian e eu voltarmos para casa.
Desde então, escrevi outras cartas de gratidão, e minha mulher e eu evocamos o nosso “treinamento” quando nos sentimos sobrecarregados com a vida. Os aborrecimentos, é claro, ainda existem, mas aprendi que o reconhecimento e a gratidão pelas coisas provocam um eco suficientemente forte para encobrir os resmungos e lamentos do homem que ainda esvazia a lavadora de pratos...
3 maneiras de exercitar a gratidão pelas coisas
Visualize
Crie uma colagem com tudo o que lhe inspira gratidão e exiba-a num lugar destacado da casa. Emmons diz que uma técnica que funciona bem com crianças é criar uma “árvore” de agradecimentos na porta da geladeira ou na parede, com “folhas” de adesivos coladas todo dia para agradecer por tudo, do novo irmãozinho ao passeio com o cachorro.
Faça estas perguntas
Escolha alguém íntimo e pergunte a si mesmo:
O que recebi dessa pessoa?
O que lhe dei?
Que problemas lhe causei?
Emmons explica que “isso pode nos levar a descobrir que devemos aos outros mais do que pensamos”.
Uma vez por semana
Muitas vezes, de acordo com Lyubomirsky, concentrar-se na gratidão uma vez por semana é mais eficaz do que com mais frequência. Ela comparou pessoas que faziam relatórios de gratidão três vezes por semana com outras que o faziam só uma vez por semana. O resultado foi que, com o passar do tempo, quem fazia uma vez por semana ficou mais feliz. “Mas escolha o que combinar melhor com você”, diz ela.
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Finanças para casais

Prestei consultoria financeira para um casal por 4 meses. Fernando e Paula. Noivos, queriam se organizar para sair da casa dos pais. Tinham outros objetivos menores também. Começamos no clichê. Uma viagem de férias, o término da pós-graduação da moça e uma reserva que garantisse um respiro caso algum imprevisto surgisse, mas a cada bate papo novos pontos surgiam. Era engraçado ver a surpresa de um ao escutar o relato do outro.
Encontrei o Fernando tempos depois e ele me agradeceu muito enfaticamente por todo o processo. Ele fez questão de me explicar o motivo de tanta gratidão. Os 90 minutos semanais falando sobre dinheiro  eram o único período de conversa real que eles tinham. Todo o resto era só logística, só papo funcional.
Complementou dizendo que foi a primeira vez, em 5 anos de relação, em que eles tinham aberto um espaço para falar, de coração, sobre o que realmente chacoalha. Levavam a rotina conversando sobre amenidades, compromissos sociais e vida profissional, mas nunca tinham tido uma conversa realmente profunda, sem jogos, que tocasse o chão.

Parceria de verdade

A vida seguiu, acompanhei vários casais desde então e precisei ver isso acontecendo várias e várias vezes para entender que é comum a gente achar bonitinho dividir o sabonete, o copo de guardar escova de dente e o edredon, mas que cumplicidade é outra coisa. Dá pra passar a vida inteira achando que intimidade é saber que a cor preferida dela é roxo e que ela não gosta de orégano, sem nunca entender, de verdade, o que se passa do outro lado.
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A verdade é que a gente faz tudo junto: come, sai, dança, briga, engorda, emagrece, trepa, corre, pede pizza, reclama e agradece, mas tem uma dificuldade imensa em se desmontar e falar sobre o que realmente importa.

O dinheiro coloca em xeque o que não está dito

Na primeira conversa que tive com o Fernando e com a Paula, lembro de estarmos sentados os três numa mesinha de café pequena e circular. Coloquei na mesa uma folha de sulfite com uma caneta do lado e, no meio do papo, falei: “bem legal isso! anotem aí pra gente não perder”. Não direcionei o pedido a nenhum deles, propositalmente. Os dois se olharam inseguros e desconfortáveis.
A Paula é claramente mais organizada e habilidosa com números, mas não queria tomar a frente sem que o Fernando sugerisse explicitamente. Deram uma risadinha sem graça e finalmente assumiram a configuração que parecia mais confortável: a Paula centrada, no papel, pé no chão, e o Fernando empolgado e caótico, com combustível infinito, atropelando um pitaco atrás do outro.
Fernando: Carro-seguro-1600-400-nãovaidaramor-aaahhhh-internet-250…
Paula: DEVAGAR, FERNANDO, CALMA!
No fim dessa conversa comentei esse ponto com eles, já abalados por conta do desentendimento inicial.
Paula: Só agora que eu precisei anotar o que você estava falando que eu percebi que você não me dá tempo para tentar organizar as coisas do jeito que eu acho que tem que ser.
Não é sobre dinheiro, mesmo quando parece ser.

