Por Carlos Chagas
Sobral Pinto, o maior advogado de júri da História do Brasil, gostava de demonstrar para seus alunos a importância da natureza das coisas, que deveria prevalecer até mesmo sobre o Direito. Referia-se, como exemplo, a uma de suas poucas derrotas. Contratado para defender um réu acusado de assassinato, numa pequena cidade do Estado do Rio, esmerou-se na busca de provas de sua inocência. Chegou a encontrar uma testemunha que, na hora do crime, jurava haver almoçado com seu cliente em outro município, bem distante. Esmerou-se na defesa, foi brilhante em sua argumentação a ponto de a assistência aplaudi-lo demoradamente. Quando o júri voltou da reunião secreta, o veredicto: condenação por unanimidade.
O velho mestre ficou inconformado mas nada tinha a fazer. Esperando o ônibus para retornar ao Rio, entrou num bar, ia tomar café quando viu os jurados na mesa ao lado. Comentavam sua brilhante performance e até haviam pedido ao juiz para inaugurar uma fotografia dele na sala das sessões. Sobral então perguntou porque, apesar daquele entusiasmo, todos tinham decidido pela condenação. Com a resposta veio o sinal da prevalência da natureza das coisas sobre o Direito: “Dr. Sobral, o senhor foi excepcional na defesa, mas atirar entre os olhos da vítima, com um “38”, só mesmo o seu cliente, autor de outros assassinatos iguais...”
Por que se conta essa história? Porque a novidade do dia é o pedido de Carlos Cachoeira à Justiça Federal para anular a validade das investigações da Operação Monte Carlo, em especial as gravações de suas conversas com o senador Demóstenes Torres. Argumenta que, tratando-se de um senador, o inquérito só poderia ter prosseguido se autorizado pelo Supremo Tribunal Federal, como manda a lei. Assim, a escuta seria ilegal e não valeria como prova. Solicitação igual havia sido feita pelo senador à mais alta corte nacional de justiça.
Convenhamos, o bicheiro e sua turma querem atropelar a natureza das coisas. São dele e de outros asseclas, como Demóstenes Torres, as vozes ouvidas nas gravações. Não há como negar os crimes assumidos. Acresce que o objeto principal das investigações era Cachoeira, não o senador.
Seria bom se o Brasil pudesse livrar-se dessa teia de artifícios e expedientes que, podendo ser legais, são vergonhosos quando alegados por criminosos. O problema é do Congresso.