Por Válber Almeida
Admitamos que Dilma não cometeu erros porque se posicionou de modo severo contra a corrupção no interior do Estado deixando as corporações policiais e jurídicas agir livremente. Ok, não cometeu erros morais, portanto, continua candidata a santa quando falecer. Isso vai ser bom para os idealistas religiosos que sonham com mais um santo para adorar, pedir milagres e pedir apoio para conseguir aquele puxadinho no paraíso.
Admitamos, agora, que Dilma cometeu erros, não moral-utópico-idealista-irracional, mas político-racional-estratégico. Uma vez que não vive no céu com anjos, mas na terra com seres humanos egoístas, individualistas, ambiciosos, traiçoeiros, violentos, corruptos e tudo aquilo que faz lembrar a outra face do céu, isto é, o inferno, que muitos já disseram ser aqui mesmo, e eu concordo com quem disse isso...
Uma vez que este ser humano infernal, que Thomas Hobbes enxerga nos subterrâneos da humanidade, lá no "estado de natureza", habitado por miseráveis materiais e espirituais, e Maquiavel, com base em vasta análise histórica do poder, enxerga exatamente na cúpula da pirâmide social, nas estratosferas do poder onde Dilma passou a habitar...
Sabendo que o poder ideológico, político, econômico e militar costuma massacrar a capacidade dos que habitam os subterrâneos da humanidade de exercer seu egoísmo, individualismo, ambição e corrupção, eu fico com Maquiavel e delego a Hobbes o papel de maquiador filosófico do mundo de aparências dos notáveis da sociedade...
Então, Dilma errou porque delegou poderes demais a quem ela imaginava possuir alma nobre e sacra como a sua. Não entendeu que estes homens são da mesma espécie dos que fizeram o sistema a sua imagem e semelhança, um sistema que lhes serve para saciar o patológico egoísmo, individualismo, a ambição desmedida, a corrupção e a traição...
Não soube jogar o jogo racional da tentativa e erro experimental, que envolve observação, adequação de hipóteses, métodos, objetivos, maleabilidade de ações e concessões. Quis acertar e guiar suas ações por premissas de verdades morais cristalizadas, devedoras de mundos supra-terrenos...
O resultado desta equação é este: o inferno se rebelou por que o sistema não é utópico, nem em Pindorama nem na Conchinchina nem em nenhuma parte deste mundo de seres humanos. E, nesta medida, Dilma manteve o controle de suas utopias, mas perdeu as rédeas do sistema. É necessário habilidade de monge para se manter fiel a idealismos morais, mas, para administrar o sistema, é necessário sair da zona de conforto. Política não é para candidatos a santo.
Aqui no inferno, há os que buscam reduzir as distâncias com o céu e há os que tentam tornar o ambiente cada vez pior. Ambos são guiados por interesses egoístas, ambiciosos, corruptos, humanos, demasiado humanos...
Como idealista, fico com aqueles que olham para o céu e nele se inspiram para arrumar o inferno. Contudo, o sistema não muda: mudam os seus efeitos. Dilma está do nosso lado, eu sei, mas ela não tem mais condições de guiar o sistema, este inferninho no qual vivemos e do qual depende a nossa vida. Com ela, é paralisia na certa. A grande jogada agora seria passar o bastão para alguém que enxergue no céu não um destino, mas uma inspiração.