Sabotagem

Ela se sente inútil no trabalho. Não gosta do rumo que a carreira tomou, mesmo sendo bem paga. A relação deles também não anda bem. Para aplacar o tédio e o marasmo, planejam férias. Todo ano o marido a presenteia com uma grande viagem internacional. De coração, ele acredita estar ajudando.
Já no avião de volta, ela se sente triste, mesmo tendo visitado um monte de paisagem bonita.
Da mesma maneira que o dinheiro evidencia o caos, ele pode ser utilizado para que a gente se mantenha inerte, vivendo uma vida pobre (mesmo que essa pobreza seja desfrutada num hotel com vista para a Torre Eiffel).
Muitas vezes o processo é inconsciente, feito na melhor das intenções. A gente consegue comprar um monte de coisas com dinheiro, mas dedicação e zelo não estão na lista.
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Outras vezes, porém, a gente entra no jogo na maldade. A função de “cala-boca” do dinheiro é amplamente utilizada na relação pais-e-filhos, mas fica muito clara também entre os casais. É como se a grana (ou os luxos e mimos que ela é capaz de proporcionar) servissem para que não precisemos dar tanta atenção às demandas naturais de qualquer relação.
O exemplo acima é caricato, mas essa dinâmica ocorre com muita frequência em situações menores. Jantares, presentes, mimos. Tudo absurdamente válido, desde que na função de oferecimento, e não travestindo travas ou endossando uma relação de dominância velada.

E na prática?

Uma conta conjunta, cada um com sua conta, só um dos casados com conta, várias poupanças, uma poupança só, um fundo de investimento e uma conta corrente. Na teoria, qualquer arranjo consensual é válido, porém algumas configurações tendem a funcionar melhor na maior parte dos cenários. Quanto menos entrave e burocracia forem acrescidos ao processo, melhor.
Na maioria dos cenários em que acompanhei (exceto nos casos em que um dos casados ganha absurdamente mais que o outro), uma conta conjunta para o casal e uma conta particular para cada uma das pessoas é o que funciona melhor.
Todo mês, ambos depositam o valor acordado nessa conta conjunto (não há problema nenhum se os valores forem diferentes) e as despesas comuns são debitadas dali. Jantares, supermercado, programas feitos a dois, tudo isso sairia dessa conta. A ideia não é engessar.
Exemplos: aluguel, conta de luz, água, internet. Gosto da ideia porque ela deixa bem claro números bem interessantes: quanto custa nossa vida juntos? Quanto nossa moradia custa?
Como em qualquer aspecto da vida de um casal, é impossível determinar regras de funcionamento. Não tem receita, não tem passo a passo.
Como têm lidado com as finanças nas relações de vocês?
Para quem mora junto, como dividem? Quando existe a discrepância de salários, como fazem? Para quem tem filhos, o que mudou nas respectivas contas bancárias?
Convite feito para o papo nos comentários.

Curso com Eduardo Amuri em São Paulo

Segunda turma do curso "Pó mágico", em uma mês de prática com Eduardo Amuri
Segunda turma do curso “Pó mágico”
Nota do editor: pessoal, Eduardo Amuri vai oferecer o curso “Pó mágico: como mudar nossa relação com o dinheiro e torná-lo um aliado?” a partir de 11 de setembro, às quintas, na sala de prática do lugar, em São Paulo.
Serão 4 encontros para quem está precisando se estruturar financeiramente (assalariados, autônomos ou empresários), quem já tentou criar seu próprio planejamento, mas acabou desistindo, e para quem tem dificuldade em precificar seus sonhos e acaba usando o dinheiro como desculpa para não encarar outros obstáculos internos.
Eduardo Amuri

Gosta de mudança. Estuda a relação do homem com o dinheiro e dedica-se a entender de que maneira nosso potencial financeiro pode ser utilizado para transformar nossas vidas. Está para o que vier. No G+.




