Escrevo antes de saber o resultado da votação pela Câmara da autorização para que o STF possa julgar a denúncia oferecida pelo procurador-geral contra o presidente da República.
É pouco provável que a autorização seja concedida. Houve precipitação da Procuradoria, que fez a denúncia sem apurações mais consistentes. Entretanto, para o que desejo dizer, pouco importa a votação: a denúncia em si mesma e a fragmentação dos partidos no encaminhamento da matéria já indicam um clima de quase anomia, no qual algumas instituições do Estado e os partidos políticos se perderam.
Esta não é uma crise só brasileira. Em outros países em que prevalecem sistemas democrático-representativos também se observa a descrença nas instituições, pelo comportamento errático das mesmas, sobretudo no caso dos partidos.
Mesmo nos EEUU, na Inglaterra ou na França — países centrais na elaboração de ideologias democráticas e na formação das instituições políticas correspondentes — nota-se certa falta de prestígio de ambas.
Não falta quem contraste as deficiências dos regimes democráticos com as supostas vantagens dos regimes autoritários e mesmo ditatoriais.
O contraste é falacioso: sobram exemplos de ineficiência nos regimes autoritários, sem falar na perda de liberdade, individual e pública, cujo valor não pode ser medido em termos de eficiência dos governos.
Nem faltam casos para mostrar o quanto podem levar ao desastre regimes que de autoritários passam a ditatoriais, como na Turquia atual ou, mais impressionantemente ainda, na Venezuela, onde ocorre um verdadeiro horror perante os céus. Nela, a inexistência das garantias democráticas se soma ao descalabro econômico-financeiro.
Não é, contudo, o caso do Brasil. Houve, é certo, a perda de controle das finanças públicas pelo governo anterior. Mas nunca se chegou a ameaçar diretamente a democracia. Aqui o que houve foi a generalização e a sacralização da corrupção, com as ineficiências decorrentes, aprofundando a perda de confiança popular no governo e na vida política.
Neste sentido, estamos imersos em um mar de pequenos e grandes problemas e tão atarantados com eles que somos incapazes de vislumbrar horizonte melhor. É isso o que mais me preocupa, a despeito da gravidade tanto dos casos de corrupção quanto dos desmandos que vêm ocorrendo.
Falta alguém dizer, como De Gaulle disse quando viu o desastre da Quarta República francesa e a derrocada das guerras coloniais, que era preciso manter uma “certa ideia da França” e mudar o rumo das coisas. Aqui e agora, guardadas as proporções, é preciso que alguém — ou algum movimento — encarne uma certa ideia de Brasil e mude o rumo das coisas.
Precisamos sentir dentro de cada um de nós a responsabilidade pelo destino nacional. Somos duzentos e dez milhões de pessoas, já fizemos muito como país, temos recursos, há que voltar a acreditar em nosso futuro.
Diante do desmazelo dos partidos, da descrença e dos fatos negativos (não só a corrupção, mas o desemprego, as desigualdades e a falta de crença no rumo) é preciso responder com convicções, direção segura e reconstrução dos caminhos para o futuro.
Isso não significa desconhecer que existam conflitos, inclusive os de classe, nem propor que política se faça só com “os bons”. Significa que chegou a hora de buscar os mínimos denominadores comuns que nos permitam ultrapassar o impasse de mal estar e pessimismo.
Infelizmente, os partidos, sozinhos, não darão respostas a esta busca. O quadro desastroso (quase trinta partidos atuando no Congresso, separados não por crenças, mas por interesses grupais que se chocam na divisão do bolo orçamentário e no butim do Estado) isola as pessoas e os líderes, enclausurando-os em partidos que se opõem uns aos outros sem que se veja com clareza o porquê.
Penso que o polo progressista, radicalmente democrático, popular e íntegro, precisa se “fulanizar” em uma candidatura que em 2018 encarne a esperança. As dicotomias em curso já não preenchem as aspirações das pessoas: elas não querem o autoritarismo estatista, nem o fundamentalismo de mercado. Desejam um governo que faça a máquina burocrática funcionar, com políticas públicas que atendam às demandas das pessoas.
Um governo que seja inclusivo, quer dizer, que mantenha e expanda as políticas redutoras da pobreza e da desigualdade (educação pública de maior qualidade, impostos menos regressivos etc.), que seja fiscalmente responsável, atento às finanças públicas, e ao mesmo tempo entenda que precisamos de maior produtividade e mais investimento público e privado, pois sem crescimento da economia não haverá recuperação das finanças públicas e do bem estar do povo.
Um governo que, sobretudo, diga em alto e bom som que decência não significa elitismo, mas condição para a aceitação dos líderes pelos que hão de sustentá-los. Brizola, referindo-se a Lula, disse que ele era a “UDN de macacão”, lembrando a pregação ética dos fundadores do PT. Infelizmente Lula despiu o macacão e se deixou engolfar pelo que havia de mais tradicional em nossa política: o clientelismo e o corporativismo, tendo a corrupção como cimento.
Não é deste tipo de liderança que precisamos para construir um grande país.
Ainda que venham a ocorrer novos episódios que ponham em causa o atual governo, e melhor seria que não houvesse, de pouco adianta substituir quem manda hoje por alguém eleito indiretamente: ao líder faltaria o sopro de legitimidade dado pelo voto popular, necessário para enfrentar os desafios contemporâneos.
É tarde para chorar por impeachments perdidos ou por substituições que nada mudam. É hora de sonhar com 2018 e deixar de lado o desânimo.
Preparemos o futuro juntando pessoas, lideranças e movimentos políticos num congraçamento cívico que balance a modorra dos partidos e devolva convicção e esperança à política.
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Entrelinhas: Lendo o artigo com pressa fica a sensação que o Oráculo do tucanato insinua apoiar Lula em 2018. Mas, que ninguém se iluda, a estratégia do Psdb é continuar no bloco Pmdb/Dem, mesmo como coadjuvante. Além claro, apoiar os Psois deslumbrados a não apoiar o PT, o que é quase certo. As mariposas deslumbradas da esquerda blablarinática sempre faz o jogo da direita midiática.
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