No Tijolaço, em 23/6/2013
Anteontem, completaram-se nove anos da morte de Leonel Brizola.
A velocidade dos acontecimentos impediu-me de falar dele, com quem convivi quase diariamente, desde 1982 até seu último alento, no Hospital São Lucas, em 2004.
Em cada um destes dias, divergimos e concordamos e devo a isto o que sou, hoje.
Nada, na vida, me foi mais emocionante que soltar as lágrimas contidas pelo dever quando encontrei meus filhos, na calçada da Rua Pinheiro Machado, silenciosos, me abraçarem pela perda que eu próprio não admitia tão profunda.
Eu não devo a Brizola o que eu sou, mas devo, e com sobras, o como sou.
Aprendi com ele que a verdade é a nossa força. Aprendi que as palavras devem ter um ritmo, uma melodia, mas que ela jamais deve ser o veículo da mentira.
"Eu uso as palavras para expressar, não para esconder meus pensamentos", frase dele que me ficou como bússola e ficará sempre.
Perdoem-me o que possa soar piegas, mas devo essa homenagem ao velho. E devo a ele, também, o aprendizado possível a quem, ao contrário dele, tem ojeriza à "realpolitik".
Tenho dúzias de episódios a recordar, mas escolho o que mais tem a ver com o nosso momento.
Todo mundo achava, inclusive eu, que era meio "folclórica" a recorrente insistência de Brizola em achar que o jogo de poder internacional também era jogado aqui:
– Ninguém mais fala na CIA. Parece que até que ela fechou. Se foi isso, eu não entendo porque ela tem aquele orçamento, enorme, de bilhões de dólares? Será que não sobram uns trocados para ela aplicar no Brasil?
Claro que, no princípio, eu achava que aquilo era uma manifestação do tipo "teoria conspiratória".
Natural, eu era um guri, recém-saído do movimento estudantil e do PCB – favor não confundir com Roberto Freire – e não tinha visto a ação do IBAD e dos dinheiros americanos na deposição de João Goulart.
Devo ter sido um dos milhões de ingênuos que não percebeu o que os documentos históricos desnudaram: a ação direta dos interesses americanos na deposição de um governo democrático e progressista no Brasil e nadestruição de tudo o que se opunha ao golpe que nos levou a isso.
Um tolo, portanto, que achava que as ruas e a correlação de forças internas era o que tudo determinava e decidia.
Hoje, sob o peso do tempo que dói no corpo mas não verga a alma, se não nos acomodamos e aburguesamos como tantos fazem, posso compreender melhor.
A importância geopolítica do Brasil só não é enorme porque enorme não é um adjetivo suficiente para descrevê-la.
À parcela dominante do mundo capitalista não interessa que o Brasil tenha um governo forte, capaz de defender, soberanamente, seus interesses e sua visão global .
Deram tapinhas nas costas a Lula por sua originalidade e sucesso mas, no fundo, tal como nossas elites escravocratas, nunca deixaram de querer reduzir "aquele paraíba de m…" ao seu "devido lugar".
E o nosso lugar é o de servos, embora uma casta de dirigentes do entreposto colonial goste e creia que é "cosmopolita" e que o mundo é, de fato, uma "aldeia global".
Não somos uma aldeia, somos porque somos uma potência imanente e iminente.
Ninguém se atreveria a dizer que os EUA são parte de uma "aldeia global", não é?
Pois eles são os reis do globo ( sem trocadilho) e, mesmo fracos, impõem seu poder ideológico – e, na falta dele, o militar – sobre , de novo sem trocadilho, o globo terrestre.
Devolver o Brasil à condição de coelho amedrontado é uma prioridade. Afeganistão, Iraque e as escutas cibernéticas mostraram que, embora presididos por um negro, os EUA não deixaram de ser o que são.
A pergunta, agora, é: deixaremos de ser o que recentemente nos tornamos: um país que mira a justiça social, que é altivo, admirado, respeitado e necessariamente considerado no contexto mundial?
É possível, pela via do golpe midiático complementado pela legitimidade eleitoral, fazer-nos, outra vez, tirarmos os sapatos para prestar nossa vassalagem à corte?
Velho Briza, valeu. Obrigado pelas respostas às dúvidas que hoje são certezas.
Muito mais que a sabedoria, o que nos engrandece é o aprendizado.
Espero que Dilma Rousseff, que encontrou nele as referências de sua ação, malgrado os desencontros de conjuntura, tenha sabido absorver as lições profundas que ele nos deixou.
E que este Tijolaço não trai nem esquece.