Papo de homem

O que ninguém conta sobre morar junto

Apesar de apresentar muitos detalhes similares – pelo simples fato de se desvincular dos cuidados dos pais – juntar as escovas de dentes tem algumas particularidades que só começamos a entender depois que vivemos essa transição.

Infelizmente, muitas pessoas ficam com medo de abrir alguns detalhes, com medo de estar jogando um balde de água fria num momento importante na vida das pessoas. Conviver é difícil e choques vão acontecer por muito tempo até acostumarem-se.

Eu, dentro da incrível jornada que é a vida, já morei junto, já me separei, já morei junto de novo (até com a mesma pessoa) e assim fui colecionando alguns aprendizados que, sim, adoraria que alguém tivesse me contado quando tomei a decisão pela primeira vez.

O fato é que quando esse dia chega, e os dois lados estão com o julgamento extremamente comprometido pela paixão. Você só consegue pensar naquela pessoa, tudo o que quer é morar junto e acordar sentindo aquele calor na nuca, todas as manhãs. Os pontos negativos são negligenciados e a emoção acaba falando bem mais alto do que a razão.

1. Morar junto é como abrir uma empresa
Este é o ponto que o amor oculta logo de início. Morar junto (casando ou não) é como abrir uma empresa e tocar um negócio. A paixão ajuda a manter as coisas mais leves e com um peso menor, mas existem burocracias e pormenores que acabam criando incômodos muitas vezes inevitáveis.

Pode ser uma empresa ou uma rebelião.... dá tudo na mesma.
Pode ser uma empresa ou uma rebelião…. dá tudo na mesma.
Tudo isso inclui transparência financeira, cronograma de planos e direcionamentos que o casal pretende tomar. Levei muito tempo para aprender que, sem estes pontos, é muito difícil se guiar em dupla sem medo. Seu parceiro é como um sócio, que apesar de já ter confiado um passo inicial muito importante, precisa e busca por algumas certezas que amenizem o medo de caminhar no escuro.

Por isso, é normal ver conflitos acontecerem quando um membro da relação não entende claramente para onde o outro está caminhando. A comunicação sobre mudança de planos, imprevistos e o andamento do caixa deve ser frequente e sempre bem honesta.

Este é o ponto no qual muita gente se exalta e clama por liberdade, mas é só medo de sentar e lidar com as coisas de forma adulta.

2. Seu parceiro só mostra a versão melhorada de quem é
Uma das coisas mais marcantes nesta transição é o choque entre o idealizado e o modelo real.

Quando passamos apenas uma fatia limitada de tempo com uma pessoa, é muito comum ver apenas a parte boa. Sua namorada é doce, sensível e compreensiva porque você normalmente não está perto quando ela perde a cabeça, fica sem paciência e quer ficar deitada na cama, com preguiça de tomar banho e pentear o cabelo. Seu namorado não a visita quando está com aquele calção de goleiro, que já completa o sexto jogo sem lavar. Você acredita que ele é incrivelmente organizado porque ele sempre arruma o apartamento quando você avisa que vai chegar, mas nunca contou que deixou uma fatia de pizza por 2 semanas em cima da mesa da cozinha.

E você pode dizer que passa muitos dias seguidos na casa dela e que nunca viu nada disso acontecer, mas acredite, se tem algo que você não está mostrando, do outro lado acontece a mesma coisa. Ao longo do tempo a resistência cai e tudo se mostra, abrindo espaço para o choque de realidade.

3. A relação muda no primeiro dia
Apesar do ponto anterior ser até esperado pelos mais observadores, este me pegou inteiramente de surpresa. É comum ver casais que passam de 3 semanas a 1 mês juntos, um na casa do outro ou em viagens, acreditarem que esta experiência mostra como seria morar junto. Puro engano.

Pensa que dá pra manter essa pose toda por muito tempo?
Pensa que dá pra manter essa pose toda por muito tempo?
A partir do momento que entram na casa onde vão morar, não importando se um mudou pra casa do outro ou mudaram juntos para um lugar novo, aquele passa a ser um problema dos dois. Já no primeiro dia, quando os dois sentam e observam todas as caixas e coisas espalhadas pela casa nova, fazendo a lista do que falta comprar e quanto dinheiro ainda tem no banco, as atitudes começam a mudar.

É difícil dizer exatamente o que muda, dada a complexidade de cada relação. Mas é comum comentar sobre esta súbita mudança com casais de amigos que passaram a morar junto e receber uma confirmação de que foi parecido.

Os motivos vão variar bastante. O medo de não conseguir pagar as contas, de estar dando um passo maior que a perna, de ter tomado uma atitude precipitada. E se aquela não for a pessoa certa? E se eu quiser ir para praia com meus amigos sem ela? Será que eu estava pronto? Os medos são muitos e começam a assombrar muito rápido, surge a realização de que qualquer decisão, por menor que seja, terá alguém a ser consultado e essa pessoa possui um altíssimo poder de veto.

Essa pressão, se observada com bastante antecedência pode ser reduzida e transformada em motivo de maior companheirismo entre os dois. É comum, para quem viveu sozinho por muito tempo, se retrair e assumir seus medos como um problema individual, ao invés de dividir os medos e encarar a situação em dupla, como um inimigo comum.

4. A individualidade existe e deve ser preservada
Eu sei, falei um monte sobre como o casal se torna uma entidade e que divide todas as decisões sobre o andamento do time, mas existe um problema:

Você não se apaixonou por uma cópia de você e isso pode ficar evidente o tempo todo.

Ao morar junto, vários traços da nossa personalidade passam a ser omitidos em detrimento da vida conjugada. Você gosta de jogar futebol nas terças à noite, mas não gosta de deixar sua namorada sozinha em casa. Você gostava de treinar Muay Thai, mas agora seu namorado fica em casa vendo TV e você prefere ficar esse tempo com ele.

No começo, tudo isso parece atitude de um casal unido, sacrificando seus passatempos preferidos para ficar mais tempo um com o outro. Parece funcionar, até o momento em que ambos perdem suas características mais marcantes.

O casal vai se tornando cada vez mais dependente da presença do outro, o que antes era um cessão voluntária passa a se tornar uma obrigação. Esse comportamento vai se estendendo até o momento em que nenhum dos dois faz mais nada sozinho, a não ser trabalhar. E se algum dos dois trabalha em casa, é pior ainda. Daí em diante um vira uma cópia do outro e começa a se perceber num caminho bem entendiante, praticamente sem saída.

Evitar este ciclo é um exercício constante. Saber quando exigir, e também respeitar a individualidade ajuda não apenas a movimentar o cotidiano, mas a manter o assuntos variados.

Caso contrário, a pessoa interessante que você conheceu pode estar com os dias contados.

5. Saiba existir em silêncio
Existe algo muito ruim e que afeta demais a forma que o casal interage diariamente. Por muito tempo sofri do que acredito ser um mal e em conversas vejo amigos reclamarem com bastante frequência. Existe uma dificuldade em estar junto, no mesmo cômodo sem interagir.

Há uma inquietude em ver a outra pessoa calada, focada em alguma atividade. A insegurança bate, o medo e as aflições começam a falar mais alto. “Sera que fiz algo?”, “Por que ele está tão calado?”, “Será que está chateado com alguma coisa?”.

Da faísca surgem os questionamentos: “Está tudo bem?”, “Por que você está tão calado?”.

Assim, o casal desaprende que ficar em silêncio e cuidar das coisas da vida faz parte, que não precisam conversar o tempo todo, retomando a fagulha de atenção. Que este tipo de situação vai ficar cada vez mais comum, e a ausência de toque e fala, não significa que estão se distanciando. Apenas que estão cada vez mais à vontade na presença do outro.




Tudo o que falei até aqui não quer dizer que a experiência de compartilhar um lar seja intrinsecamente negativa, mas são pontos que, acredito, devem ser observados e contornados sem pânico.

Importante aceitar que cada um vem de um lugar diferente, com costumes, hábitos e preocupação que às vezes podem ser conflitantes. Seu marido pode lavar louça de uma forma que não é costumeira pra você, assim como sua esposa pode guardar coisas com uma lógica que você não compreende.

O choque de pequenas diferenças vai se tornando um problema com o tempo e a convivência, caso não entendam – e aceitem – que as diferenças fazem parte do que torna a parceria tão interessante.

ALBERTO BRANDÃO
Também escreve sobre Parkour no Decimadomuro, conta sua jornada falando sobre empreendeorismo no QG Secreto. Treina Taekwondo, Jiu-jitsu, Parkour e MMA. Escreve sobre treinamento físico em seu blog. Recentemente largou tudo para buscar um caminho mais feliz.



O que significam as coisas que nos excitam? Uma breve história do tesão!

As coisas que nos deixam excitados, e excitam aos outros, muitas vezes podem soar bastante misteriosas ou duvidosas. Examinados superficialmente, o suéter de pescador de ponto denso, as botas Wellington, ou um estacionamento são desvinculados de qualquer satisfação erótica saudável. Ainda assim sabemos bem que coisas desse tipo podem algumas vezes parecer essenciais ao sexo.
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A superficial improbabilidade dos elementos que provocam luxúria não é apenas uma característica fascinante da condição humana. É também a causa de problemas na intimidade. Como explicar para nossos amores as tantas coisas esquisitas que queremos? Por que as queremos? Podemos ficar intensamente perturbados com a direção de nossos próprios frissons. Na vida normal, podemos ser profundamente contra crueldade e violência, mas na fantasia nos descobrimos, para nosso horror, poderosamente excitados com a ideia de sermos, por exemplo, um invasor agressivo portando uma arma.
Sigmund Freud foi uma das primeiras pessoas que levou a sério nossa confusão e preocupação com relação ao sexo. Foi ótimo ele ter ajudado a levar o sexo a sério e ser tão honesto com relação a seus aspectos mais esquisitos. Mas isso teve um custo muito alto.
Suas análises sobre os motivos de nossa excitação, muitas vezes envolvendo explicações vindas da mais profunda infância, foram tão profundamente contrárias a quaisquer razões conscientes e compreensíveis que nos fizeram soar estranhos demais para nós mesmos, e isso, sem querer, criou incentivos para ainda mais repressão.
O sexo acabou, nas mãos de Freud, parecendo ainda mais perigoso e esquisito do que antes, e por isso ainda é bem difícil conversar sobre o assunto de forma razoável, digamos sentados prosaicamente numa cafeteria.
Não há por que adicionar ainda mais mistério ou vergonha. A sugestão que faço é que a excitação sexual é de fato muito fácil de compreender e não se contrapõe a razão. Ocorre em continuidade com as muitas coisas que queremos em outras áreas. Embora os entusiasmos eróticos possam algumas vezes soar estranhos (ou mesmo de mau gosto), eles são de fato motivados por uma busca pelo bem, uma busca por uma vida marcada por compreensão, simpatia, confiança, unidade, generosidade e bondade. As coisas que nos excitam são, no seu cerne, quase sempre soluções para coisas que tememos e símbolos de como gostaríamos que as coisas fossem.
À luz disso, analizemos alguns elementos comuns de excitação:

Óculos

A Ansiedade: Os óculos são símbolos de reflexão e seriedade. São usados por pessoas que parecem ter coisas importantes a resolver, talvez muitos pensamentos importantes na mente. Nossa preocupação é se esse tipo de gente tem tempo para nós. Podem ser importantes demais para nos dar atenção, ou atender a nossos desejos.
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O Erótico: Ainda assim, muitas sessões de sites eróticos contém pessoas de óculos. Por que? Porque quando convidamos os óculos para o sexo, uma ansiedade natural – e importante – está sendo trabalhada, e (temporariamente) resolvida: a preocupação que a reflexão e a seriedade por um lado, e a excitação corporal por outro, possam ser incompatíveis. A solução imaginada é que a pessoa de óculos acabe sendo não só reflexiva, mas extremamente interessada em sexo e no corpo. Sexo com óculos simboliza que a vida da mente não é separada do prazer sensual, que a sensibilidade e a seriedade podem ser adequadamente conciliadas com a intimidade, e até combinar bastante com ela.

Uniformes

A Ansiedade: Muitas vezes tememos que a autoridade venha a nos ser hostil, que não entenda nossas necessidades ou não nos compreenda de forma geral. Simplesmente dificultaria nossa vida e a encheria de tédio. Todas as coisas que queremos fazer seriam então proibidas e nos seria exigido sermos versões domesticadas e desinteressantes de nós mesmos.
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O Erótico: Uma fantasia sexual envolvendo pessoas em uniformes é uma solução imaginada para medos com relação a autoridade. Todos os tipos de uniformes são capazes de causar excitação: mais frequentemente ternos executivos, mas também os trajes de médicos, enfermeiros e pilotos… São profissões que nos intimidam e assustam, e portanto em nossos jogos sexuais convidamos o uniforme para reduzir o poder delas sobre nós. O uniforme representa a autoridade, mas a autoridade agora está do nosso lado, nos dando exatamente o tipo certo de atenção. O piloto, em vez de estar impassível aos controles da aeronave, está vidrado em ficar comigo, não é mais inimigo, mas um colaborador.
O ideal que reconhecemos, quando ocorre no contexto erótico, é que a autoridade pode ajudar em vez de causar obstáculos, pode inspirar confiança, em vez de nos intimidar. Estamos, como que se imaginando uma utopia em que força, organização, limpeza e ordem surgem para nos deixar mais confortáveis, mais relaxados e mais autênticos.

Escravidão

A Ansiedade: Somos ensinados desde jovens que precisamos nos tornar independentes. Vivemos numa cultura individualista que constantemente reprova a dependência e nos leva na direção de um ideal de maturidade autossuficiente.
Venus Erotic Fair 2012
O Erótico: E ainda assim, em termos das identidades sexuais, muitos entre nós ficamos profundamente excitados com a ideia de passividade e submissão absolutas, como uma válvula de escape das exigências extremamente exaustivas da vida adulta. Ser um “escravo” significa que a outra pessoa saberia exatamente o que você deve fazer, tomaria responsabilidade completa, retiraria todo seu poder de escolha. Isso pode soar horripilante porque a maior parte dos feitores que podemos imaginar (ou mesmo apenas nossos chefes reais) são terríveis. Eles não têm nossos interesses em seus corações. Não seriam gentis. Então queremos ser independentes em parte porque não parece haver ninguém disponível e bom o bastante para ser merecedor de nossa submissão.
Mas a esperança profunda no cenário erótico é que enfim poderemos estar com alguém que é digno de nossa lealdade e devoção completas.
É uma característica comum a todas as fantasias sexuais que elas não, – é claro – resolvam de fato os problemas nos quais embasam sua excitação. Mas não devemos nos preocupar com se a fantasia resolve ou não o problema na realidade. O que buscamos aqui é simplesmente uma forma de explicar e simpatizar com o desejo.

Dominação

A Ansiedade: A vida moderna demanda extrema polidez e decoro. Temos que  controlar nosso temperamento mandão. É claro, na esfera privada seguimos pela vida muitas vezes considerando que sabemos o que é melhor para os outros, ou pensando que alguém talvez mereça um tratamento bem mais duro. Em nossos corações, podemos gostar de ser mandões, muito exigentes e insistentes. Podemos querer forçar a obediência absoluta daqueles que nos desafiam. Mas é claro, no mundo real, isso se torna difícil pelo fato de que poucas pessoas confiam o suficiente em nós para que exerçamos tal poder; simplesmente não somos capazes de alçar ao status que nos permitiria exercitar o poder como gostaríamos.
Dungeon Dwellers And Domination Enthusiasts Descend On DomconLA
O Erótico: A fantasia é que alguém reconheça nossa força e sabedoria, reconheça nossos talentos e nos coloque totalmente em controle. O decoro não é mais necessário, não é mais preciso cuidar o que se fala. Na fantasia sexual, alguém se coloca em nossas mãos, como sempre esperamos que acontecesse. Essa é uma tentativa de lidar com o problema muito delicado e real de quando alguém tem o direito de exercer poder sobre outra pessoa. E agora, no jogo sexual, em vez de a situação estar carregada de ansiedade – porque podemos estar equivocados quanto aos desejos do outro, porque pode haver ressentimento, porque podemos machucar alguém – as ordens só se deparam com o deleite da pessoa em quem são exercidas.

Violência

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A Ansiedade: Na infância se podia saltar por aí e se bater um pouco uns nos outros e tudo bem – era até bem divertido. Mas na idade adulta somos infinitamente mais circunspectos. Toda violência é proibida. Temos horror à força, seja exercida contra nós, seja exercida por nós mesmos.
O Erótico: Mas, sonhando acordado: pode ser legal levar um tapa, levar uma pancada de alguém; pode ser legal que a coisa fique selvagem, e que se reaja com força. Seria violento, haveria uma pontada de ferocidade. E ainda assim, magicamente, ninguém realmente se machucaria. Ninguém se desapontaria. A outra pessoa aceitaria nossas possibilidades extremas, violentas. Não ficaria chocada. Não precisaríamos ser tão cuidadosos; e depois poderia haver amor e aconchego, pelo menos até a próxima.
É a fantasia de que a violência não fosse mais ruim para nós mesmos e para os outros; que nossa raiva e agressão pudessem ser exercidas de forma segura, e que isso não nos faria infelizes, mas que de fato lhes daríamos boas-vindas a elas – e que a fúria de outra pessoa não destruiria nossas vidas, mas que, de fato, nos traria um frisson benévolo.

Sexo em público/ao ar livre

A Ansiedade: Ficamos facilmente embaraçados no que diz respeito ao reino público; sentimos que temos que nos resguardar, nos comportar bem: seja nos elevadores, praças, shopping centers ou nas garagens do mundo. E mesmo a natureza é reconhecida como bastante hostil – um âmbito frio e perigoso no qual os inimigos nos espreitam.
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O Erótico: Surge então o desejo de que fiquemos tão confortáveis no mundo, em público e na natureza, quanto em casa. Seria uma solução para o tipo de opressão de fazer sexo no elevador, nas pilhas de livros da biblioteca, ou atrás do posto de gasolina, no parque, etc. O sexo ao ar livre é prazeroso pelo mesmo motivo que os piqueniques o são: são formas de domar o mundo ao sobrepor o mundo doméstico sobre ele. Qualquer atividade que se limitou a quatro paredes se torna mais prazerosa quando realizada fora destas, já que isso simboliza uma conquista de nossas ansiedades – é uma forma de se imaginar mais a vontade no mundo do que normalmente nos encontramos.
* * *
Podemos analisar quase todos os “fetiches” (timidez, casaquinhos de malha, sapatos sem salto, botas, charutos, meias 7/8, meias listradas, etc.) e encontrar estruturas parecidas: uma ansiedade e uma esperança correspondente, nas quais uma carga erótica se conectou.
Encarados assim, poderemos explicar os cenários sexuais em termos bastante racionais e razoáveis, tanto para nós mesmos quanto para as outras pessoas em nossas vidas. Poderemos trazer as pessoas para nossas histórias: explicar como se formou nosso medo de que a sensibilidade e a seriedade precisavam desdenhar o corpo. Explicar como, quando éramos adolescentes, havia certas instâncias que realmente pareciam tornar essa ideia problemática, e como acabamos buscando uma solução para isso, e porque os óculos entraram na história.
Ao falar dessa forma, a esperança é que os gostos sexuais se tornem menos embaraçosos e um pouco menos ameaçadores – e nossas soluções eróticas um pouco mais razoáveis, e, a seu próprio modo, um bocado mais lógicas.
* * *
Este texto foi originalmente publicado no Philosophers Mail e traduzido por Eduardo Pinheiro sob autorização do autor.
Alain de Botton

Pensador com uma visão afiada sobre as questões mais urgentes de hoje, escritor de livros e ensaios, fala de educação, notícias, arte, amor, viagens, arquitetura e outros temas essenciais da "filosofia da vida cotidiana". Também é fundador da School Of Life, escola dedicada a uma nova visão de formação humana.